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Editorial

Visão e percepção visual

Harley E. A. Bicas1; Elton H. Matsushima1; José Aparecido Da Silva1

DOI: 10.1590/S0004-27492003000600001

EDITORIAL

 

Visão e percepção visual

 

 

Harley E. A. Bicas; Elton H. Matsushima; José Aparecido Da Silva

Universidade de São Paulo - Campus de Ribeirão Preto

 

 

Como outras, a ciência que cuida do olho e da visão não tem limites precisos. Nesse caso, talvez ainda mais: trata do órgão gerador (o olho) de uma função (a visão), que depende de variadas estruturas (uma delas, o cérebro, por exemplo) e de suas conexões, vinculadas a desempenhos ainda mais diferenciados, cognitivos, em suma, um conjunto de altíssima complexidade. Com uma abrangência que vai da Oftalmologia à Psicofísica, transitando pelas Neurociências e pela Física, há entre essas disciplinas elementos comuns e outros de grande diversidade; pontos de encontro e áreas cujas especificidades levam, por suas ramificações, a isolados recônditos do conhecimento, pouco ou quase nunca visitados por quem pertence a uma dessas confrarias. De fato, atribui-se a MacLuhan a célebre frase de que "o maior ignorante é o especialista, conhecedor de quase tudo, embora de quase nada". Aprofundamentos do conhecimento são requeridos pela cultura moderna, mas a perda de relações com outras áreas do saber leva à tragédia da ignorância acima anunciada. O espaço interdisciplinar de uma porventura denominada Ciência da Visão deveria contemplar e abarcar dentro de seus braços o conhecimento relativo a tudo que se refere a este sentido, incluindo não só os componentes refrativos, mas também os componentes neurais e de processamento da informação visual, assim como as interações sinergísticas com os demais sentidos e com a dinâmica do homem interagindo com o seu meio circundante.

Daí, a decisão editorial de criação de um espaço em que a fundamentação teleológica de nossa atividade profissional, a Visão, seja observada de uma perspectiva diferente daquela a qual estamos acostumados, uma perspectiva que lida com o entendimento de como ela se processa, desde a passagem pelo sistema refrativo do olho até a emergência do percepto visual e o controle que este percepto tem sobre o comportamento humano. Neste número especial, aparecem então revisões sobre aspectos importantes da percepção visual e apresentações sobre assuntos correlatos. São assinados não só por participantes de excelentes grupos de estudo dos fenômenos da visão em nosso país, cuja aproximação aos da Oftalmologia "clássica" só pode ser benéfica a ambas as partes, como por outros que costumam ser nomeados como "a nata da nata" de autores mundiais nesse complexo ramo da ciência. Uma honra para os Arquivos Brasileiros de Oftalmologia poder dar à luz tal coletânea de bons trabalhos desses eminentes cientistas.

Certamente não se faz exceção conservando a rotina: a revista aparece então toda em inglês chamando também, desse modo, a atenção internacional sobre ela. Pois é desta interação com as mentes que se debruçam sobre as mesmas questões, sejam elas nacionais ou dos quatro cantos do mundo, que se pode produzir verdadeiramente conhecimento científico sobre um tema. No nosso caso, um tema que nos é muito caro, a Visão e os instigantes fenômenos que se lhe circunscrevem.

Esta edição especial começa com a percepção de cores, em um artigo que trata de uma aplicação de conhecimento do processamento visual de cores com fins clínicos. As equipes da Prof. Ventura, da Universidade de São Paulo, e do Prof. Silveira, da Universidade Federal do Pará, desenvolveram um estudo de avaliação de diversos testes de percepção de cores na mensuração das perdas visuais causadas pelo tratamento farmacológico com cloroquina, substância empregada no tratamento de diversas enfermidades. Ainda dentro da percepção de cores, o segundo artigo, do Prof. Indow, da Universidade da Califórnia, em Irvine, revisa um extenso trabalho avaliando três sistemas de classificação de cores em função da percepção humana de cores acessada por um índice psicofísico. Simultaneamente, insights são fornecidos acerca do espaço perceptual cromático relativo às cores das superfícies dos objetos e acerca da sistematização deste espaço cromático em categorias.

O artigo seguinte, de autoria do Prof. Loomis, da Universidade da Califórnia, em Santa Barbara, se refere à importância das questões investigadas pela percepção visual do espaço para Filosofia e Ciência. Outras questões intrigantes são apresentadas, a dissociação entre localização percebida e forma percebida, e o controle visual da ação.

O tópico visitado na seqüência é a percepção de movimento. O Prof. Hershenson, da Universidade Brandeis, propõe um modelo de percepção do movimento em profundidade de objetos, que é baseado na segregação de primitivas e mecanismos de coerções. O artigo seguinte é uma revisão do Prof. Ehrenstein, da Universidade de Dortmund, sobre a percepção de movimento, desde os requisitos mínimos para a percepção de movimento, até a especificação dos mecanismos neurológicos e de processamento do movimento, passando por fenômenos mais relevantes associados à percepção de movimento e pela questão da ligação entre percepção e ação.

Os dois artigos seguintes estão relacionados à questão do controle da ação via percepção visual. No primeiro, os Profs. Bradshaw e Hibbard, da Universidade de Surrey, investigaram o papel dos indícios binoculares e de movimento no controle da preensão manual de objetos reais e virtuais, encontrando eficácia destes indícios para esta tarefa. No segundo, a equipe dos Profs. Ribeiro-Filho, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, e Da Silva, da Universidade de São Paulo, em Ribeirão Preto, estudou o efeito da informação binocular para a percepção de distâncias egocêntricas e para o controle da ação, no caso, a locomoção para alvos no espaço próximo. Os resultados demonstraram eficácia da informação binocular determinando aumento na acurácia para ambas as tarefas, perceptual e de ação.

A Profa. Helen Ross, da Universidade de Stirling, tem se dedicado a estudar a percepção visual do espaço em fenômenos associados a um ambiente diferente daquele usual para humanos, a água. Questões relacionadas a superestimativa do tamanho e a subestimativa da distância de objetos submersos são investigadas no seu estudo. Analisando uma nova ilusão visual, os Profs. Mosca, da Universidade de Liverpool, e Bruno, da Universidade de Trieste, encontraram evidências de que esta ilusão pode ser responsável pelos efeitos de outras ilusões relacionadas com movimento e segregação de superfícies, e que podem destacar a importância da segregação das junções em T em todos estes fenômenos ilusórios.

O estudo seguinte enfoca novamente uma aplicação do conhecimento da percepção visual a questões clínicas. Os Profs. Faubert e Bellavance da Universidade de Montreal delinearam um estudo em que a mensuração de campos visuais é empregada para a avaliação dos efeitos neurotóxicos da contaminação crônica por metil-mercúrio em uma comunidade canadense, em especial para separar tais efeitos de outros relacionados com outras doenças, o mal de Parkinson, e o envelhecimento normal.

A percepção visual é colocada como um instrumento de acesso a outro sentido humano, a percepção temporal, ou seja, como os seres humanos percebem o transcorrer do tempo. O Prof. Grondin, da Universidade Laval, estudou o efeito do emprego de demarcadores visuais na duração percebida e revisa os achados dos estudos já realizados.

A psicologia cognitiva também se abastece de evidências experimentais originadas de estudos com a percepção visual, no caso, com tarefas de detecção de sinal e de busca visual. Os estudos dos Prof. Gawryszewski e Machado-Pinheiro, da Universidade Federal Fluminense, e do Prof. Pereira, Jr., da Universidade Federal do Pará, sobre efeitos facilitatórios do desaparecimento de uma dica periférica na detecção dos estímulos foram relatados no presente artigo. No artigo do Prof. Galera, da Universidade de São Paulo, em Ribeirão Preto, a estrutura dos processos atentivos é estudada em função da seleção e análise dos estímulos, sendo que a evidência experimental indica que os estímulos são pré-selecionados sem carga atencional e posteriormente passam por análise atencional.

O escopo amplo, um dos intentos iniciais deste número especial, pode ser conferido pela diversidade e profundidade dos assuntos abarcados pelos artigos que foram apresentados a seguir. Devemos agradecimentos aos autores por cada contribuição valiosa e de relevância para as Ciências da Visão, assim como a imprescindível ajuda de nossas secretárias, Regina Gonçalves e Ivone de Souza, as quais tornaram a nossa tarefa de editoração o mais suave possível.

 


 

Vision and visual perception

 

 

Harley E. A. Bicas; Elton H. Matsushima; José Aparecido Da Silva

University of São Paulo at Ribeirão Preto

 

 

As other sciences, Vision Science does not have defined frontiers. In this case, maybe even undefined: it deals with a generator organ (the eye) of a function (the vision), which depends on several structures (the brain, for example) and their connections, responsible for performance even more diverse, the cognitive ones, therefore, an extremely complex ensemble. Ranging from Ophthalmology to Psychophysics, strolling through Neurosciences and Physics, those subjects share common features although they differ in many other aspects; there are merging points and also specificities leading through their branches to isolated corners of human knowledge, which are visited only by few from one of those subjects. In fact, as said by MacLuhan, the famous dictum states that "the most ignorant is the specialist, who knows almost everything, although about almost nothing". Modern culture urges for deepening of the knowledge, however, the loss of contact with other areas of knowledge fatefully will lead to the tragedy of ignorance above cited. The interdisciplinary field of a so-called Vision Science must comprise in its branches the knowledge of everything related to this sense, including not only the refractive components, but the neural components, and visual information processing features, as well as the synergistic interactions with the remaining senses and with the human dynamics during interaction with its environment.

Hence, an editorial decision of creating a space where the teleological bases of our professional activity, namely Vision, would be observed from a different perspective, one that deals with understanding of how that happens, since its passage through refractive system up to the emergence of a visual percept and its control over human behavior. In this special issue, there will be reviews about important issues of visual perception and other reports of related issues. Those are authored by staff from excellent vision research centers in our country, for keeping them close to "classical" Ophthalmology researchers would be beneficial to both, as well as by others who usually are referred as the "crème de la crème" of worldwide researchers of this complex branch of science. It is an honor for Arquivos Brasileiros de Oftalmologia to give birth to such a collection of good work from those eminent scientists.

Exceptions are not made maintaining routine, so our journal will be entirely in English, calling international attention on it. It is so, because true scientifically knowledge about something could only be produced by interaction of different minds that are dedicated to the same issues, no matter domestic or from different corners of the world. In this case, we are considering a very important issue to us, namely Vision and its intriguing phenomena.

This special issue starts with color perception, in a paper on an application of knowledge on visual processing of colors for clinical purposes. The staff of Prof. Ventura, from Universidade de São Paulo, and of Prof. Silveira, from Universidade Federal do Pará, accomplished a study of evaluation of several color perception tests on measurement of visual losses caused by pharmacological treatment with chloroquine, used for treatment of several disorders. Still on color perception, in the second paper, Prof. Indow, from University of California at Irvine, reviews an extensive work evaluating three classification systems based on human color perception, as assessed by psychophysical indices. He also offers some insights on perceptual surface color space and on how organize this perceptual space on categories.

The following paper, by Prof. Loomis, from University of California at Santa Barbara, deals with the significance of issues investigated by visual space perception for Philosophy and Science. Other intriguing issues are presented, as the dissociation between perceived location and perceived shape, and the visual control of action.

The subject visited in the following paper is motion perception. Prof. Hershenson, from University Brandeis, proposes a model of perception of motion in-depth, which is based on detection of visual primitives and constraint mechanisms. Prof. Ehrenstein, from Universität Dortmund, reviews motion perception, since minimum requirements to motion perception, until determining the neurological and processing mechanisms of motion, passing through phenomena relevant for motion perception and through the relationship between perception and action.

In the sequence, two papers on the issue of visual perception controlling action. In the first one, Prof. Bradshaw and Prof. Hibbard, both from University of Surrey, investigated the role of binocular and motion cues in the control of manual prehension of real and virtual objects, and they found efficacy of those cues for that task. In the second one, staff of Prof. Ribeiro-Filho, from Universidade Federal do Rio de Janeiro, and of Prof. Da Silva, from Universidade de São Paulo at Ribeirão Preto, investigated the effect of binocular information on perception of egocentric distances and on action control, in this case, locomotion to proximal targets. Their results showed an increase in accuracy on both tasks, due to efficacy of binocular information.

Prof. Helen Ross, from University of Stirling, has been devoted to study visual space perception in phenomena related to an unusual environment for humans: the water. Issues related to overestimates of size and undershooting of distance of underwater objects were investigated. Analyzing a new visual illusion, Prof. Mosca, from University of Liverpool, and Prof. Bruno, from Università di Trieste, they found evidences that this illusion could be responsible for the effects of other illusions related to motion and surface segregation, emphasizing the relevance of T-junctions in all those illusional phenomena.

The following study focused in a clinical application of visual perception knowledge. Prof. Faubert and Prof. Bellavance from Université de Montréal, developed a study using visual field measures to evaluate neurotoxical effects of chronic contamination with methyl-mercury in a Canadian community, intending to dissociate those effects from the ones related to other disorders, such as Parkinson's disease, and to normal aging.

Visual perception is used as an instrument of assessment of another human sense, time perception, how humans perceive the durations. Prof. Grondin, from Université Laval, studied the effect of visual markers in perceived duration, reviewing some experimental results.

Cognitive psychology also uses experimental evidences from visual perception researches, in the particular case, in studies with signal detection and visual search tasks. Prof. Gawryszewski and Prof. Machado-Pinheiro, from Universidade Federal Fluminense, and Prof. Pereira, Jr., from Universidade Federal do Pará, reported facilitatory effects of the offset of a peripheral cue on detection of stimuli. In the paper of Prof. Galera, from Universidade de São Paulo at Ribeirão Preto, he studied the structure of attentive processes as a function of selection and analysis of stimuli, since experimental evidence indicated unattended pre-selection of stimuli followed by attentional analysis.

The extensive scope, one of the main interests of this special issue, could be seen in the diversity and depth of subjects embraced by papers here presented. We must thank each author for their precious contributions to Vision Science, as well as to the vital aid of our secretaries, Regina Gonçalves and Ivone de Souza, that helped us in the editorial process.


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