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Editorial

Vasculopatia coroidiana polipóide idiopática: relato de cinco casos

Idiopathic polypoidal choroidal vasculopathy: a report of five cases

Marcelo Hatanaka1; Fabiana Paula Tambasco2; Walter Y. Takahashi3; Hisashi Suzuki2; Alcides Hirai

DOI: 10.1590/S0004-27492004000100028

RESUMO

A vasculopatia coroidiana polipóide idiopática é entidade recentemente descrita relacionada a descolamentos recorrentes sero-sanguinolentos do epitélio pigmentado da retina ou da retina neuro-sensorial. Decorre de alterações na vascularização coroidiana que levam à formação de canais vasculares ramificados em rede vascular que termina em lesões nodulares polipóides na região justapapilar temporal. Este estudo relata cinco casos cujas características clínicas são compatíveis com este distúrbio. A média das idades era 66 anos (51 a 79 anos), um paciente da raça negra, três (60%) do sexo masculino. O tempo médio de seguimento foi de 13,4 meses (3 meses a 2 anos). As características epidemiológicas e clínicas são discutidas.

Descritores: Doenças vasculares; Coróide; Doenças da coróide; Angiofluoresceinografia; Indocianina verde

ABSTRACT

Idiopathic polypoidal choroidal vasculopathy is a recently described entity related to recurrent serosanguinolent detachments of the retinal pigment epithelium and neurosensory retina due to a choroidal vasculopathy characterized by the formation of a branching vascular network with nodular lesions in the juxtapapillary temporal region. The authors describe a series of five cases with clinical characteristics compatible with this disorder. Mean age was 66 years (51-79 years), one black patient and three (60%) males. Mean follow-up time was 13.4 months (three months to 2 years). Epidemiological and clinical data are discussed.

Keywords: Vascular diseases; Choroid; Choroid diseases; Fluorescein angiography; Indocyanine green


 

 

INTRODUÇÃO

Em 1990, foram relatados 11 casos de um distúrbio exsudativo da mácula caracterizado por uma rede neovascular anômala da coróide predominantemente justapapilar com terminações em múltiplos nódulos polipóides(1). Associados a descolamentos sero-sanguinolentos recorrentes do epitélio pigmentado da retina e da retina neuro-sensorial, os aspectos epidemiológicos deste distúrbio diferiam das outras doenças maculares associadas a neovascularização subretiniana, assim como o tempo de evolução e prognóstico quanto à acuidade visual, o que levou os autores a classificarem estes casos em uma única entidade designada vasculopatia coroidiana polipóide idiopática (VCPI).

Este trabalho relata as características de cinco pacientes cujos aspectos clínicos e angiográficos permitem considerá-los como portadores desta afecção.

 

MÉTODOS

Os pacientes deste estudo, todos de nacionalidade brasileira, foram atendidos em uma clínica privada, à exceção de um paciente, atendido no Serviço de Retina do Hospital das Clínicas da FMUSP no período de 1998 a 2000. Todos os pacientes foram submetidos a exame oftalmológico inicial completo e realização de angiofluoresceínografia e angiografia com indocianina verde. O seguimento variou de acordo com o quadro apresentado por cada indivíduo. Um resumo de todos os casos é apresentado no quadro 1.

 

 

DESCRIÇÃO DOS CASOS

A média das idades era de 66 anos (51 a 79 anos), um paciente da raça negra, três (60%) do sexo masculino. O tempo médio de seguimento foi de 13,4 meses (3 meses a 2 anos).

Caso 1

Paciente do sexo feminino, 51 anos, negra, com queixa de baixa de acuidade visual (AV) em olho direito (OD) há dois anos. AV corrigida do OD foi de 20/80 e 20/20 no OE. Fundo de olho direito demonstrava lesão elevada, subretiniana, temporal e inferior à mácula, circundada por intensa exsudação subretiniana. Eram visíveis grossos vasos subretinianos que partiam do nervo óptico em direção à mácula. Olho esquerdo (OE) apresentava pequenas lesões avermelhadas, peripapilares, temporal e superior. Ao exame de indocianina verde, estes grossos vasos eram mais evidentes. A lesão elevada era bastante hiperfluorescente, evidenciando lesão polipóide. Em OE, as pequenas lesões avermelhadas peripapilares exibiam hiperfluorescência bem definida e circunscrita, caracterizando dilatações polipóides nas fases tardias (Figura 1). Houve discreta melhora da acuidade visual ao longo de um período de dois anos. Ao término deste período, houve piora da AV para 20/200 associada à piora da exsudação subretiniana.

 

 

Caso 2

Paciente de 72 anos, branca, feminina. História de trauma contuso em OE um ano e seis meses antes da primeira consulta. A paciente relatou ter sido diagnosticada uma hemorragia de retina na ocasião. Como antecedente pessoal a paciente era hipertensa e havia sido submetida à cirurgia de revascularização do miocárdio.

Atualmente, AV OD 20/20 e OE, conta dedos (C.D.) em campo temporal. Biomicroscopia normal. Fundoscopia do OE evidenciou canais vasculares em região justapapilar temporal além de exsudatos duros e drusas no pólo posterior. O exame de indocianina verde mostrou lesões polipóides peripapilares em AO. Foi realizada fotocoagulação em OE. Com 3 meses de acompanhamento, ainda sem melhora de AV e manutenção do líquido sub-retiniano no pólo posterior.

Caso 3

Paciente do sexo masculino, 66 anos, branco com queixa de baixa de AV. Hipertenso controlado. Ao exame inicial, AV OD=20/60 e OE=20/20. Biomicroscopia normal. Fundoscopia de OD com presença de hemorragia intra-retiniana em arcada inferior, próximo à papila. Inicialmente feita a hipótese de macroaneurisma arterial retiniano. No OE, fundoscopia normal. Com três meses de acompanhamento, a AV OD melhorou espontaneamente para 20/40 pela absorção da hemorragia, o que evidenciou alterações vasculares justapapilares em região temporal compatíveis com canais vasculares da coróide e terminações com conformação nodular (polipóide), confirmado com o exame de indocianina verde. Após um ano de seguimento, a AV OD melhorou para 20/25. Observa-se na região justapapilar as terminações polipoidais e os canais vasculares (figura 2).

 

 

Caso 4

Paciente de 62 anos, branco, masculino com queixa de 1 mês de distorção de imagens e escurecimento de visão no olho esquerdo. Ao exame inicial, a melhor visão corrigida era 20/20 AO. A biomicroscopia era normal e o exame de fundo de olho evidenciou alteração pigmentar no feixe papilo-macular em OD e descolamento da retina sensorial perimacular superior à esquerda. A angiofluoresceinografia revelou a presença de vascularização difusa na área do feixe papilo-macular de OE. A angiografia com indocianina verde evidenciou lesões polipóides peripapilares e no feixe papilo-macular (figura 3). Após quatro meses de seguimento, a acuidade visual do OE era 20/60, persistindo-se a alteração fundoscópica. Optou-se pela fotocoagulação das estruturas vasculares. Com um ano de seguimento o paciente relatava piora da AV com aumento da área de escurecimento em direção central. AV = 20/300 OE.

 

 

Caso 5

Sexo masculino, branco, 79 anos. Com queixa de baixa visual há três meses. Antecedente de hipertensão arterial controlada com medicação. AV inicial de 20/200 OD e 20/50 OE. Biomicroscopia normal. Inicialmente, pela fundoscopia, feito hipótese de degeneração macular relacionada à idade fase cicatrizada OD e OE com elevação da mácula e alteração compatível com fase exsudativa. Exame de indocianina verde com lesões polipóides peripapilares em ambos os olhos (figura 2). A AV manteve-se estável por um ano e dois meses. Após este período, houve piora da AV no OE, chegando a 20/200. Fundoscopia OE evidenciou micro-hemorragias na zona avascular da fóvea.

 

DISCUSSÃO

A vasculopatia coroidiana polipoidal idiopática é uma entidade clínica distinta que envolve primariamente os vasos da coróide interna. Estas alterações vasculares são responsáveis pelos descolamentos seroso e/ou hemorrágico recorrentes do epitélio pigmentado da retina e retina neuro-sensorial.

Os primeiros casos relatados na literatura com este tipo de distúrbio são de três pacientes negras do sexo feminino que apresentavam múltiplos descolamentos bilaterais e assimétricos sero-sanguinolentos do epitélio pigmentado da retina. Nenhuma delas apresentava drusas ou outros distúrbios associados com neovascularização subretiniana. No entanto, também não foram descritas alterações vasculares coroidianas do tipo dilatações vasculares ou polipóides(2).

Em 1990, foi descrita uma série de oito pacientes com um quadro que intitularam de síndrome do sangramento uveal posterior(3). Destas, seis eram do sexo feminino e sete, negras. A idade média era de 57 anos. Além de apresentarem o descolamento já descrito para esta alteração, os autores chamaram a atenção para a presença de lesões subretinianas alaranjadas, arredondadas, alongadas ou polipóides que permaneceram estáveis ao longo de vários anos, próximo às quais ocorriam hemorragias. Para eles, estas lesões são a chave para o diagnóstico e diferenciação com outras causas de hemorragia subretiniana.

Também em 1990, 11 casos desta forma exsudativa de degeneração macular foram relatados. Neste grupo de pacientes, seis eram da raça negra e dez do sexo feminino. O termo vasculopatia coroidiana polipóide idiopática proposto foi mais amplamente aceito já que descreve melhor esta entidade clínica(1,4). Variantes já foram descritas como a associação com macroaneurisma arterial retiniano e retinopatia hipertensiva(5) e VCPI macular(6).

Os pacientes descritos como portadores desta síndrome em geral são do sexo feminino, raça negra e entre 60 e 70 anos de idade. O quadro característico é o de descolamento recorrente sero-sanguinolento do epitélio pigmentado da retina e retina neuro-sensorial e freqüentemente associados a depósitos de lípides sob a retina. Apesar das recorrências e do curso natural longo, mantêm em sua maioria um bom prognóstico visual mesmo quando as lesões exsudativas não são fotocoaguladas(1).

Embora sua exata patogênese seja ainda desconhecida, consideram-se os vasos da coróide interna como sítio primário deste distúrbio. Dois padrões anatômicos foram descritos(4): (1) rede de canais vasculares ramificados sob o epitélio pigmentado da retina, geralmente justapapilar temporal composta por vasos heterogêneos e em tamanho que não seguem o padrão lobular normal da coróide e (2) terminações desta rede em nódulos polipoidais vermelho-alaranjados projetando-se em direção à superfície.

O estudo destas estruturas com indocianina verde mostrou-se melhor que a angiofluoresceinografia devido a sua localização anatômica sob o epitélio pigmentado da retina. Como esperado, os vasos maiores nutridores tendem a contrastar-se mais precocemente que os vasos retinianos. Os vasos da rede revelam-se mais numerosos que o apreciado pelo exame fundoscópico e não apresentam extravasamento. As estruturas polipoidais aparecem pouco depois da identificação da rede vascular e apresentam hiperfluorescência tardia que pode ser decorrente de extravasamento de contraste, o que sugere sua participação na gênese da hemorragia e exsudação.

A VCPI difere da degeneração macular relacionada à idade (DMRI) pela localização justapapilar preferencial das lesões e manutenção da boa acuidade visual. Além disso, a DMRI é mais comum em pacientes brancos caucasianos com distúrbio prévio do EPR macular. Outros diagnósticos diferenciais a serem considerados são as várias causas de neovascularização subretiniana justapapilar como nas papilites, sarcoidose, estrias angióides, drusas de nervo óptico e a própria DMRI.

À exceção da faixa etária, os casos deste relato diferem quanto a sexo e raça em relação aos relatos prévios. Contudo, todos os pacientes apresentavam lesões compatíveis com VCPI identificadas através da angiografia com indocianina verde. A acuidade visual variou de 20/20 a conta-dedos, havendo evidente correlação entre baixa de acuidade visual e proximidade das estruturas vasculares com a mácula. Apesar de relatos de bom prognóstico visual com involução espontânea das lesões, a maioria dos olhos descritos apresentou acuidade visual estável, incluindo-se aqueles submetidos a fotocoagulação, enquanto dois pacientes evoluíram com piora e um paciente com melhora espontânea.

O relato destes casos consolida a existência desta doença em nosso meio. A identificação de novos casos importa para maiores estudos quanto à fisiopatologia e para o adequado acompanhamento destes pacientes.

 

REFERÊNCIAS

1. Yannuzzi LA, Sorenson J, Spaide RF, Lipson B. Idiopathic polypoidal choroidal vasculopathy (IPCV). Retina 1990;10:1-8.         

2. Stern RM, Zakov ZN, Zegarra H, Gutman FA. Multiple recurrent serosanguineous retinal pigment epithelial detachments in black women. Am J Ophthalmol 1985;100:560-9.         

3. Kleiner RC, Brucker AJ, Johnston RL. The posterior uveal bleeding syndrome. Retina 1990;10:9-17.         

4. Spaide RF, Yannuzzi LA, Slakter JS, Sorenson J, Orlach DA. Indocyanine green videoangiography of idiopathic polypoidal choroidal vasculopathy. Retina 1995; 15:100-10         

5. Ross RD, Gitter KA, Cohen G, Schomaker KS. Idiopathic polypoidal choroidal vasculopathy associated with retinal arterial macroaneurysm and hypertensive retinopathy. Retina 1996;16:105-11.         

6. Moorthy RS, Lyon AT, Rabb MF, Spaide RF, Yannuzzi LA, Jampol LM. Idiopathic polypoidal choroidal vasculopathy of the macula. Ophthalmology 1998; 105:1380-5.        

 

 

Endereço para correspondência
Rua Capote Valente, 171 Ap. 122
São Paulo (SP) CEP 05409-000
E-mail: [email protected]

Recebido para publicação em 15.08.2002
Versão revisada recebida em 19.02.2003
Aprovação em 07.04.2003

 

 

Trabalho realizado no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo - USP.
Nota Editorial: Pela análise deste trabalho e por sua anuência na divulgação desta nota, agradecemos à Dra. Juliana Maria Ferraz Sallum.


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