Open Access Peer-Reviewed
Editorial

Estudo epidemiológico dos traumas oculares graves em um Hospital Universitário de São José do Rio Preto - SP

Epidemiological study of severe ocular trauma in a University Hospital of São José do Rio Preto - SP

Gustavo Nishimura Aragaki1; Eliane Terumi Inada1; Marta Ferrari Teixeira2; Gildásio Castello de Almeida Júnior3; Luiz Kazuo Kashiwabuchi2

DOI: 10.1590/S0004-27492003000400014

RESUMO

OBJETIVOS: Estudar a prevalência e as circunstâncias do trauma ocular grave em um Hospital Universitário de São José do Rio Preto - SP. MÉTODOS: Realizou-se estudo retrospectivo de 216 pacientes no período de setembro de 1986 a setembro de 2000 com traumatismo ocular grave que evoluiu para cirurgia. Foram avaliados o sexo, idade, lateralidade, causa do trauma, tipo de trauma, atividade no momento do acidente e acuidade visual pós-trauma. RESULTADOS: Foram estudados 216 pacientes sendo 173 (80%) do sexo masculino. A faixa etária mais acometida foi a menor de 20 anos em 94 (43,5%) pacientes. As lesões unilaterais predominaram em 209 (96,8%). A atividade predominante no momento do trauma foi o lazer em 88 (40,7%) pacientes e os principais agentes causais foram os materiais de construção em 82 (38%) dos casos. A perfuração ocular foi o tipo de trauma mais comum em 84 (85,2%) pacientes. CONCLUSÕES: As perfurações oculares unilaterais por materiais de construção predominaram em crianças, adolescentes e idosos do sexo masculino em atividades de lazer.

Descritores: Traumatismos oculares; Acidentes ocupacionais; Materiais de construção; Cegueira; Saúde ocular

ABSTRACT

PURPOSE: To study the prevalence and circumstances of severe ocular trauma in a University Hospital of São José do Rio Preto - SP. METHODS: A retrospective study was performed on 216 patients with severe ocular trauma who underwent surgery between September, 1986 to September, 2000. Sex, age, la-terality, cause of trauma, type of trauma, activity during the accident and final vision after trauma were evaluated. RESULTS: 216 patients of whom 173 (80%) were male, were studied. The most frequent age was below 20 years in 94 (43.5%) patients. The unilateral injuries predominated in 209 (96.8%). The major activity during the accident was leisure in 88 (40.7%) patients. The most frequent agent was construction materials in 82 (38%) cases. Ocular perforation was the most frequent type of trauma in 84 (85.2%) patients. CONCLUSIONS: Unilateral ocular perforations by construction materials predominated in male children, teenagers and old people during leisure.

Keywords: Eye injuries; Accidents occupational; Construction materials; Blindness; Eye health


 

 

INTRODUÇÃO

Os traumatismos oculares são responsáveis por significativa procura aos serviços de Oftalmologia, pois causam alteração ocular funcional substancial podendo até levar à cegueira, com prejuízos pessoais, sociais e econômicos importantes(1).

Os acidentes oculares variam desde pequenas lesões do tipo abrasões até perfurações extensas graves, necessitando de uma urgente intervenção oftalmológica.

A adoção da prevenção na área de Oftalmologia tem crescido em importância, ampliando a função do médico oftalmologista de apenas diagnosticar e tratar doenças(2). Desta forma, torna-se necessário o conhecimento da epidemiologia do trauma ocular responsável pela diminuição da capacidade visual por fatores facilmente preveníveis.

Este trabalho tem como objetivo levantar a prevalência e as circunstâncias do trauma ocular grave dos pacientes atendidos no Serviço de Oftalmologia do Hospital de Base da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto – SP.

 

MÉTODOS

Este trabalho avaliou retrospectivamente 216 pacientes admitidos no Serviço de Oftalmologia do Hospital de Base da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto – SP no período de Setembro de 1986 a Setembro de 2000. Para tal avaliação, utilizou-se um protocolo baseado no prontuário médico, considerando alguns critérios de inclusão e exclusão. Os critérios de inclusão analisados foram: 1) diagnóstico de trauma ocular grave (considerou-se como grave apenas os traumas oculares que tiveram indicação cirúrgica); 2) sexo e idade; 3) profissão; 4) lateralidade; 5) atividade no momento do acidente (domiciliar, lazer, trabalho, trânsito e violência); 6) causa do trauma (acidente automobilístico, arma branca, arma de fogo, fogos de artifício, galho de árvore, materiais domésticos, materiais de construção, materiais infanto-escolares e outros); 7) tipo de trauma (ferimento contuso, ferimento perfurante, ferimento perfurante e corpo estranho intra-ocular, queimadura química e semi-avulsão do globo ocular); 8) acuidade visual final.

O único critério de exclusão foi a presença de dados incompletos no prontuário médico para preenchimento do protocolo.

A avaliação da acuidade visual foi baseada na tabela de Snellen.

Os pacientes foram divididos, para efeito de estudo da faixa etária, em sete grupos: até 10 anos, de 11 a 20 anos, de 21 a 30 anos, de 31 a 40 anos, de 41 a 50 anos, de 51 a 60 anos e maior de 60 anos.

 

RESULTADOS

O resultado da análise dos 216 pacientes mostrou que 173 (80%) eram do sexo masculino e 43 (20%), do sexo feminino. Considerando-se a faixa etária, 48 (22,2%) pacientes encontram-se na faixa de 0 a 10 anos; 46 (21,3%) entre 11 a 20 anos; 40 (18,5%) entre 21 a 30 anos; 31 (14,4%) entre 31 a 40 anos; 21 (9,7%) entre 41 a 50 anos; 13 (6%) entre 51 a 60 anos e 17 (7,9%) com mais de 60 anos. A idade dos pacientes variou de 1 a 89 anos, sendo a média de 28,3 ± 20,5 anos. De acordo com a lateralidade, o olho esquerdo foi acometido em 111 (51,4%) pacientes, o olho direito em 98 (45,4%) e ambos os olhos em 7 (3,2%).

Quanto à atividade no momento do trauma, verificou-se que 88 (40,7%) pacientes encontravam-se em atividades de lazer; 62 (28,7%) no trabalho; 23 (10,6%) no trânsito; 21 (9,7%) em ambiente doméstico e 21 (9,7%) em decorrência de violência. O resultado dos traumas oculares em relação à atividade no momento do trauma e faixa etária está disposto na tabela 1.

Os agentes causadores do trauma ocular foram variados, predominando as lesões por materiais de construção em 82 (38%) pacientes, seguido por galho de árvore em 33 (15,3%) pacientes e acidente automobilístico em 23 (10,6%) pacientes. Outros agentes traumáticos também foram responsáveis pelas lesões oculares (Tabela 2).

 

 

A distribuição dos traumas oculares graves em relação ao agente causador e a atividade no momento do trauma encontram-se na tabela 3.

Dentre os tipos de trauma ocorridos, os mais freqüentes foram a perfuração ocular em 84 (85,2%) casos (Tabela 4).

 

 

Correlacionando os fatores acima analisados, temos que os ferimentos oculares ocorridos durante atividades de lazer, predominaram no sexo masculino em 65 (74%) pacientes e atingiram indivíduos menores de 20 anos em 64 (73%) casos. As perfurações oculares totalizaram 82 (93,2%) dos casos sendo em sua maioria unilaterais 85 (96,6%) e causados principalmente por materiais de construção 31 (35,3%) seguidos pela madeira 20 (22,6%) e pela pedra em 20 (22,6%). A tabela 5 mostra a distribuição dos pacientes quanto à acuidade visual final no lazer.

 

 

O procedimento cirúrgico mais realizado nos traumas decorridos do lazer foi a sutura córneo-escleral em 46 (52,2%) casos seguidos de evisceração do globo ocular em 24 (27,3%), facectomia extracapsular com implante de lente intra-ocular em 4 (16%) e ceratoplastia penetrante em 4 (4,5%).

O perfil dos indivíduos vítimas de acidente de trabalho foi predominante no sexo masculino em 98,3% dos casos, na faixa etária entre 21 a 60 anos em 92%. As profissões mais acometidas foram as de lavrador em 41 (66,2%) casos, pedreiro em 12 (19,4%) e mecânico em 3 (4,8%) casos. Os traumas decorrentes do trabalho acarretaram ferimentos perfurantes em 56 (90,3%) casos, na sua grande maioria unilaterais em 61 (98%) e com visão prejudicada de 20/200 a percepção luminosa e sem percepção luminosa em 29 (46,7%) casos.

 

DISCUSSÃO

Considerando-se o sexo dos 216 pacientes estudados, o masculino foi o mais acometido por exercer atividade de maior risco em relação ao feminino, na proporção de 4:1. Resultados semelhantes foram encontrados na literatura (3,88:1)(3) e (3,9:1)(4). Os acidentes predominaram na faixa etária de 0 a 40 anos em 76,4% dos ferimentos, atingindo crianças e jovens em idade produtiva. Isso revela a importância econômica dos traumas oculares para a sociedade.

Quanto à lateralidade, houve um predomínio das lesões unilaterais (96,8%) sobre as bilaterais (3,2%), sem diferenças entre o olho esquerdo em relação ao direito.

Os ferimentos ocorridos durante as atividades de lazer tiveram maior importância nesta casuística (40,7%), seguidos pelos acidentes ocupacionais (28,7%) e pelos acidentes automobilísticos (10,6%). Por outro lado, alguns autores observaram apenas 4,2% de traumas oculares no lazer, mas com predominância dos acidentes automobilísticos em 29,5%(5) e 77,92% de lesões oculares devido às atividades domésticas(6). Esta variação de dados pode ser explicada pela heterogeneidade dos hábitos e costumes de cada região ou país, influenciando a causa do trauma ocular e em conseqüência, os resultados referentes à atividade no momento do acidente(7).

Com relação a menor prevalência da violência (9,7%) como agente causador do trauma ocular em comparação com outros trabalhos (22,1%)(5) e (21%)(8), pode ser devido ao fato de que estes foram realizados em grandes centros urbanos, locais onde se concentram os índices de violência, intensificados por piores desigualdades socioeconômicas, crescimento urbano desenfreado e o grande contingente populacional, diferenciando-se do interior, principalmente do Estado de São Paulo.

Quanto aos traumas oculares durante as atividades recreativas, 74,2% ocorreram em indivíduos menores de 21 anos, do sexo masculino, causados principalmente por arames, pedaços de madeira e galhos de árvores. Tais dados sugerem a maior atividade física e recreativa desta faixa etária. Vários autores citam a falta de atenção dos pais acerca de objetos com potencial perigo que ficam ao alcance dos filhos e que algumas medidas preventivas poderiam facilmente evitar tais prejuízos visuais(9).

O perfil dos indivíduos vítimas de acidente de trabalho caracterizou-se por uma média de idade de 37,3 anos, predominando a profissão lavrador. Estes resultados podem ser explicados pela forte influência da atividade agropecuária da região de São José do Rio Preto – SP. Alguns autores ressaltam a importância econômica dos traumatismos oculares graves para o sistema previdenciário e também para outros setores da economia, uma vez que a ausência do trabalhador altera negativamente a sua produção(10). Outros referem que a alta prevalência dos acidentes oculares no trabalho não se deve à falta de leis e medidas preventivas, mas sim do não cumprimento destas pelo empregado e empregador de uma maneira geral(11). Além disso, concluíram a necessidade por parte das empresas de desenvolver mecanismos que tornem o uso dos equipamentos mais aceitáveis e confortáveis e estimular a percepção da necessidade dos mesmos por parte dos empregados(11).

Por fim, as lesões oculares por acidentes automobilísticos totalizaram a terceira maior causa dos traumas. Comparando-se os períodos de 1990 a 1995 em relação aos períodos de 1996 a de 2000, observou-se uma diminuição dos acidentes de 43,5% para 26,1%, respectivamente. Estes dados podem ser explicados pela adoção da lei que obriga o uso do cinto de segurança no Estado de São Paulo, promulgada em 1995, uma vez que o cinto de segurança evita o choque direto do rosto contra o pára-brisa do automóvel.

 

CONCLUSÃO

A atividade de lazer foi a principal responsável pelos traumas oculares graves, em indivíduos do sexo masculino, nas faixas etárias menor de vinte e um anos e maior de sessenta anos, devido aos materiais de construção.

O tipo de lesão ocular predominante foi a perfuração ocular, na sua grande maioria unilateral e responsável por um prognóstico visual reservado, apesar do tratamento cirúrgico.

Levando-se em consideração a elevada prevalência dos acidentes oculares graves em crianças, adolescentes e idosos do sexo masculino durante as suas atividades recreativas, é importante enfatizar a prevenção, orientando a população em geral e principalmente os responsáveis por tais indivíduos, tendo como principal alvo, os extremos das faixas etárias.

 

REFERÊNCIAS

1. Alves MR, José NK. O trauma ocular como causa de cegueira. Rev Med (São Paulo) 1997;76:297-302.        

2. Moreira CA, Debert-Ribeiro M, Belfort R. Epidemiological study of eye injuries in Brazilian children. Arch Ophthalmol 1988;106:781-4.        

3. Alves MR, José NK, Prado Junior J, Usuba FS, Onclinx TM, Marantes CR. Ferimento perfurante ocular: 400 casos admitidos na clínica oftalmológica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Arq Bras Oftalmol 1995;58:342-5.        

4. Bernucci EA, Lopreto RCC, Rodrigues MLV. Traumatismos oculares em uma unidade de emergência. Rev Bras Oftalmol 1993;52:407-11.        

5. Carani JCE, Machado CG, Gomi CF, Carvalho RMS. Ferimentos perfurantes oculares no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. O que mudou nos últimos 27 anos. Arq Bras Oftalmol 1999;62:310-4.        

6. Schellini SA, D'Aurea Filho JA, Padovani CR, Silva MRBM. Causas e características do trauma ocular perfurante em Botucatu - SP. Rev Bras Oftalmol 1995;54:829-34.        

7. Fernandes S, Schwartz H, Cachuba PT, Sobreiro EM. Ferida perfurante do globo ocular. An Oftalmol 1991;10:41-4.        

8. Bordon AF, Souza LB, Moraes NSB, Freitas D. Perfuração ocular: estudo de 473 casos. Arq Bras Oftalmol 1994;57:62-5.        

9. José NK, Alves MR, Oliveira PR. Como educar a população para a prevenção do trauma ocular. Arq Bras Oftalmol 1992;55:160-2.        

10. Schellini SA, Marchi NLM, Itoda LK, Silva MRBM, Sab N. Acidentes oculares graves decorrentes do trabalho. Rev Bras Oftalmol 1993;52:55-62.        

11. Cohen J, Carvalho RC, Romão E. Trauma ocular por acidente de trabalho em Manaus (AM). Rev Bras Oftalmol 1994;53:149-52.        

 

 

Endereço para correspondência
Dra. Eliane Terumi Inada. Rua Atílio Luiz Fasanelli nº 199 - Ap 22
São José do Rio Preto (SP) - CEP 15091-300
E-mail: [email protected]

Recebido para publicação em 25.04.2002
Aceito para publicação em 30.10.2002

 

Trabalho realizado na disciplina de Oftalmologia do Hospital de Base da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto – SP – FAMERP.
Nota Editorial: Pela análise deste trabalho e por sua anuência na divulgação desta nota, agradecemos à Dra. Denise de Freitas.


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