Open Access Peer-Reviewed
Editorial

Métodos alternativos na correção de transtornos oculomotores

Alternative methods for the correction of oculomotor disturbances

Harley E. A. Bicas1

DOI: 10.1590/S0004-27492003000400011

RESUMO

INTRODUÇÃO: O equilíbrio do sistema oculomotor depende de múltiplos fatores, para cujas correções os procedimentos são geralmente indiretos (modificação de respostas musculares, não das causas inervacionais) e, em muitos casos (correção de paralisias, dissinergias, nistagmos), insatisfatórios. Métodos para controle específico dos mecanismos de comando não têm sido possíveis, pelas peculiaridades próprias do sistema nervoso central, restando, pois, os de introdução de forças de movimentação ou de contenção sobre o próprio olho. ANÁLISES DE MÉTODOS ALTERNATIVOS: FORÇAS DE MOVIMENTAÇÃO: Entre os métodos com perspectivas de produção de rotações oculares, são revistos os de transposições musculares, com proposta para favorecer a ação abdutora de oblíquos. Referem-se ainda a métodos de aproveitamento de forças acumuladas em mecanismos distensíveis, ao de estimulação elétrica direta sobre músculos, e ao de geração de forças originadas por campos magnéticos (em modelos de construção experimental). FORÇAS DE CONTENÇÃO: Para se contrapor a ações musculares excessivas ou indesejáveis, propõe-se o uso de forças de contenção geradas por meio de fixações distensíveis (do olho à órbita), por campos magnéticos, ou pelo aumento da fricção no movimento ocular rotacional, por maior viscosidade.

Descritores: Transtornos da motilidade ocular; Técnicas de diagnóstico oftalmológico; Músculos oculomotores

ABSTRACT

INTRODUCTION: The balance of the oculomotor system depends on multiple factors, whose corrections are usually based on indirect procedures (modifications of muscular responses but not of the innervational causes) and unsatisfactory in many cases (correction of paralysis, dyssynergic movements, nystagmus). Use of methods for the specific control of the innervational command has not been possible because of the peculiarities of the central nervous system. Therefore, the solution remains the application of forces for rotational movements or for their contention directly on the eye itself. ANALYSIS OF ALTERNATIVE METHODS: FORCES FOR ROTATIONS: Among the methods which may produce ocular rotations that of muscular transpositions is reviewed, with a proposition to favor the abducting action of the oblique muscles. References are also made about methods based on forces accumulated by distensible mechanisms; generated by electric stimulation of muscles or generated by magnetic fields (in experimental models). RESTRICTIVE FORCES: For restraining excessive or undesirable muscular actions, the propositions are of using forces generated by distensible fixations (of the eye to the orbit), by magnetic fields, or by increased friction during the rotational ocular movement, caused by increased viscosity.

Keywords: Ocular motility disorders; Diagnostic techniques; ophthalmological; Oculomotor muscles


 

 

INTRODUÇÃO

As demandas do sistema oculomotor (ajustamentos posicionais binoculares a quaisquer pontos do espaço adiante do observador) são subordinadas a uma complexa organização do sistema nervoso central ("centros" oculomotores corticais e subcorticais, com suas interrelações, estendidas aos núcleos oculomotores), a mecanismos de respostas dependentes de uma adequada estruturação de agentes efetores (a disposição dos seis músculos externos de cada olho, responsáveis pela produção de suas rotações) e a uma conseqüentemente exigente delicadeza funcional na coordenação de todos esses comandos e ações. Isso tudo ainda dependente de uma boa capacidade de captação e integração dos estímulos visuais (cujas posições, nas retinas, vão constituir os padrões dos requerimentos que devem ser satisfeitos). Assim, não é surpreendente que da multiplicidade dessas estruturas, da variação de suas interações (possibilitando movimentos oculares voluntários, ou automáticos) e das complexidades de suas harmonizações, resultem falhas. E que, aliás, sejam freqüentes. Estrabismos, por exemplo, são relatados como com prevalências de cerca de 4%, um índice relativamente alto para uma afecção. Mas, conquanto e por isso mesmo mais estudados, os estrabismos não são o único tipo de problema do sistema oculomotor, havendo outras formas de desequilíbrios deste.

Tipos de desequilíbrio do sistema oculomotor

Classificar desequilíbrios oculomotores depende da propriedade com que eles se apresentam. Por exemplo: pode-se dá-los como permanentes ou latentes (dentre os quais caberiam as heteroforias, os estrabismos intermitentes, os nistagmos de oclusão, etc.), como temporalmente constantes ou periódicos, como espacialmente constantes (concomitantes) ou variáveis (incomitantes) etc, com possíveis superposições. Classificações etiopatogências são, também, muito propaladas (estrabismos inervacionais, restritivos; nistagmos de procura, labirínticos, etc.) mas aqui tomar-se-á uma divisão que identifique o distúrbio como estático, isto é, representando um problema de posição (espacial); ou como dinâmico, isto é, problema de estabilidade (temporal):

I) Desequilíbrio posicional (estático)

A) Rotacional (estrabismo)

1) concomitante

2) incomitante

a) parético

b) paralítico

c) restritivo

B) Translacional

1) Verticais (Desnivelamento) (1)

2) Horizontal

3) Longitudinal

II) Instabilidade (dinâmica)

A) Alta freqüência (nistagmos)

B) Baixa freqüência (variação posicional ao longo do tempo)

Correções dos desequilíbrios oculomotores e seus princípios

A grande dificuldade na correção de problemas da oculomotricidade não é a do ajustamento posicional dos olhos, tratando-se, por exemplo, um estrabismo. Para isso, bastaria fixar cada olho na respectiva órbita de forma que ambos ficassem bem alinhados, nelas; e, por conseguinte, um com o outro, garantindo-se o paralelismo entre seus eixos visuais. Uma operação desse tipo daria um resultado permanente, sem recidivas; faria, também, desaparecer nistagmos de quaisquer intensidades e tipos. Claro, entretanto, que essas posições oculares "congeladas" não seriam satisfatórias, por requererem maiores movimentos da cabeça, compensatórios aos dos olhos então paralisados; e por tirarem a "naturalidade do olhar" no escrutínio de situações e circunstâncias. Assim, correções posicionais (estéticas) sem a manutenção da liberdade de movimentos oculares, não são desejáveis. Aliás, há condições em que a restauração do movimento é, precisamente, a solicitação principal: paralisias neuromotoras, processos de contenção (como nas fraturas de assoalho da órbita), defeitos de comando (inervação anômala da síndrome de Duane), etc.

Por outro lado, entretanto, há os casos em que são os próprios movimentos os que correspondem ao problema básico. Eles existem, mas estão binocularmente desajustados: incomitâncias, dissinergias (também por inervação anômala: um olho se eleva, enquanto o outro faz infraversão e vice-versa). Ou são incontroláveis e de alta velocidade (nistagmos); ou lentos, como os que ocorrem nas recidivas dos estrabismos aos seus ângulos prévios, nos períodos pós-operatórios de suas cirurgias corretoras.

Assim, a enorme diversidade de afecções do sistema oculomotor não possui soluções unificadas, cujos propósitos, amplos, tornam-se traduzidos pela concepção genérica de parar os olhos quando eles não podem parar e movê-los quando eles não podem se mover, sempre correlacionando-os. Ora, essas proposições implicam a modificação de forças, seja por introdução de novas (em processos de princípios, concepções e execuções difíceis e ainda pouquíssimo explorados), seja pela potenciação ou amortecimento, indiretos, dos estímulos inervacionais (cirurgias convencionais) e aumento ou redução, diretos, das tensões "elásticas" das estruturas perioculares (idem).

Grandes avanços foram já obtidos no conhecimento das ações dos músculos oculares externos e suas interações, possibilitando que as manipulações sobre esses agentes tenham se sofisticado a ponto de as cirurgias se tornarem seletivas (atuando, apenas, em partes das fibras musculares) e as quantificações dos procedimentos terem se aprimorado (conhecimento da reatividade dos músculos aos estímulos inervacionais, conhecimento de suas capacitações como estruturas viscoelásticas, conhecimento da influência de membranas intermusculares, etc). Mas as técnicas continuam baseadas nos mesmos princípios fundamentais, atuando nas respostas musculares, nos efeitos da inervação, não nas causas de seus desequilíbrios (os estrabismos mais comuns) e, por isso, sujeitas às limitações dessas condições. Com as técnicas convencionais não se chega, portanto, à resolução de uma variada gama de afecções (paralisias oculomotoras, dissinergias, nistagmos, etc) nem sequer se tem a garantia de controle da estabilização de um resultado operatório (recidivas do estrabismo).

De qualquer modo, afinal, os procedimentos "diretos" sobre as causas inervacionais dos desequilíbrios oculomotores não oferecem perspectivas a curto e médio prazo (o acesso às áreas do sistema nervoso central responsáveis por esses desequilíbrios sendo perigoso, por poder afetar outros comandos; as técnicas para as eventuais ações exigindo delicadeza e refinamentos ainda inacessíveis), nem há também segurança de que venham, efetivamente, a resolver o assunto. Resta, pois, investir em estudos que promovam a introdução de forças no sistema periférico de resposta, visando com isso modulá-lo e controlá-lo.

POSSIBILIDADES DE INTRODUÇÃO DE FORÇAS PARA ATUAÇÃO SOBRE O OLHO

A) Forças de movimentação

1) Por transposições musculares

Inequivocamente a alternativa mais simples e difundida. Do ponto de vista puramente mecânico, "passivo", claro que músculos transpostos (tanto os retos horizontais para ajudar em ações verticais, quanto os retos verticais para ajudar em ações horizontais) transferem forças ao olho, originadas não só de suas estruturas elásticas quanto da própria tonicidade básica deles. Tais forças, certamente, suscitam uma tensão no sentido do movimento que se quer restaurar; mas, por outro lado, limitam o do sentido oposto, produzindo desvios e incomitâncias. Quanto ao aspecto inervacional, as técnicas de transposição hoje empregadas são, infelizmente, destituídas de fundamentos.

Por exemplo, o uso de forças dos retos verticais (sinergistas da adução) para a restauração de abdução (cirurgias variantes da técnica original de Hummelscheim)(1) é contraditório do ponto de vista inervacional. Eventualmente os oblíquos seriam os músculos cujas transposições pareceriam então indicadas. Por exemplo, a do oblíquo superior (livre de suas ligações com o reto superior, mas ainda conservado em sua reflexão troclear) para o equador horizontal no quadrante nasal posterior (ponto i2, figura 1). A transformação do oblíquo inferior em um agente abdutor mais eficaz sugeriria, também, planejamento similar: inserção do músculo nessa mesma posição (i2).

As duas circunstâncias esquematizadas na figura 1 ilustram como nem sempre o aparentemente melhor numa transposição muscular torna-se a opção mais favorável para o alcance de um certo objetivo. Por exemplo, i1 é a posição da inserção do oblíquo superior tal que suas ações verticais e torcionais no olhar em frente fiquem nulas, sobrando apenas a de adução. Apesar dessa ação horizontal ser favorecida em abdução, aparece um discretíssimo componente rotacional para sursundução e um para inciclodução. Mas todas essas ações se invertem em adução (passam a abdução, deorsundução e exciclodução). De qualquer modo, a ação horizontal aparentemente favorecida pela escolha de uma posição de inserção ocular do músculo em que seus efeitos vertical e torcional estariam abolidos é de resistência ao movimento executado (efeito adutor em abdução e abdutor em adução). Aliás, mesmo em posição primária do olhar a ação remanescente é pequena, predominando efeitos translacionais (2). Já a reinserção do músculo em i2 mantém o músculo sempre abdutor, abaixador (invertendo-se para elevador apenas em abduções superiores a 45º) e exciclodutor (invertendo-se a inciclodutor apenas em aduções acima de 45º).

Para a reposição de ações verticais, a transposição dos retos horizontais (cirurgias de Knapp(2) e suas possíveis variações) também não oferece boas sustentações. Se uma eventual ação sinergista de tais músculos fosse invocada para ajudar, por exemplo, a supraversão, a (analogamente provável) ação sinergista deles no movimento contrário (infraversão) restringiria o movimento de deorsundução do olho no qual a transposição teria sido feita (pela posição de elevadores). E vice-versa.

O uso dos oblíquos para repor ações verticais perdidas é pouco menos controvertido (até porque eles são considerados sinergistas naturais de tais ações), mas, assim mesmo, problemático: em casos de uma paralisia de elevação, o oblíquo inferior achar-se-ia também afetado. Por outro lado, se as ações verticais dos oblíquos, relativamente fracas (quando comparadas às dos retos verticais), podem ser melhoradas por transposições, as modificações produzidas não são assim tão substanciais a ponto de tais técnicas tornarem-se rotineiramente aproveitáveis.

Lembre-se, por fim, que toda mudança de plano de ação muscular, embora possa fazer aparecer, ou aumentar, um componente rotacional, é acompanhada de redução, ou desaparecimento, de pelo menos um dos outros dois componentes. De qualquer modo, alterações do equilíbrio oculomotor nos outros dois planos de ação muscular e nas várias direções de fixação são conseqüências implícitas dos métodos de transposições musculares.

2) Por artefatos de contenção elástica

A idéia de restaurar uma rotação perdida, pelo uso de forças do antagonista ao músculo paralisado, por acumulação delas num artefato elástico que se distende (por exemplo, numa paralisia de reto lateral, ou numa síndrome de Duane tipo I, forças que se acumulam numa faixa elástica, ou mola, por sua distensão durante a adução) e sua recuperação quando o mecanismo libera as forças (quando o reto medial se relaxa) foi concebida(3-10) e realizada(11-13), comprovando a exeqüibilidade do plano; mas depois abandonada por se mostrar a impossibilidade de se conseguir, com ela, a conjugação binocular(14), a não ser que se promovesse um defeito e uma correção similares e conjugados, no outro olho.

3) Por estimulação elétrica direta sobre o músculo

Essa possibilidade apresenta uma extensa relação de limitações, tais como as de que:

a) O princípio não se aplica a casos com músculos inelásticos (miopatias, fibroses) ou ausentes (agenesias, músculos "perdidos").

b) O estímulo elétrico repetitivo sobre o músculo produz-lhe lesões.

c) O estímulo produz uma contração muscular, cujo efeito rotacional depende da posição ocular (não sendo, necessariamente, a resposta com o sentido desejado).

d) As informações sobre a oportunidade temporal da estimulação, sua duração e magnitude dependeriam de sinais originados de ações musculares do olho são ou, pelo menos, do registro de seu deslocamento.

e) A técnica de estimulação requereria a construção de um delicado e complexo mecanismo; do qual um grave inconveniente a evitar seria o contato material entre a fonte geradora do sinal e o músculo.

Com tais restrições desencorajadoras, o método não suscita adeptos.

4) Por uso de forças de campo magnético

A perspectiva de construção de mecanismos capacitados a restaurar rotações oculares perdidas baseada no uso de campos magnéticos já foi apresentada(15), com a citação de várias vantagens, como as de:

a) Oferecer condições de geração de forças relacionadas às necessidades do sistema oculomotor, por modelos de construção relativamente simples e de tamanho compatível a usos práticos.

b) Aplicar forças ao olho sem a necessidade de vínculos materiais concretos entre ele e a fonte geradora daquelas.

c) Estabelecer o controle da rotação perdida com base na reprodução da do olho não afetado, usando-se modelos mecânicos simplificados.

Apesar de várias concepções teóricas terem sido cogitadas, os estudos prosseguem ainda em bases experimentais, buscando as aplicações práticas de alguns modelos de construção mais simples.

B) Forças de contenção

1) Por uso de suturas inelásticas

Como já mencionado suturas "de contenção" garantem a permanência do olho em uma determinada posição (eliminando então um nistagmo, ou impedindo a recidiva pós-operatória do ângulo de um estrabismo), mas são teoricamente inaceitáveis por bloquear, também, quaisquer outros movimentos oculares.

2) Por uso de suturas elásticas

O aumento de forças passivas, por contenções elásticas, para impedir o movimento ocular em um certo sentido (por exemplo, para a direita, em nistagmos de sacudida para a direita) determinariam, igualmente, uma rotação ocular em sentido oposto (para a esquerda) produzindo, binocularmente, um desvio conjugado. Para evitar isso, outras forças, de igual magnitude, mas de sentido contrário, deveriam igualmente ser incluídas no sistema oculomotor (figura 2). Lembre-se que inserções orbitárias anteriores (como O´2 na figura 2c; O´1 na 2d e O´3 na 2b) são possíveis, em rebordas orbitárias superior e inferior(12), as chamadas "trações reversas".

 

 

Obviamente, essas trações, se predominantemente diferenciadas num dado sentido podem, igualmente, produzir uma correção angular desejada, isto é, promover a correção de um desvio associado. Claro que modelos dos tipos das figuras 2b, 2c, ou 2d, requerendo apenas uma fixação intermediária (respectivamente, pontos O´3, L ou M) simplificam os ajustamentos tensionais sobre a "rédea" elástica: os seus elementos de ação oposta (por exemplo, MO´3 e O3´L; ou O2L e LO´2; ou O1M e MO´1) podem ser simétricos ou não. Se simétricos em extensão, oferecerão tensões gradativamente maiores tanto num sentido quanto no outro (figura 3a); se assimétricos em extensão, mostrarão maior incremento tensional (resistência) num sentido que no oposto (figura 3b).

 

 

3) Por uso de forças de campo magnético

Com o mesmo princípio do uso de forças geradas por campos magnéticos para a restauração de movimentos oculares perdidos, pode-se buscar a estabilização posicional dos olhos, corrigindo-se nistagmos e impedindo-se a progressiva mudança de ângulo dos eixos visuais no pós-operatório de correções de estrabismos (recidivas pós-cirúrgicas). Na verdade, há diferenças entre uma e outra técnica. Para as de restauração dos movimentos, o acoplamento magnético deve permitir um vínculo permanente entre os elementos do circuito, isto é, entre o do olho e o "motor". O movimento ocular pode ser conseguido por uma variação temporal de polaridades magnéticas desse "motor" (o princípio de um motor linear) ou por deslocamento rotacional ou translacional de um ímã permanente, como elemento "motor".

Já para a contenção de movimentos indesejáveis basta apenas uma força que mantenha um vínculo transitório, equilibrando e estabilizando o olho, mas sem impedir que ele possa se mover (16), desde que forças geradas pelos músculos superem essas de "contenção". Ainda que operacionalmente de concepção mais simples, o mecanismo de contenção de movimentos indesejáveis requer um delicado equilíbrio entre a quantidade de forças geradas entre os elementos do circuito (que dependem da proximidade entre eles) e a força necessária para poder romper esse vínculo e promover uma (desejada) rotação ocular.

4) Por uso de viscosidade

Viscosidade é a propriedade física relacionada à fricção (ou atrito) de um fluido (líquido ou gás) contra as paredes de um recipiente que o contém e, também, entre "camadas" do próprio fluido. Em outras palavras, viscosidade corresponde à fricção interna de um fluido. O deslizamento de uma superfície sólida relativamente à outra, quando entre elas existe uma camada fluida depende, então, da viscosidade desse material interposto. O inverso da viscosidade é a fluidez.

Na verdade, esse deslizamento pode ser até favorecido quando placas sólidas são separadas pelo fluido. É o caso, por exemplo, de duas superfícies lisas, cujo atrito, quando secas, dificulta o escorregamento de uma sobre a outra; mas que, quando separadas por uma camada de água, são facilmente movimentadas (o chamado fenômeno da aqüaplanagem). Já em outros casos, o deslocamento relativo entre duas superfícies sólidas pode ser dificultado, pelo maior coeficiente de viscosidade do fluido interposto.

Havendo uma camada líquida de espessura s entre duas placas e aplicando-se a uma destas, cuja área é A, uma força F, tangencial, de modo que ela se desloque com uma velocidade v, tem-se F · s = h · A · v, onde h é o chamado coeficiente de viscosidade desse líquido. Sua unidade no sistema C.G.S. é, pois, dina.segundo/cm2 (= g/cm.s), ou, ainda, bária.segundo, o poise (P) (3) ; e no S.I., newton.segundo/m2 (= kg/m.s) ou, ainda, Pa.s (pascal.segundo), uma unidade sem nome específico e pouco prática, já que 10 P = 1 Pa.s, enquanto valores de coeficientes de viscosidade de líquidos são expressos em centipoises (1 cP = 10-2 P) e os de gases em micropoises (1 µP = 10-6 P). A viscosidade assim definida é chamada dinâmica. Mas é também reconhecida a viscosidade cinemática, cuja unidade é o m2/s no SI (Resolução 12 da 11a CGPM, 1960)(17). No sistema CGS, a unidade da viscosidade cinemática é o stokes (St), sendo 1 St = 1 cm2/s = 10-4 m2/s. (Note-se que o produto entre as viscosidades dinâmica e cinemática equivale à força.) Aliás, uma expressão específica para o deslocamento de uma esfera num fluido viscoso (ou vice-versa) é dada pela Lei de Stokes: F = 6 p h r v, em que F é a força de atrito, r o raio de curvatura da esfera e v a velocidade entre a esfera e o fluido (4).

Para o caso específico do olho, tomando-se r = 1,22 cm vem, aproximadamente, F = 23 g v, em que g passa a representar uma grandeza equivalente a "viscosidade dinâmica. deslocamento" (com unidade dada em g/s, ou P. cm), ou a "viscosidade cinemática. pressão" (ou St. Pa). Logo, a relação entre viscosidade dinâmica e viscosidade cinemática é igual a P / St = Pa/cm = g/cm3 = densidade.

Essas fórmulas identificam o comportamento de uma esfera num fluido, mostrando que a força de fricção é diretamente proporcional à velocidade entre as superfícies (quanto maior a velocidade, maior será a força contrária desenvolvida).

A viscosidade de um líquido reduz-se com o aumento da sua temperatura já que, nessa condição aumenta a energia cinética entre as moléculas e, daí, diminui a coesivisidade delas (a propriedade que, fundamentalmente, produz tal fricção "interna"). No caso dos gases, ocorre o inverso (já que, então, a viscosidade é determinada pela difusão das moléculas, uma condição que aumenta com o aumento da energia cinética das moléculas, maior com o aumento da temperatura).

Uma possível aplicação de forças contensoras sobre o sistema oculomotor por meio de substâncias viscoelásticas deve supor que este material possa estar contido numa bolsa, com superfícies presas à esclera e à órbita. Desse modo, a viscosidade do material impede o livre deslizamento do olho relativamente à órbita e, assim, oferece-lhe uma contenção.

A superfície de contato desse material viscoelástico, isto é, da bolsa que o contém, ajustada à do olho, pode ser determinada por elementos da Geometria. Sabe-se que a área superficial de um olho (4p r2) com r = 1,22 cm é 18,704 cm2 e o volume (= 4 pr3/3) é 7,606 cm3. Assim, a área (A) de um segmento esférico (figura 4) é A = 2 p r h, onde r = (c2 + 4h 2)/8h. Portanto A = (c2 + 4h 2) p/4; e o volume (V) é: V = p h2 (r - h /3) = p h (3c2 + 4h2)/24. Por exemplo, para uma área de contato A = 2,3 cm2 e r = 12,2 mm (raio de curvatura de um globo ocular de tamanho padrão), vem h = 3 mm e c ~ 16 mm.

 

 

Os fluidos são classificados em newtonianos, quando a viscosidade (h) mantém-se inalterada com a velocidade de deslocamento tangencial. Mas esse comportamento ideal não é comumente seguido. Ao contrário, quando h diminui com a velocidade (o que é mais freqüente), o fluido é chamado pseudoplástico; em outros casos, ocorre o contrário, como se o material se tornasse mais "espesso" quando submetido a tensões tangenciais, os fluidos dilatantes. Finalmente, há materiais cujo comportamento é como o de um fluido newtoniano a partir de uma certa tensão (T), reagindo como corpos rígidos abaixo dela (Figura 5).

 

 

 

 

Entre os fluidos pseudoplásticos (a maioria dos não-newtonianos) estão as suspensões coloidais e as soluções de polímeros (como a metilcelulose); entre os dilatantes, uma suspensão de amido; entre os plásticos de Bingham, as suspensões dos cremes dentais. Preparações comerciais muito conhecidas de oftalmologistas como o Viscoat e o ProVisc são dadas como apresentando viscosidades respectivas de 400 ± 200 P (a 25º C, numa velocidade de cisalhamento de 2 cm/s) e 500 ± 200 P (à velocidade de 1 cm/s).

Mas, além disso, há variações temporais da viscosidade: sob uma tensão constante (T = F.s/A) a viscosidade pode se reduzir (fluidos tixotrópicos) ou aumentar (reopéticos). São ainda chamados viscoelásticos os fluidos que recuperam sua forma original, pelo menos parcialmente, depois de cessada a força à qual estavam submetidos.

A hipótese de trabalho de contenção de movimentos oculares indesejáveis (como os do nistagmo) por forças originadas da viscosidade de materiais em contato com o olho pode ser examinada em estudos experimentais que determinem relações: entre tipos e concentrações de fluidos viscosos, a área com que eles fiquem em contato com uma esfera (do tamanho de um olho padrão) e a redução, ou abolição, da rotação dela, quando forças tangenciais à sua superfície forem aí aplicadas.

Lembre-se que os efeitos rotacionais a considerar referem-se ao momento da força aplicada e não exclusivamente a esta. De fato, uma força tangencial F1 aplicada a uma distância r1 do centro de rotação (= EC, figura 6) tem o mesmo momento rotacional que o de uma força F2 aplicada à distância r2 (= PC´, figura 6).

 

 

M = F1 r1 = F2 r2

Assim, para bloqueio de um nistagmo com forças de aplicação F1 no plano em que ela se dá, podem ser necessárias outras de contenção (F2), maiores, se elas agirem em planos diferentes desse considerado (figura 6). Mesmo assim, será possível a ocorrência de um outro movimento, dado pelo momento conjugado das forças então aplicada (F1 e F2,figura 6), vertical e torcional (dependendo da posição do eixo CJ), principalmente vertical (para J próximo ao pólo lateral ou medial do olho) ou torcional (se J estiver mais próximo ao pólo anterior ou ao posterior do olho). O movimento conjugado é o de uma rotação em torno do eixo imaginário CJ.

 

REFERÊNCIAS

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Recebido para publicação em 13.05.2002
Aceito para publicação em 22.07.2002

 

 

(1): Desvio de posição dos centros oculares, situados em diferentes planos horizontais ("níveis"). Trata-se, na verdade, de uma translação sobre o(s) eixo(s) verticais. Embora se possa falar em translações sobre os eixos transversais, ou sobre os longitudinais, isso corresponderia, respectivamente, a um aumento da distância "interpupilar" (pela qual se estima as distâncias dos centros de rotações oculares), ou a uma aproximação (por exoftalmia), ou distanciamento (por enoftalmia) de um olho ao objeto de fixação (relativamente ao outro). Translações sobre tais eixos (transversais e longitudinais) ainda que "desequilíbrios" do sistema, não causam, por si mesmas, diplopia. A do desnivelamento, também, pode ser facilmente compensada por mecanismos fusionais verticais. O ângulo de desvio rotacional (fusional) que a equivale (a) é: a = y/d, onde y é o desnivelamento em centímetros e d a distância ao ponto fixado, em metros. Por exemplo, para um desnível de 5mm, na fixação a 40 cm, a=0,5/0,4=1,25D .
(2): No ponto da superfície ocular atravessado por uma linha imaginária entre o centro de rotação do olho e a origem do músculo (no caso, a tróclea) todas as suas ações rotacionais são abolidas; o efeito de uma eventual contração muscular é, então, o de puxar o olho ao longo dessa linha , produzindo translação pura. As relações das coordenadas desse ponto de inserção (xj,yj;zj) são, estão, proporcionalmente idênticas às da origem (xo,yo,zo), isto é, xo/yo=xj/yj e xo/zo=xj/zj, sendo xi2+yj2+zj2=r2.
(3) Tanto o poise (P) como três outras unidades do sistema C.G.S., a de força, a dina (1 dyn=10-5N), a de energia, ou quantidade de calor, o erg (1 erg=10-7 J), quanto a de luminância , o stilb (1 sb = 1 cd/cm2 = 104 cd /m2, sendo ed o símbolo de candela, a unidade de intensidade luminosa do SI de base) oram incluídas como unidades derivadas do padrão internacional de medidas pela Resolução 7 da 9a Conferência Geral de Pesos e Medidas (CGPM) de 1948 do Bureau Internacioal de Pesos e Medidas 17, orgão criado para assegurar a unificação mundial das medidas físicas. Elas foram ratificadas (com outras) pela Resolução 12 da 11a CGPM (1960) sobre o "Sistema Internacional de Unidades'' 17.
(4) Para o caso particular de uma esfera de densidade de afundado-se (sob a ação da gravidade) num fluido de densidade df, vem (sendo G a força da gravidade): F=(4/3) p r3 de G - (4/3) p r3df G = 6p h r v sendo v, a chamada "velocidade" terminal, determinada por : v=(4/3) p r3(de-df) G / 6 p h r = 2 r2(de-df) G/ 9 h
Fonte de Auxílio: Apoio do Programa de Bolsas de Produtividade em Pesquisas do CNPq - proc. 300182/00-7 (NV).
Nota Editorial: Pela análise deste trabalho e por sua anuência na divulgação desta nota, agradecemos ao Dr. Renato Luiz Nahoum Curi.


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