Beatriz de Abreu Fiuza Gomes1; Lara Murad Bichara2; Marcony Rodrigues de Santhiago3; Octávio Moura Brasil do Amaral Filho4
DOI: 10.1590/S0004-27492008000500022
RESUMO
O objetivo deste trabalho é correlacionar os dados clínicos de um caso de distrofia granular com o exame de tomografia de coerência óptica (OCT) de 820 nm de modo a determinar o nível intra-estromal dos depósitos corneanos. É relatado um caso de distrofia granular em paciente de 38 anos do sexo masculino. Foi realizado exame oftalmológico completo e OCT para documentação do caso. O aparelho utilizado foi o Stratus OCT III, originalmente desenvolvido para avaliação do segmento posterior. A acuidade visual corrigida foi de 20/50 em ambos os olhos. À biomicroscopia, foram observadas opacidades em "floco de neve" em diferentes níveis do estroma corneano bilateral e de forma simétrica. A avaliação pelo OCT revelou múltiplos pontos hiperreflectivos nas camadas superficiais e profundas do estroma. Foi possível acessar a anatomia morfológica da córnea através de cortes seriados realizados pelo Stratus OCT III e confirmar a profundidade dos depósitos corneanos.
Descritores: Córnea; Distrofias hereditárias da córnea; Substância própria; Tomografia de coerência óptica; Relatos de casos
ABSTRACT
The purpose of this case report is to correlate clinical features of granular dystrophy using 820 nm optical coherence tomography (OCT) in order to determine the depth of intrastromal corneal deposits. We report a case of a 38-year-old man with granular dystrophy. After complete ophthalmologic examination the patient was submitted to OCT, using the Stratus OCT III, originally proposed for studying disorders of the posterior segment. Best-corrected visual acuity was 20/50 in both eyes. Biomicroscopy revealed bilateral "snowflake"opacities in different levels of the stromal layer. OCT disclosed multiple hiperreflective dots in anterior and deeper stromal layers. It was possible to assess the morphology of the cornea and to determine the depth of the corneal deposits with serial cross-sectional OCT scans using the Stratus OCT III.
Keywords: Cornea; Corneal dystrophies, hereditary; Corneal stroma; Tomography, optical coherence; Case reports
INTRODUÇÃO
Descrita por Groenouw em 1890, a distrofia granular ou Groenouw I, é de herança autossômica dominante com início do quadro na primeira ou segunda década de vida. Caracteriza-se por opacidades brancas granulares no estroma anterior da córnea, de forma bilateral e simétrica. As opacidades consistem em depósitos de material hialino que aparecem em vermelho-rutilante quando corados pelo tricrômio de Masson(1).
Nos estágios iniciais, enquanto houver estroma transparente entre as lesões, e a superfície epitelial for regular, a visão não é afetada e os pacientes são assintomáticos. Com a progressão, as lesões tendem a aumentar em número e tamanho, podendo coalescer e estender-se às camadas profundas do estroma, causando baixa de acuidade visual. Queixas de erosões recorrentes são incomuns(1-2).
Para casos com comprometimento visual significativo, o tratamento cirúrgico deve ser considerado. O procedimento indicado varia de acordo com a profundidade e extensão das lesões estromais(1-3). A ceratoplastia pentetrante é o tratamento tradicional, e raramente se faz necessária antes da sexta década de vida. Se as opacidades forem extremamente superficiais, a ceratoplastia lamelar pode ser indicada(1-2). Recentemente, a fotoablação do estroma anterior com excimer laser (fotoceratectomia terapêutica ou PTK) tem sido realizada, apresentando resultados promissores(2,4). Esta modalidade pode ser usada em pacientes cuja espessura corneana pós-operatória prevista seja de no mínimo 250 mm baseado na paquimetria pré-operatória(2). Portanto, para decisões clínicas, a avaliação objetiva da distribuição dos depósitos assim como da espessura corneana tornam-se importantes(2-3).
O exame de tomografia de coêrencia óptica (OCT) fornece imagens de alta resolução, sendo um exame não invasivo e de não contato amplamente utilizado para o diagnóstico de glaucoma e patologias retinianas e cada vez mais utilizado para análise do segmento anterior(5-9). Avanços futuros, como OCT em três dimensões e de alta velocidade, irão certamente nos beneficiar com informações ainda mais precisas a respeito da superfície ocular e do segmento anterior(3,6). Comercialmente disponível, o VisanteTM OCT é próprio para exame dessas estruturas(7,9). No entanto, o Stratus OCT 3TM, que foi originalmente desenvolvido para estudo do segmento posterior, tem se mostrado capaz de acessar o segmento anterior com sucesso em certos trabalhos(5,10-12).
O presente trabalho visa relatar um caso de distrofia granular avaliado através do exame de OCT, utilizando o aparelho Stratus OCT 3 (Carl Zeiss Meditec)
RELATO DO CASO
MSR, sexo masculino, 37 anos, natural e residente do Rio de Janeiro. Nunca havia realizado exame oftalmológico completo e teve o diagnóstico de distrofia granular em ocasião que procurou atendimento por apresentar-se com conjuntivite.
Ao exame oftalmológico, a acuidade visual era de 20/50 olho direito e 20/50 olho esquerdo e não melhorava com refração. À biomicroscopia, foram observadas opacidades em "floco de neve" em diferentes níveis do estroma corneano nos dois olhos e de forma simétrica. A córnea entre as lesões era clara e a periferia estava poupada (Figura 1). Tonometria de aplanação de 15 mmHg em ambos os olhos e fundoscopia dentro da normalidade.
A mãe do paciente e suas 3 filhas foram examinadas à procura de manifestações fenotípicas. A mãe apresentava distrofia granular em estágio avançado e sua filha de 13 anos também era portadora, porém assintomática e em estágio inicial.
O paciente não apresentava queixa de baixa visão, portanto não foi indicado nenhum procedimento cirúrgico terapêutico no momento.
Foi realizado OCT com o intuito de avaliar a capacidade do aparelho Stratus OCT 3 em determinar o nível intra-estromal dos depósitos corneanos, correlacionando com os dados clínicos e achados biomicroscópicos. Para que o Stratus OCT 3 realize análise da córnea, é necessário ajustar a refração do equipamento para o maior grau de lentes positivas, sendo desta forma obtido foco nesta estrutura.
A avaliação pelo OCT revelou múltiplos pontos hiperreflectivos em diferentes níveis estromais, predominando no estroma anterior, porém acometendo também as camadas mais profundas. O espaço de baixa reflectividade entre eles corresponde às lamelas corneanas normais (Figura 2). A profundidade máxima das opacidades, medidas através do caliper do OCT foi de 540 µm para olho direito e 567 µm para olho esquerdo. Os achados foram compatíveis com o exame biomicroscópico e o Stratus OCT 3 mostrou-se capaz de fornecer imagens de alta resolução de cortes seriados da córnea.
DISCUSSÃO
Em casos avançados de distrofia granular, as opacidades corneanas coalescem e se aprofundam no estroma, levando a uma opacidade estromal. Nesses casos, a decisão terapêutica depende da extensão e profundidade dos depósitos e a avaliação clínica se torna dificultada por opacidades graves. Portanto, o exame de OCT é particularmente útil, uma vez que fornece imagens de alta resolução e informações precisas sobre a profundidade e extensão das lesões(2-3).
O Stratus OCT 3TM utiliza luz no comprimento de onda de 820 nm e fornece imagens em duas dimensões. Apesar de ter sido originalmente desenvolvido para fornecer imagens do segmento posterior, alguns autores sugerem a possibilidade de sua utilização para avaliar o segmento anterior, já tendo sido usado, com sucesso, em estudos para avaliar o menisco lacrimal, a íris, o ângulo iridocorneano e espessura central da córnea(5,10-12).
O VistanteTM OCT, próprio para segmento anterior, utiliza uma luz com um comprimento de onda de 1310 nm e, por conta do maior comprimento de onda, apresenta vantagens como por exemplo: melhor avaliação através da esclera e da íris, além de maior velocidade de processamento de imagens, gerando menor distorção destas, induzida pela movimentação do olho do paciente(6-7,13).
Este trabalho descreve o uso do OCT 3 para visualização de cortes corneanos, ajustando-se o foco da imagem para esta estrutura.
Observamos que foi possível acessar a anatomia morfológica da córnea através de cortes seriados realizados pelo OCT 3 e confirmar a profundidade dos depósitos de forma satisfatória.
Os resultados deste trabalho sugerem, portanto, a potencial contribuição do Stratus OCT 3 como exame complementar não invasivo nas patologias corneanas, em especial na distrofia granular.
REFERÊNCIAS
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Endereço para correspondência:
Marcony Rodrigues de Santhiago
Rua Ataulpho Coutinho, 200 - Apto. 1.202
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E-mail: [email protected]
Recebido para publicação em 04.09.2007
Última versão recebida em 24.04.2008
Aprovação em 19.05.2008
Trabalho realizado no serviço de Oftalmologia do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho (UFRJ) - Rio de Janeiro (RJ) - Brasil.
Nota Editorial: Depois de concluída a análise do artigo sob sigilo editorial e com a anuência da Dra. Norma Allemann sobre a divulgação de seu nome como revisora, agradecemos sua participação neste processo.