DOI: 10.1590/S0004-27492000000300013
Sr. Editor dos Arquivos Brasileiros de Oftalmologia
Temos assistido, com crescente constrangimento, a certas "sessões científicas" de importantes congressos, destinadas à discussão de casos cirúrgicos complicados. O ar de galhofa de alguns apresentadores, devidamente registrado por empresas particulares produtoras de vídeos, demonstra uma total despreocupação para com o paciente, transformado em personagem de cenas supostamente engraçadas de "video-cassetadas" ou seja lá qual for o nome dado ao registro de seus infortúnios. Quanto mais inusitada a cena (e, portanto, quanto maior a desgraça), mais risadas. A impressão é que se trata de um programa de TV, desses de fim de semana.
É tempo de um alerta aos coordenadores (melhor diria "animadores") das mesmas para o fato de estarmos - graças ao comportamento de alguns colegas - expondo a classe a um desgaste adicional desnecessário. Um congresso científico deve servir também para relaxamento, mas fora das salas de cursos e simpósios. O público e a mídia certamente não perdoarão quando descobrirem que desastres ou dificuldades cirúrgicas são transformados em comédias, num total desrespeito para com aqueles que se confiam a nós. A serenidade e o comedimento, certamente, condizem mais com a postura que se espera de um médico nessas horas. A tentativa de alguns "experts" de se mostrarem frios ante complicações (sobretudo quando as discutem com seus pares) pode resultar na pecha de carniceiros irresponsáveis e, decerto, em nada ajudaria quando de um litígio.
Discutir complicações é uma necessidade óbvia. Tiram-se dúvidas e, sobretudo, transmite-se aos companheiros a experiência adquirida com o sofrimento, nosso e de nossos pacientes. Com escárnio e gracejos é que não dá.
Do mesmo modo, é fundamental pensar e repensar o que se vai apresentar e como isso será feito. A verdade não pode ser escamoteada em frases como "procedimento seguro" (ou seja, isento de riscos) para cirurgias complexas, e resultados ou estatísticas implausíveis não devem ser aceitos passivamente. A participação em simpósios e cursos deve ser deixada para quem realmente tenha experiência notória, principalmente se já demonstrada nas sessões de temas livres ou em trabalhos publicados. Convites por mera amizade deslustram qualquer evento. Recusar-se a falar sobre algo que não se domina é também um modo de colaborar.
Em suma, valorizemos os congressos pela prática de alguns princípios obedecidos quando da publicação em revistas que se prezam. A responsabilidade é a mesma.
Atenciosamente,
Valter da Justa
Membro da Comissão de Ética do CBO