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Editorial

Utilização do Anel de Ferrara na estabilização e correção da ectasia corneana pós PRK

Use of Ferrara's ring in the stabilization and correction of corneal ectasia after PRK

Frederico Bicalho Dias da Silva1; Eduardo Adan França Alves1; Paulo Ferrara de Almeida Cunha1

DOI: 10.1590/S0004-27492000000300008

RESUMO

Objetivo: Avaliar a ação do anel corneano intra-estromal de Ferrara no tratamento da ectasia corneana pós Excimer Laser. Métodos: O anel de Ferrara, que já vem sendo aplicado no tratamento do ceratocone, alta miopia e astigmatismo irregular, foi utilizado para estabilizar e corrigir a ectasia corneana de dois pacientes submetidos à PRK. Resultados: Após o procedimento cirúrgico, foi observado um aplainamento da córnea central de aproximadamente 6 dioptrias no 1º caso e de 10 dioptrias no 2º, com melhora na acuidade visual. Os resultados vêm se mantendo estáveis até o momento. O tempo de seguimento pós-operatório foi de 3 e 8 meses, respectivamente. Conclusões: Anel de Ferrara obteve sucesso no difícil tratamento desta complicação cirúrgica, permitindo que se retarde ou até mesmo se evite a evolução destes casos para um transplante de córnea com todos os seus riscos, lenta recuperação e dependência da agilidade das filas de doações.

Descritores: Ectasia; Cirurgia refrativa; Anel de Ferrara

ABSTRACT

Purpose: To evaluate the action of Ferrara's Ring in the treatment of corneal ectasia after Excimer Laser. Methods: Ferrara's Ring, that is already being applied in the treatment of keratoconus, high myopia and irregular astigmatism, has been used to stabilize and to correct the corneal ectasia of 2 patients submitted to PRK. Results: After the surgical procedure, a flattening of the central cornea was observed, with approximately 6 D (first case) and 10 D in the second, with visual acuity improvement. The results have remained stable until this moment. The postoperative follow-up was of 3 and 8 months, respectively. Conclusions: Ferrara's ring has obtained success in the difficult treatment of this surgical complication, allowing delay of or even avoiding the evolution of these cases to a corneal transplantation with all its risks, slow recovery and dependence on the agility of the donation lines.

Keywords: Corneal ectasia; Refrative surgery; Ferrara's ring

INTRODUÇÃO

Há mais de 15 anos, o excimer laser entrou para o mundo oftalmológico e iniciou uma verdadeira revolução. Iniciaram, na década de 80, estudos utilizando essa nova tecnologia para cirurgias corneanas com finalidade curativa ("phototherapeutic keratectomy", ou PTK) e refrativa ("photorefractive keratectomy", ou PRK). Durante esses estudos, aprendeu-se que o PRK não era adequado para correção da alta miopia 5, o que culminou com o desenvolvimento de uma técnica híbrida entre a keratomileusis convencional e o próprio PRK, chamada de LASIK ("laser in situ keratomileusis"). De fato, a ablação excessiva da córnea gera complicações que variam desde o "haze" até a ectasia 4. Esta última provoca o retorno da miopia de forma progressiva sendo paliativamente controlada com o uso de óculos ou lentes de contato, podendo ainda evoluir para a ceratoplastia penetrante como solução definitiva, levando-se em conta todos os riscos e problemas inerentes a este procedimento.

Em 1986, foi desenvolvido o anel corneano intraestromal (ACI) chamado Anel de Ferrara que passou a ser utilizado para a correção de ceratocone, alta miopia e astigmatismo irregular. Neste trabalho, mostraremos uma nova aplicação do Anel de Ferrara: a estabilização e correção da ectasia corneana após a ceratectomia fotorefrativa.

 

MATERIAL E MÉTODO

Caso 1

Trata-se de J.A.C., 49 anos, masculino, mecânico, residente em Contagem - MG.

Portador de alta miopia em OE tratada cirurgicamente com PRK em dezembro de 1995, tendo como exame pré-operatório:

Refração: OD= plano (AV=20/20) OE= -12,5D (AV=20/40)
Ceratometria: OD= 44,50D x 44,50D OE= 44,50D x 44,50D

Evoluiu com regressão do resultado refracional e "haze", estando em abril de 1996 com 5,50D esféricas negativas no OE e acuidade visual corrigida de 20/100. A biomicroscopia mostrava a existência de "haze" 3+/4+. Foi então submetido a nova sessão de PRK.

Em agosto de 1996, apresentava novamente "haze" 3+/4+ e acuidade visual de 20/100 (refração do OE = plano). Optou-se por nova sessão de PRK seguida da utilização de corticosteróide tópico na forma de colírio (dexametasona 0,1%) cinco vezes ao dia.

Foi então encaminhado até o nosso serviço em setembro de 1997, com o seguinte exame:

Refração: OD= plano (AV=20/20) OE= -6,00esf. (AV=20/200)

A biomicroscopia mostrava a presença de "haze" 4+/4+ em OE. Foi iniciado o uso de colírio de Oncotiotepa 0,06% 4 vezes ao dia.

Em outubro de 1997, permanecia com AV cc = 20/200 e "haze" 4+/4+, sendo então realizada escarificação da córnea do OE com lâmina de bisturi nº 15 e PRK, visando correção de ¾1,00D e polimento. Duas semanas após, encontrava-se com -0,50D esf. e AV = 20/50+.

Já em janeiro de 1998, teve nova regressão do estado refracional (AV cc = 20/200) e aumento do haze (4+/4+), sendo feito fotoablação para polimento da córnea com equipamento NIDEK.

Em novembro de 1998, encontrava-se com o seguinte exame:

Refração: OE = -7,25D (AV = 20/80)
Biomicroscopia: OE = "haze" 1+/4+

Paquimetria computadorizada (ORBSCAN) central = 259 micra

Uma vez reduzido o "haze", restava a correção da ectasia corneana. Assim, em novembro de 1998, optamos pelo implante do Anel de Ferrara. Trata-se de dois segmentos de anel de PMMA de secção transversal triangular, diâmetro de ápice de 6 mm e comprimento de 150º. Em cada extremidade destes segmentos existe um orifício que permite sua manipulação durante o procedimento de implantação. A técnica cirúrgica consistiu na utilização de instrumento que possui dupla lâmina semicircular, sendo capaz de confeccionar de maneira fácil e simultânea os dois túneis corneanos estromais. Nestes, foram introduzidos os dois segmentos de anel citados anteriormente. A cirurgia foi realizada sob anestesia tópica. No pós-operatório, foi prescrito FML 4 vezes ao dia durante o primeiro mês.

Caso 2

E. A., 33 anos, masculino, comerciante, com diagnóstico de ceratocone há 5 anos. Foi submetido, bilateralmente, a tratamento com PRK há 3 meses. Embora tenha obtido um resultado satisfatório a princípio, iniciou rapidamente com lenta e progressiva piora da AV acompanhado de miopização de ambos os olhos. Foi então encaminhado a este serviço com o seguinte exame:

AVcc: OD= 20/30 (-14,00) - OE= 20/40 (-16,00)
Ceratometria: OD>52,00Dx >52,00D - OE>52,00Dx >52,00D

Biomicroscopia: córnea afilada AO com opacidades endoteliais.

Biomicroscopia ultra-sônica: Espessura corneana no ápice do cone: OD = 365 µm - OE = 365 µm

Cirurgia:

Em 17/08/98, foi submetido a implante de Anel de Ferrara no OE (AF5-60-150) (diâmetro de ápice = 5 mm; largura da base = 60 micra; comprimento de arco = 150º)

 

RESULTADOS

Caso 1

Na próxima página estão as topografias do pré- e do pós-operatório do implante do Anel de Ferrara, respectivamente, figuras 1 e 2.

 

 

 

Seu último retorno ao Centro de Oftalmologia Avançada ocorreu no dia 26 de fevereiro de 1999, após 3 meses do implante do ACI, tendo o seguinte exame:

Ceratometria: 38,03D x 34,23D (astig.:3,80D). Refração: +1,50 -2,50 x 90º (AV= 20/40).

Biomicroscopia: Conjuntivas calmas, segmentos de anel bem implantados no estroma médio, câmara anterior sem células ou "flare". Não ocorreu alteração na transparência corneana central, permanecendo o pequeno "haze" de 1+/4+ do pré-operatório.

Caso 2

Na próxima página estão as topografias do pré- e do pós-operatório do implante do Anel de Ferrara, respectivamente, figuras 3 e 4.

 

 

 

Em 18/08/98 (1º dia pós-op), encontrava-se com AV do OE sc = 20/50, mas o segmento temporal do anel sofreu um deslocamento superior de forma que sua extremidade alcançava a incisão. Este quadro foi acompanhado até o dia 27/08/98, quando se optou pelo reposicionamento do segmento temporal.

Em 30/08/98 (13 dias pós-op), estava com o seguinte exame:

Ceratometria: 37,00D x 37,00D com miras mais ou menos regulares.

Biomicroscopia: Conjuntivas normocrômicas, anel bem posicionado, com discreto edema na incisão superior.

Em 08/10/98 (51 dias pós-op), estava assintomático, com o exame:

Em 13/04/99 (8 meses pós-op):

 

DISCUSSÃO

Percebe-se, avaliando as figuras topográficas anteriores, um nítido aplainamento do ápice das córneas de aproximadamente de 6 dioptrias no caso 1 e de 10D no caso 2. O astigmatismo corneano resultante também foi de pequena monta, não ultrapassando 4,00 dioptrias no caso 1 e 5,60D no caso 2. A acuidade visual vem mantendo-se boa até a última consulta em ambos os casos (3 meses pós-op no primeiro caso e 8 meses no segundo), sendo necessárias avaliações posteriores para observarmos sua evolução de longo prazo.

A regressão de algumas dioptrias após a cirurgia da alta miopia com PRK é, até certo ponto, explicada por uma combinação entre hiperplasia epitelial e um rearranjo que ocorre na arquitetura do estroma 4. Devemos excluir a possibilidade de estarmos diante de uma refração pré-operatória pouco cuidadosa, podendo envolver até algum distúrbio de acomodação. O problema se torna grave quando se trata de uma ablação excessiva da córnea, desestabilizando sua arquitetura e permitindo a sua ectasia. Como esta complicação tende a ser progressiva, a correção com óculos ou lentes de contato são apenas paliativas. Resta o transplante de córnea como último recurso para restabelecer as características ópticas do olho, mesmo sendo um procedimento de significativo risco, recuperação lenta e dependente das filas de doação. O mais importante é a prevenção e, para isso, temos alguns princípios de Machat para a manutenção da estabilidade corneana 5:

• a profundidade da ablação não deve exceder a 50% da espessura da córnea.

• a espessura total da córnea deve ser de 400 micra ou maior.

• a espessura do estroma residual deve ter no mínimo de 200 micra, embora o ideal é que seja pelo menos 250 micra.

Embora o uso de anéis intraestromais para correção de erros refrativos não seja um conceito novo 1, 2, a técnica, instrumental e próteses ainda estão sob investigação. O aplainamento corneano com o ACI já foi demostrado em outros trabalhos 3, mas não encontramos nenhuma referência quanto à sua utilização em córneas ectásicas. Este procedimento refrativo ainda não é amplamente difundido no mundo para a correção do ceratocone, alta miopia e astigmatismo irregular.

A recuperação pós-cirúrgica é rápida, já se percebendo melhoras no dia seguinte, embora mudanças refrativas levem 3 meses para estabilizar. É comum que ocorra alguma fotofobia que pode durar algumas semanas, e visão de halos que podem durar aproximadamente 3 meses.

Os pacientes foram alertados sobre a natureza experimental da cirurgia e seus riscos inerentes.

 

CONCLUSÕES

Este estudo preliminar mostra que o implante intraestromal do Anel de Ferrara pode obter sucesso no tratamento da ectasia corneana pós PRK, aplainando sua área central e evitando sua progressão. Sendo assim, permite que se retarde ou até mesmo evite a evolução destes casos para um transplante de córnea com todos os seus riscos, lenta recuperação e dependência da agilidade das filas de doações.

 

 


 

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. Barraquer JL. Modification of refraction by means of intracorneal inclusion. Int Ophth Clin 1996;6:53.        

2. Belau PG, Dyer JA, Ogle KN, Henderson JW. Correction of ametropia with intra-corneal lenses: An experimental study. Arch Ophthalmol 1964;72:541.        

3. Neves RA, Nosé W, Belfort Jr. R, Burris TE, Schanzlin DJ. Intrastromal Corneal Ring. Arq Bras Oftalmol 1996;59:224.        

4. Goodman GL, Trokel SL, Stark WJ. Corneal healing following laser refractive keratectomy. Arch Ophthalmol 1989;107:1799.        

5. Machat JJ. PRK complications and their management. In: Excimer laser refractive surgery: practice and principles. Thorofare, Slack Incorporated, 1996;169-210.        

 

 

Apresentado no XXX Congresso Brasileiro de Oftalmologia, em Recife (PE), setembro de 1999.

(1) Especialização em Oftalmologia pela Faculdade de Medicina da UFMG.
(2) Doutorando em Oftalmologia pela Faculdade de Medicina da UFMG; Especialização em Oftalmologia pela Faculdade de Medicina da UFMG.
(3) Livre-Docente Hospital São Geraldo da UFMG; Doutor em Oftalmologia pela Faculdade de Medicina da UFMG; Diretor do Centro de Oftalmologia Avançada ¾ Belo Horizonte, MG.

Autor (1) possui patente do instrumento referido no estudo e autores (2) e (3) declaram não possuir interesse financeiro no desenvolvimento ou "marketing" dos instrumentos referidos no estudo.

Endereço para correspondência: Centro de Oftalmologia Avançada. Rua Grão Pará, 737 - Sl. 201 - Santa Efigênia - Belo Horizonte (MG) CEP 30150-341. Tel.: (031) 241-6347. E-mail: [email protected]


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