Open Access Peer-Reviewed
Editorial

Blefarospasmo essencial e espasmo hemifacial: características dos pacientes, tratamento com toxina botulínica A e revisão da literatura

Essential blepharospasm and hemifacial spasm: characteristic of the patient, botulinum toxin A treatment and literature review

Silvana Artioli Schellini1; Olívia Matai1; Thais Zamudio Igami1; Carlos Roberto Padovani2; Carlos Pereira Padovani3

DOI: 10.1590/S0004-27492006000100005

RESUMO

OBJETIVO: Conhecer as características dos portadores de blefarospasmo essencial e espasmo hemifacial, assim como a resposta ao tratamento utilizando toxina botulínica A. MÉTODOS: Trinta e quatro portadores de blefarospasmo essencial ou espasmo hemifacial foram avaliados quanto a idade, sexo, queixas oculares, tempo de existência da doença, tipo de comprometimento, complicações e resultado do tratamento com toxina botulínica A. RESULTADOS: A mediana da idade dos pacientes foi de 63 anos e a média, de 61 anos, sem diferença quanto ao sexo; 66,66% possuíam espasmo hemifacial e 33,33%, blefarospasmo essencial. Vários pacientes apresentavam também olho seco. A melhora com a utilização da toxina botulínica A ocorreu em 91,30% dos pacientes tratados. As complicações com o tratamento foram ptose palpebral (8,33%) e desvio da rima bucal (8,33%). CONCLUSÃO: O blefarospasmo essencial e o espasmo hemifacial geralmente acometem idosos, de ambos os sexos. O tratamento com a toxina botulínica A é eficiente, com índice muito baixo de complicações.

Descritores: Blefaroespasmo; Espasmo hemifacial; Toxina botulínica tipo A; Potenciais de ação; Músculos oculomotores

ABSTRACT

PURPOSE: To evaluate the characteristics of the essential blepharospasm and hemifacial spasm patients and the feasible treatment with botulinum toxin A. METHODS: Thirty-four essential blepharospasm or hemifacial spasm patients were evaluated according to gender, ocular complaint, time of disease, treatment outcome and complications. RESULTS: Age median was 63 years and the mean was 61 years, with no difference regarding sex; 66.66% of the patients had hemifacial spasm and 33.33%, essential blepharospasm. Many patients complained of dry eye associated with involuntary spasm. Botulinum toxin A showed a positive outcome in 91.30% of the treated patients and complications observed after treatment were eyelid ptosis (8.33%) and buccal angle deviation (8.33%). CONCLUSION: Essential blepharospasm and hemifacial spasm occurred in the elderly, of both sexes. Treatment with botulinum toxin A was useful, with very low complication rates.

Keywords: Blepharospasm; Hemifacial spasm; Botulinum toxin type A; Action potentials; Oculomotor muscles


 

 

INTRODUÇÃO

O mecanismo fisiológico do blefarospasmo (espasmo do orbicular) e da síndrome de Meige (afeta também a face inferior e pescoço) ainda não é conhecido(1). O blefarospasmo essencial e os espasmos faciais foram muitas vezes confundidos com doenças oculares ou distúrbios psíquicos(2). Apesar do blefarospasmo não implicar em alterações oculares, algumas doenças dos olhos podem desencadeá-lo(3) e lesões oculares podem preceder o quadro, o que ocorre em cerca de 12,1% dos casos(4).

As alterações psíquicas, como comportamento obsessivo compulsivo(5) e esquizofrenia(6) podem estar presentes em portadores de blefarospasmo essencial.

Apesar do blefarospasmo essencial estar presente em indivíduos sem qualquer alteração neurológica, disfunção de gânglios da base(5) ou lesão em núcleos da base, observadas por ressonância nuclear magnética(2), já foram relatadas.

O blefarospasmo pode ser desencadeado por medicamentos, como os neurolépticos(7) e pode haver predisposição genética em 9,5%(4). É caracterizado por movimentos involuntários das pálpebras, por vezes com dificuldade de abertura palpebral (apraxia).

O espasmo hemifacial é caracterizado por contrações tônicas e clônicas dos músculos inervados pelo facial ipsilateral. É importante distinguir o espasmo hemifacial do espasmo psicogênico, tics, mioquimia, blefarospasmo e discinesia tardia. Ressonância magnética pode mostrar compressão vascular da raiz do 7º nervo(8).

O tratamento do blefarospasmo essencial e do espasmo hemifacial passou por várias fases. Entretanto, desde o ano de 1984, quando se usou a toxina botulínica A em alguns pacientes já submetidos a cirurgia com boa resposta e duração média do efeito de 10 semanas, com diminuição da força muscular em cerca de 10%(9) e também em pacientes resistentes a outros tratamentos, com bons resultados e com efeitos colaterais locais, pequenos e transitórios(10), este é o tratamento mais empregado para este fim; atualmente a toxina botulínica é considerada o melhor tratamento para o blefarospasmo essencial e síndrome de Meige(11), a ponto de se dizer: "Botulinum isn't just a poison anymore"(12).

A toxina botulínica age por bloqueio seletivo e reversível da junção neuro-muscular, causando relaxamento da musculatura envolvida(13). A toxina inibe a liberação de acetilcolina das vesículas pré-sinápticas da placa neural, provocando uma neurectomia transitória(14).

O presente estudo foi desenvolvido com o objetivo de conhecer as características dos portadores de blefarospasmo essencial e espasmo hemifacial, assim como a resposta ao tratamento com toxina botulínica A, em nosso meio.

 

MÉTODOS

Foram estudados 34 portadores de blefarospasmo essencial ou espasmo hemifacial, atendidos no Serviço de Plástica Ocular da Faculdade de Medicina de Botucatu – UNESP, de 1999 até 2003, avaliando-se: idade, sexo, queixas oculares, tempo de existência da doença, tipo de comprometimento, tratamento efetuado, complicações e resultado do tratamento.

O tratamento empregado foi a toxina botulínica tipo A, tendo se utilizado o Botox® (100U) (diluição de 1 ampola em 4 ml de soro fisiológico, com injeção de 0,1 ml por sítio) ou o Dysport® (500 U) (diluição de 1 ampola em 2,5 ml de soro fisiológico, com injeção de 0,1 ml por sítio). As injeções foram aplicadas na musculatura orbicular, na região imediatamente superior ao supercílio e na pálpebra inferior. No caso do espasmo hemifacial, também outros sítios receberam aplicação, conforme a necessidade de cada paciente.

Os dados obtidos foram submetidos a análise estatística descritiva, teste do Qui-quadrado para uma amostra e teste de Fisher.

 

RESULTADOS

A mediana de idade dos 34 pacientes foi de 63 anos e a média, de 61 anos (Tabela 1). Quanto ao sexo, os pacientes não diferiram (X2=0,12 (p>0,05)). Dos portadores, 66,66% possuíam espasmo hemifacial e 33,33%, blefarospasmo essencial (X2=3,00 (p>0,05)).

Os pacientes, além dos movimentos involuntários nas pálpebras, apresentavam queixas compatíveis com olho seco (X2=34,25 (p<0,0001)).

O problema estava presente há menos de 1 ano (22,58%), de 1 a 5 anos (32,26%) ou mais do que 5 anos (16,13%), sem diferença estatística (X2=1,90 (p>0,05)).

A melhora com a utilização da toxina botulínica A ocorreu em 91,30% dos pacientes tratados (X2=15,70 (p<0,0001)).

Com este tipo de utilização, observaram-se complicações como: ptose (8,33%) e desvio da rima (8,33%) (X2=27,00 (p<0,0001)). A maioria dos pacientes não apresentou reações adversas.

 

DISCUSSÃO

O uso de toxina botulínica está se ampliando nos últimos anos, sendo utilizada para tratamento de blefarospasmo, espasmo hemifacial, estrabismo, distonias, espasticidade muscular, tremores, aplicações cosméticas, "migraine", cefaléia tensional, distonia oromandibular e cervical, proctalgia, disfagia, gastroparesia, espasticidade cerebral, nistagmo, entrópio espástico, distonias(14-16), hiperidrose palmar, axilar ou plantar(13). O tratamento de linhas hiperfuncionais da face está sendo feito desde 1992(17), aumentando exponencialmente(18).

Este estudo se refere à utilização desta medicação em portadores de blefarospasmo essencial e espasmo hemifacial. A média de idade dos pacientes foi de 61 anos, semelhante ao observado por outros(4), cujos pacientes apresentavam média de 55,8 anos.

Homens e mulheres tiveram a mesma chance de acometimento, ao contrário do que foi observado por outros que tiveram maior acometimento em mulheres (1,8/1,0)(4).

A queixa de olho seco foi bastante freqüente dentre os pacientes aqui estudados, tendo sido esta associação já relatada por outros, que referiram que o blefarospasmo melhora após a administração da toxina, mas que o olho seco pode até piorar(19). Parece que o olho seco, lacrimejamento e ptose transitória ocorrem mais em indivíduos que já tiveram cirurgia prévia de pálpebra(20).

É comum que o indivíduo com blefarospasmo apresente também fotofobia, o que se explica por estimulação simpática(21).

O problema pode estar presente há vários anos, como foi observado na amostra estudada. Também se observou o espasmo hemifacial como mais freqüente que o blefarospasmo essencial.

O tratamento empregado foi a toxina botulínica A, tendo sido utilizado o Botox® em alguns pacientes e, em outros, o Dysport®, sem que houvesse uma seleção prévia da medicação a ser empregada.

Existem diferenças entre a toxina de origem inglesa (Dysport®) e americana (Botox®). A concentração das medicações é diferente, o que leva a necessidade de diluição de forma diversa. Utiliza-se no Serviço a diluição de 4:1 para o Botox e de 2,5:1 do Dysport. Desta forma, aplicou-se em média o total de 1 ml de substância na região periocular dos pacientes que apresentavam o problema bilateralmente.

Um estudo comparou ambas as drogas em diluição de 4 (Botox®):1 (Dysport®) e foi visto que o Dysport tem efeito médio por 13 semanas e o Botox, por 11. Os efeitos advsersos foram notados em 47% com Botox e 50% com Dysport(22). Portanto, ambas as drogas possuem efeito semelhante, da mesma forma que nos pareceu quando utilizadas nos nossos pacientes.

A dose a ser empregada difere entre os autores. Bons resultados foram relatados usando-se 12,5 unidades de Dysport® por aplicação, a cada lado(23).

As drogas foram utilizadas na região superior do supercílio. Porém, também foi sugerida a injeção pré-tarsal (no músculo de Riolan, na extremidade medial e lateral da pálpebra superior) e pré-septal, reportando-se como vantagens a necessidade de quantidade menor da droga(24), com poucos efeitos colaterais(25-27), tais como a ptose palpebral.

Apesar dos relatos sobre a necessidade de se aumentar em cerca de 50% a quantidade da droga a ser administrada com o passar do tempo(28), os pacientes deste estudo continuam respondendo a mesma quantidade de medicamento usada no início do tratamento.

A eficácia do tratamento é alta. Os resultados aqui obtidos mostraram que a toxina botulínica foi efetiva para 91,3% dos pacientes. Para outros, a eficácia esteve por volta de 70%(29), 85%(30-31) e até 97% dos pacientes(32). A chance de melhora com o tratamento está também relacionada com o tipo de problema que o paciente apresenta, sendo pior nas distonias(29).

Não foi aqui avaliado o intervalo de duração do efeito. A nossa conduta tem sido reaplicação da medicação a cada 90 dias (em média), não se tendo como rotina a avaliação do efeito neste momento. Porém, sabe-se que a droga pode ter duração do efeito de 2,6 até 4,3 meses(23), ou até 170 dias(20). A duração difere com relação ao problema apresentado, de forma que para o blefarospasmo a duração pode ser de até 24 semanas e para o espasmo hemifacial, de 32(30). Também a severidade do quadro influencia a duração do tratamento(33).

A resposta ao tratamento pode ter intensidades diferentes, podendo-se utilizar a escala de Jankovic para quantificar a resposta ao tratamento com a toxina(34).

As complicações mais freqüentes nos nossos pacientes foram a ptose palpebral e o desvio da rima bucal. A complicação mais freqüentemente relatada é mesmo a ptose (3,8%)(31), podendo-se também ter diplopia, fraqueza das pálpebras, disfagia e pneumonia aspirativa (na síndrome de Meige)(29), fraqueza na musculatura da face, vômito, edema e/ou equimose(31).

Apesar de não se ter observado resistência ao tratamento, este fato existe em cerca de 10% dos pacientes e outras toxinas que não a toxina A tem sido empregadas, como a toxina botulínica sorotipo F(33) e a toxina B(35).

Levantamento feito por meio de questionários, aplicado à 1.653 portadores de blefarospasmo, mostrou que a toxina, assim como o tratamento cirúrgico, dão bons resultados – 87% de melhora com miectomia total e 96% com toxina; o uso combinado de miectomias parciais, associadas com a administração da toxina, fornece excelentes resultados(32).

Apesar da toxina botulínica ser bastante efetiva e de melhorar a qualidade de vida dos portadores de blefarospasmo e espasmo hemifacial(36), o custo é ainda considerado alto(36-37). O Dysport® possui concentração recomendada pelo fabricante de 50 U/ml. Porém, acrescentando-se albumina abaixa-se sua concentração em cerca de 30%, com o mesmo efeito e com redução do custo e menor chance de desenvolver anticorpos(38).

A avaliação da qualidade de vida por questionário com o uso da toxina botulínica revelou melhora, mas acompanhada do medo de que a medicação perca efeito e depressão(39).

Apesar da remissão da doença ser possível, não foi por nós observada(40).

Tendo em vista a alta eficácia, os poucos e transitórios efeitos colaterais e a segurança de aplicação(41), mesmo a longo prazo(42), acredita-se ser esta droga ainda de larga utilização no arsenal de tratamento do blefarospasmo e do espasmo hemifacial.

 

CONCLUSÃO

O blefarospasmo e o espasmo hemifacial geralmente acometem idosos, de ambos os sexos. O tratamento com a toxina botulínica é eficiente, com índice muito baixo de complicações.

 

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Endereço para correspondência:
Silvana Artioli Schellini
Dep. de Oftalmologia, Otorrinolaringologia e Cabeça e Pescoço
Faculdade de Medicina de Botucatu
Universidade Estadual Paulista "Julio Mesquita Filho" (UNESP)
Botucatu (SP) Cep 18618-970
E-mail: [email protected]

Recebido para publicação em 30.03.2005
Versão revisada recebida em 22.08.2005
Aprovação em 27.10.2005

 

 

Trabalho realizado na Faculdade de Medicina de Botucatu – Universidade Estadual Paulista "Julio Mesquita Filho" - UNESP - Botucatu (SP) - Brasil.


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