Adamo Lui Netto1; João Baptista Nigro Santiago Malta2; Maurício Arruda Câmara Barros2; Renato Giovedi Filho3; Milton Ruiz Alves4
DOI: 10.1590/S0004-27492005000100012
RESUMO
OBJETIVO: Avaliar a confiabilidade das medidas de espessura central de córnea comparando o Orbscan II com o paquímetro ultra-sônico. MÉTODOS: Foi realizado estudo retrospectivo de 134 olhos, por meio do levantamento de prontuários de 67 pacientes avaliados entre o período de janeiro a junho de 2001. Foram avaliados o sexo, idade, acuidade visual com a melhor correção, refração e medidas de espessura central corneal pelo paquímetro ultra-sônico e Orbscan II. Os dados paquimétricos foram submetidos à análise do teste t pareado e as diferenças consideradas significativas se p<0,05. RESULTADOS: Dos 67 pacientes avaliados 34 (50,7%) eram do sexo feminino e 33 (49,3%) eram do sexo masculino. A idade variou entre 20 e 59 anos com média de 32,44 anos (±9,98). A média do equivalente esférico foi de -2,68±2,62, da espessura central corneal avaliada com o Orbscan II foi de 534,81±34,45 e pelo paquímetro US foi de 535,00±29,53 não havendo diferença significativa entre os resultados das medidas de ECC (p = 0,8922). O coeficiente de correlação entre as duas medidas paquimétricas foi de 0,8774, sendo esta uma correlação forte. CONCLUSÃO: A análise de regressão demonstrou que houve alto grau de concordância entre as medidas do paquímetro ultra-sônico e do Orbscan II. O coeficiente de correlação (0,8774) demonstra que os dois métodos possuem significativa correlação linear na medida da espessura central da córnea. Desta maneira, na amostra estudada, o Orbscan II apresentou boa confiabilidade, demonstrando ser exame extremamente útil em pacientes que necessitam serem avaliados para posterior intervenção refrativa.
Descritores: Testes visuais; Córnea; Equipamentos de medição; Topografia da córnea; Confiabilidade da tecnologia; Erros de refração; Estudo comparativo
ABSTRACT
PURPOSE: To access the reliability of corneal thickness measurements by Orbscan II and ultrasound pachymeter. METHODS: A retrospective study of 134 eyes from 67 normal subjects between January and June 2001 was obtained. Sex, age, visual acuity, refractive error and corneal thickness measurements by Orbscan II and ultrasound pachymetry were evaluated. All results were analyzed by the paired t test (p<0.05). RESULTS: Sixty-seven subjects, 34 (50.7%) female and 33 (49.3%) male, with a mean age of 32.44±9.98 were evaluated. The mean of spherical equivalent was -2.68±2.62. The mean corneal thickness was 534.81±34.45 with the Orbscan II system and 535.00±29.53 with the ultrasound pachymeter, values that were not significantly different (p=0.8922). The correlation coefficient between both instruments was 0.8774, and it is effective. CONCLUSIONS: Both methods are similar showing good correlation. In this study, the Orbscan II showed reliability, and this tool is extremely useful to evaluate subjects regarding refractive surgery.
Keywords: Vision tests; Cornea; Measurement equipment; Corneal topography; Technology realibility; Refractive errors; Comparative study
INTRODUÇÃO
Atualmente a espessura corneal central (ECC) apresenta importância significativa em relação a uma série de doenças oculares, como distrofias ectásicas, olho seco, glaucoma e diabetes mellitus(1).
A paquimetria é considerada também importante fator para o acompanhamento de indivíduos usuários crônicos de lentes de contato e para aqueles que irão ser submetidos a procedimentos refrativos(2-4).
A determinação dos níveis de edema da córnea pode ser parâmetro para permitir que o usuário continue ou não utilizando lentes de contato(5).
A ECC é um fator essencial para avaliar edema corneal subclínico e a função da bomba epitelial(1). Um estudo publicado demonstrou haver variação diurna da ECC relacionada à hidratação da córnea de aproximadamente 9 µm(6).
Além disso, estudos demonstram que variações da ECC podem causar distorções nas medidas da pressão intra-ocular (PIO) sendo que estas podem ser falsamente elevadas em indivíduos com espessura maior que 600 µm e falsamente reduzidas em indivíduos com córneas mais finas (menor que 500 µm)(7).
Diversos aparelhos são capazes de realizar medidas paquimétricas: paquímetro óptico, paquímetro ultra-sônico, Orbscan II, microscópio especular de contato e não contato, tomografia de coerência óptica, interferometria a laser, microscopia confocal e biomicroscopia ultra-sônica(1-2,8-13).
O paquímetro ultra-sônico, durante anos, foi considerado o exame padrão para a ECC(14). As medidas relacionam-se com a velocidade que o ultra-som atravessa a espessura corneal(10).
O Orbscan II é o primeiro instrumento que pode proporcionar simultaneamente a topografia e a espessura corneal. A espessura corneal é determinada pela substração da superfície de elevação anterior da posterior(5).
Além disso, o Orbscan II possui outras funções como, avaliação da profundidade da câmara anterior e medida de diâmetro corneal(14).
As medidas paquimétricas em muitos casos são repetidas diversas vezes e nem sempre pela mesma pessoa. Por este motivo a precisão e a confiabilidade do aparelho independente do operador são fundamentais(2).
O objetivo deste estudo é avaliar a confiabilidade das medidas de espessura corneal central com o Obscan II e o paquímetro ultra-sônico.
MÉTODOS
Foi realizado estudo retrospectivo por meio do levantamento de prontuários da clínica particular de um dos autores.
Os prontuários de 67 pacientes que seriam submetidos à cirurgia refrativa foram selecionados de maneira aleatória. Os pacientes foram avaliados entre o período de janeiro a junho de 2001.
Os critérios de inclusão no estudo foram: ausência de anormalidade no exame oftalmológico e preenchimento completo dos prontuários.
Foram avaliados o sexo, idade, acuidade visual com a melhor correção, refração e medidas de espessura central corneal pelo paquímetro ultra-sônico (Storz 6 F 2000 Corneo Scan) e Orbscan II (Bausch & Lomb®, Rochester, New York, USA).
Dos 67 pacientes avaliados 34 (50,7%) eram do sexo feminino e 33 (49,3%) eram do sexo masculino. A idade variou entre 20 e 59 anos com média de 32,44 anos (± 9,98).
A acuidade visual com a melhor correção dos 134 olhos variou entre 0,8 (20/25) e 1,0 (20/20) com média de 0,96 (± 0,05).
As medidas de espessura central foram avaliadas em todos os pacientes no mesmo período do dia (entre 16 e 18 h) e em ambos os olhos.
Primeiro, foram realizadas duas medidas com o Orbscan II (instrumento de não contato) e a menor medida foi considerada. A seguir, foram realizadas três medidas da ECC com o instrumento de contato (paquímetro ultra-sônico) e a média foi anotada. Para tanto foi instilada uma gota de colírio anestésico (Anestalcon®) em cada olho e o paciente foi colocado em decúbito dorsal horizontal, sendo a sonda posicionada perpendicularmente ao centro da córnea.
O fator acústico de correção do Orbscan II utilizado neste estudo foi de 0,92.
Os resultados foram analisados por meio do GraphPad Instat Software. Os dados sobre idade e refração foram submetidos à análise do teste t simples. Os dados paquimétricos foram submetidos à análise do teste t pareado e considerados significativos se p<0,05. O coeficiente de correlação foi calculado empregando-se a da fórmula de Pearson.
RESULTADOS
Foram avaliados ambos os olhos dos 67 pacientes num total de 134 olhos.
A tabela 1 mostra os resultados da ECC avaliados pelo método do paquímetro ultra-sônico e Orbscan II, assim como o equivalente esférico dos 134 olhos.
O teste t pareado foi utilizado para analisar os resultados da ECC com os dois métodos paquimétricos e demonstrou que não houve diferença significativa entre os métodos (p=0,89).
O coeficiente de correlação entre as duas medidas paquimétricas foi de 0,8774, sendo esta uma correlação forte. O gráfico 1 evidencia estes resultados.
DISCUSSÃO
Na avaliação da ECC, o principal problema encontrado nas diferentes técnicas paquimétricas, realizadas com diferentes aparelhos, é a discrepância dos resultados(10).
A literatura mostra contradição nos resultados encontrados por diferentes autores, na medida da ECC pelo Orbscan II e pelo paquímetro ultra-sônico (Tabela 2).
Existem diversas razões para explicar os resultados discrepantes e os valores superestimados da ECC demonstrado pelo Orbscan II.
As diferenças existentes entre os dois aparelhos resultam dos diferentes princípios de funcionamento. O Orbscan II, que funciona como paquímetro de não contato, mede a espessura corneal entre o ar, interface do filme lacrimal e superfície posterior da córnea(1).
Nos paquímetros ultra-sônicos, o ponto exato de reflexão corneal posterior não é certo, podendo ser deslocado da membrana de Descemet até a câmara anterior(15). Além disso, a sonda do ultra-som pode ser facilmente deslocada de 7 a 40 µm para dentro da espessura do filme lacrimal e pode ocasionar desepitelização durante o exame(15-16).
A indentação causada por estes paquímetros poderia subestimar os valores reais paquimétricos. Porém, autores observaram que a ECC aferida pelo paquímetro ultra-sônico não é modificada pela indentação causada pela sonda do aparelho(17).
Além disso, um dos principais motivos de flutuação das medidas do paquímetro ultra-sônico é a angulação da sonda em relação ao epitélio da córnea(5).
Outros autores sugerem que o Orbscan II pode não apenas medir a ECC assim como o filme lacrimal que recobre a superfície anterior da córnea, que pode ter até 40 µm de espessura(16).
No presente estudo não houve diferença estatisticamente significante entre os resultados da ECC avaliada pelo Obscan II e pelo paquímetro US.
As possíveis explicações para tal fato são que todos os exames foram realizados no mesmo período do dia, evitando a variação de espessura de córnea e por um mesmo examinador(6). Talvez o modelo do paquímetro ultra-sônico utilizado possa ter influência nos resultados apresentados.
Tanto o Orbscan II como o paquímetro ultra-sônico possuem vantagens e desvantagens.
O Orbscan II proporciona a grande vantagem de oferecer num mesmo exame a análise do mapa de elevação topográfica da córnea, avaliando simultaneamente a superfície corneal anterior e posterior, e medidas de paquimetria central, paracentral e periféricas, assim como o ponto de menor espessura, sendo este seu real diferencial tecnológico. Além disso, é um exame rápido e não invasivo(1,5,18-19).
As principais desvantagens são seu alto custo, em torno de U$ 30,000, e a impossibilidade de transporte para diferentes locais(5).
O paquímetro ultra-sônico apresenta custo reduzido quando comparado ao Orbscan II, em torno de U$ 5,000. É o exame de eleição para medida da ECC, além de ser um aparelho portátil(5,10).
Porém é exame de contato com possível risco de desepitelização e infecção iatrogênica, necessita de colírio anestésico, apresenta dificuldade para posicionar a sonda no ponto exato da córnea e apresenta resultados discrepantes quando realizado por diferentes observadores e por diferentes aparelhos(20).
Neste estudo, a análise de regressão demonstrou que houve um alto grau de concordância entre as medidas do paquímetro ultra-sônico e do Orbscan II.
O coeficiente de correlação (0,87) demonstra que os dois métodos possuem significativa correlação linear na medida da espessura central da córnea.
CONCLUSÕES
No presente estudo o paquímetro ultra-sônico e o Orbscan II apresentaram boa confiabilidade, demonstrando ser exames de grande utilidade na aferição da ECC em pacientes que necessitam serem avaliados para posterior intervenção refrativa.
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Endereço para correspondência
João Baptista N. S. Malta
Av. Comendador Adibo Ares, 1590
São Paulo (SP) - CEP 05613-001
E-mail: [email protected]
Recebido para publicação em 26.09.2003
Versão revisada recebida em 16.06.2004
Aprovação em 10.11.2004
Trabalho realizado na Clínica particular do Dr. Adamo Lui Netto.