Débora Mayumi Sugano1; Lúcia Miriam Dumont Lucci2; Mariana Pereira de Ávila1; José Ricardo Carvalho Lima Rehder3; Juliana Pettinati4
DOI: 10.1590/S0004-27492005000100026
RESUMO
O tricoepitelioma é tumor cutâneo benigno derivado dos folículos pilosos. É comum na face, porém há poucos relatos sobre a ocorrência na pálpebra. não é freqüentemente reconhecido devido à sua raridade, controvérsias na sua classificação, origem e potencial biológico. O objetivo deste artigo é apresentar 2 casos de tricoepitelioma solitário na pálpebra, o exame histopatológico e seu tratamento. Esta lesão deve ser considerada quando for encontrado um nódulo solitário na região facial e diferenciada do carcinoma basocelular. A confirmação por meio do exame histopatológico é essencial.
Descritores: Carcinoma basocelular; Folículo piloso; Neoplasias palpebrais; Carcinoma adenóide cístico; Relato de caso
ABSTRACT
Trichoepithelioma is a benign skin tumor and is most commonly found on the face, however, there are few reports about its occurrence on the eyelids. It is not usually recognized because of its rarity, origin, biological potential, and controversial classification. The purpose of this paper is to report two cases of solitary trichoepithelioma on the eyelid, their histopathology and treatment. This lesion should be considered when a single solid nodule on the face appears, and can be differentiated from basal-cell carcinoma. Histopathologic confirmation is essential.
Keywords: Carcinoma, basal cell; Carcinoma basocelular; Folículo piloso; Neoplasias palpebrais; Carcinoma adenóide cístico; Relato de caso
INTRODUÇÃO
A maioria das lesões palpebrais são benignas e podem se desenvolver da epiderme, derme ou das estruturas anexas à pálpebra, com uma aparência e comportamento único. Isto ocorre, em parte, devido às características únicas na pele palpebral e de seus elementos anexos(1-2). O oftalmologista é procurado freqüentemente para o diagnóstico e tratamento das lesões perioculares devido aos sintomas relacionados à lesão, à estética ou pela possibilidade de malignidade(2).
O tricoepitelioma não é freqüentemente reconhecido devido à sua raridade e controvérsias na sua classificação, origem e potencial biológico(3).
É um tumor cutâneo benigno derivado dos folículos pilosos e mais freqüente na face(4-5). Segundo Zeligman(6), a impressão clínica pré-biópsia não é tão difícil, desde que se conheça esta possibilidade diagnóstica.
Apresenta-se sob 2 formas clínicas: 1) múltipla, hereditária, tipo dominante não ligada ao sexo, com lesões que se localizam sobretudo na face, couro cabeludo e parte superior do tórax, é também conhecido como adenoma sebáceo tipo Balzer; 2) solitária, que pode aparecer em qualquer parte do corpo, tendo preferência também pela face, não é hereditário e denomina-se tricoepitelioma solitário(4-5).
São apresentados 2 pacientes com lesão solitária de tricoepitelioma na pálpebra. O diagnóstico foi estabelecido somente após o exame anátomo-patológico.
Em 1885, Balzer relatou dois casos de adenomas sebáceos que, atualmente, são considerados como exemplos de epitelioma adenóide cístico. Em 1892, Broke relatou 4 pacientes com este diagnóstico, 2 deles com descrição histopatológica(5,7). Fordyce denominou esta entidade como epitelioma cístico benigno e Jarisch usou o termo tricoepitelioma papuloso multiplex para esta condição. Outros nomes propostos foram: acantoma adenóide cístico, erupção embrionária liquenóide da pele e nevo folicular. Os nomes mais aceitos são epitelioma adenóide cístico, epitelioma cístico benigno múltiplo e tricoepitelioma. O termo tricoepitelioma, quando sozinho, pode indicar lesões múltiplas ou únicas(7).
Savatard relatou a ocorrência de tricoepitelioma solitário em 1922. Gray afirmou que a diferença entre tricoepitelioma solitário e múltiplo é clínica, e não histológica(5).
Há relatos da transformação do epitelioma adenóide cístico para carcinoma de células basais, porém há dúvidas pois nestes relatos há indícios de carcinoma múltiplo de células basais ou nevo celular basal(7).
A associação de anomalias congênitas com epitelioma adenóide cístico também tem sido relatada(7).
RELATO DOS CASOS
Caso clínico 1
AM, 59 anos, masculino, branco. Procurou o serviço de oftalmologia devido à presença de um nódulo de crescimento lento na pálpebra inferior de olho esquerdo há 40 dias.
Ao exame externo, observou-se um nódulo na borda palpebral inferior, com 6 x 8 x 8 mm, acastanhado, de consistência endurecida, vasos aparentes no terço interno e presença de pêlos (Figura 1).
A hipótese diagnóstica inicial foi de cisto sebáceo, realizando-se a exérese em fuso e sutura com mononylon 6.0, com boa cicatrização (Figura 2).
O exame histopatológico apresentou ilhas epiteliais basalóides associadas com pequenas estruturas císticas cheias de queratina laminada, agregados epiteliais formando invaginações semelhantes a papilas foliculares e células dispostas em paliçada na periferia (Figuras 3, 4 e 5).
Caso clínico 2
EEB, 57 anos, masculino, branco. Queixava-se de um nódulo na pálpebra inferior de olho direito há mais de 1 ano. Relatou que inicialmente apresentou prurido e, há 8 meses, foi submetido a exérese quando foi diagnosticado queratoacantoma. Há 4 meses, iniciou nova irritação, com ardor, prurido intermitente e crescimento de nódulo no mesmo local, quando procurou o setor de Plástica Ocular da Faculdade de Medicina do ABC.
Ao exame externo observou-se lesão na pálpebra inferior do olho direito, 14 x 6 mm, acastanhada, granulosa, com bordas elevadas, depressão central, presença de cílios e de consistência fibro-elástica (Figura 6).
A hipótese diagnóstica inicial foi de carcinoma basocelular. Realizou-se a exérese em retângulo de 22 x 12 mm, e reconstrução da pálpebra pela técnica de Hughes (retalho tarsoconjuntival). Após 6 semanas, foi realizado a 2ª etapa desta técnica, com a separação do retalho da margem palpebral inferior e sutura contínua com poliglactina 7.0 (Figura 7).
O exame histopatológico apresentou ilhas de células basalóides rodeadas por um estroma colagenoso (Figura 8).
DISCUSSÃO
Há duas formas clínicas de tricoepitelioma: solitária (não-hereditária) e múltipla (autossômica dominante). As lesões solitárias consistem clinicamente de pápulas e nódulos múltiplos, pequenos, firmes, translucentes, de coloração normal, com predileção pelas pregas nasofaciais, base de nariz, fronte, pálpebra e, às vezes, couro cabeludo, pescoço e tórax superior(6). Originam-se do broto pilossebáceo e alguns possuem aspecto semelhante à matriz do pêlo ou a bulbos pilosos verdadeiros(8). Aparecem normalmente na puberdade ou em adultos jovens(6). Na literatura há poucos casos encontrados na pálpebra(2).
As lesões solitárias são superficiais, bem circunscritas, pequenas e simétricas(9). Histologicamente, o tumor é embebido em um estroma denso proeminente, pouca reação inflamatória, presença de cistos queratinosos e ilhas de células basalóides(7). Os cistos córneos são o aspecto histológico mais característico, presente na maioria das lesões. Quando predominam cistos córneos, na ausência de elementos basalóides, são chamados tricoadenomas(8). As ilhas de tumor compostas de células basófilas estão dispostas de uma maneira rendilhada, ou como uma rede adenóide e, ocasionalmente, também em agregados sólidos(9). Brooke(7) demonstrou a origem deste tumor da epiderme e do epitélio dos bulbos capilares e postulou que estas células mantiveram a sua natureza embrionária. Gray(7) concluiu que o tumor se originaria de células pluripotenciais cuja diferenciação está direcionada para estruturas foliculares.
Para que uma lesão se qualifique para o diagnóstico de tricoepitelioma solitário, ela deve conter numerosos cistos córneos e papilas pilosas abortivas. Figuras mitóticas devem ser ausentes ou muito raras, e a lesão não deve ser indevidamente grande, assimétrica ou infiltrante(9).
Em um estudo realizado por alguns autores, foram encontrados 82 pacientes com tricoepitelioma solitário, com idade de 5 a 75 anos, com duração das lesões de meses a 50 anos. Na face encontravam-se 83% dos casos de tricoepitelioma solitário. As lesões eram firmes, elevadas, com coloração normal e raramente papilomatosa. A maioria das lesões media 5 mm de diâmetro e eram assintomáticas, somente 2 pacientes relataram prurido. O tratamento com excisão cirúrgica mostrou-se satisfatório.
O carcinoma basocelular pode ser clínica e histologicamente de difícil diferenciação do tricoepitelioma solitário. O tricoepitelioma apresenta mais células maduras, muitas delas agrupadas ou alinhadas(6). O carcinoma basocelular também apresenta queratinização em focos, mas suas células possuem aspecto anaplásico, deposição de mucina e fendas artefactuais à microscopia(9). Como ambos tumores apresentam massas de células basais e cistos queratinosos, em alguns casos não há demarcação evidente entre eles, necessitando de reavaliação clínica(6). A diferenciação destes tumores é possível baseado na análise clínica e nos achados histológicos(7).
Outros tumores benignos originados do folículo piloso são: 1) tricofoliculoma que possui uma cratera central de onde emergem pêlos brancos; 2) triquilemoma, um tumor verrucoso relativamente comum originado do infundíbulo folicular e; (3) pilomatrixoma que apresenta células escuras características à histopatologia. Estes dois últimos tumores não apresentam arquitetura histopatológica lobular ou com forma de ramificações, como o tricoepitelioma(8).
É evidente que o tricoepitelioma deve ser considerado quando for encontrado um nódulo solitário, sólido ou anular, na face. A confirmação através da biópsia é essencial(6).
REFERÊNCIAS
1. Font RL. Eyelids-lacrimal drainage system. In: Spencer WH, editor. Ophthalmic pathology. Philadelphia: WB Saunders; 1986. p.2146-9.
2. Kersten RC, Ewing-Chow D, Kulwin DR, Gallon M. Accuracy of clinical diagnosis of cutaneous eyelid lesions. Ophthalmology. 1997;104(3):479-84.
3. Smith KJ, Skelton HG, Holland TT. Recent advances and controversies concernining adnexal neoplasm. Dermatol Clin. 1992;10(1):117-60.
4. Boni R, Fogt F, Vortmeyer AO, Ttronic BS, Zhuang Z. Genetic analysis of a trichoepithelioma and associated basal cell carcinoma. Arch Dermatol. 1998; 134(9):1170-1.
5. Santos IDAO, Martins DMFS, Inojosa FC, Melo SBC, Bandiera DC. Tricoepitelioma: relato de um caso. Acta Oncol Bras. 1986;6(1):7-10.
6. Zeligman I. Solitary trichoepithelioma. Arch Dermatol. 1960;82(1):35-40.
7. Gray HR, Helwig EB. Epithelioma adenoides cysticum and solitary trichoepithelioma. Arch Dermatol. 1963;87(2):102-14.
8. Murphy GF, Elder DE. Non-melanocytic tumors of the skin. Washington: Armed Forces Institute of Pathology;1990. (Atlas of tumor pathology, 1).
9. Elder D, Elenitas R, Johnson Jr B. Histopatologia da pele de lever. Manual e Atlas. São Paulo: Manole; 2001.
Endereço para correspondência
Débora Mayumi Sugano
Rua do Centro, 321
Santo André (SP) - CEP 09230-590
E-mail: [email protected]
Recebido para publicação em 07.12.2003
Versão revisada recebida em 02.08.2004
Aprovação em 07.10.2004
Trabalho realizado no Setor de Plástica Ocular do Departamento de Oftalmologia da Faculdade de Medicina do ABC - FMABC.