Luciene Chaves Fernandes1; Lúcia Carvalho de Ventura Urbano2
DOI: 10.1590/S0004-27492003000300024
RESUMO
As autoras propõem a utilização de lentes de contato filtrantes coloridas para melhora da discriminação de cores e do ofuscamento, em portadores de discromatopsia, na impossibilidade de montagem de filtros coloridos em óculos. Foram adaptadas lentes de contato filtrantes coloridas em dois portadores de discromatopsias, um com deutanopia e outro com acromatopsia. No primeiro, adaptou-se lente rígida filtrante, de polimetilmetacrilato (PMMA), vermelha, no olho não dominante, com o objetivo de melhorar a discriminação de cores. No segundo, colocou-se lente filtrante gelatinosa, de uso diário, de coloração marrom escuro com pupila âmbar, visando melhorar o ofuscamento. No primeiro caso, o paciente manteve inalterada a acuidade visual e também o contraste, porém demonstrou melhora na discriminação das cores ao teste de PV-16. No segundo caso, houve melhora subjetiva acentuada do ofuscamento tanto em ambiente interno, como externo. A acuidade visual e a visão de cores permaneceram sem alterações. Os achados sugerem a possibilidade de contarmos com as lentes de contato filtrantes coloridas como importante auxílio para a melhora na discriminação de cores e ofuscamento, nas discromatopsias.
Descritores: Lentes de contato; Testes de percepção de cores; Defeitos da visão de cores; Percepção de cores
ABSTRACT
The authors propose the use of absorptive and colored contact lenses as an aid to color defects in making color judgments and reduce glare sensitivity in dichromatic subjects, when the use of filter in glasses is not possible. Absorptive and colored contact lenses were adapted in two dichromatic subjects, one deutanope and the other with achromatopsia. In the former, a hard absorptive, red-colored, polymethacrylate lens was adapted monocularly, in the non-dominant eye to help color judgments. In the latter, a soft absorptive, dark brown-colored lens with amber pupil was worn in both eyes to reduce glare sensitivity. Subject # 1 remained with the same visual acuity and contrast sensitivity and demonstrated a better color perception on the PV-16 test. Subject # 2 showed an subjective reduced glare, in external and internal environment. Visual acuity and color vision remained the same. The findings suggest the use of absorptive colored contact lenses to increase color judgement and reduce glare sensitivity in dichromatic subjects.
Keywords: Contact lenses; Color perception tests; Color vision defects; Color perception
INTRODUÇÃO
Discromatopsia (dis=distúrbio; cromos=cor; opsis=olho) é um termo genérico usado para designar qualquer distúrbio de cores(1).
Segundo Wright1 (1944) apud(1) do ponto de vista cromático os indivíduos podem ser classificados como tricromata (normal, anormal), dicromata, acromata ou monocromata. O tricromata normal identifica todo o espectro visível nas condições padronizadas do exame. O tricromata anormal percebe as três cores básicas: vermelho, verde, azul, porém, uma delas de forma deficitária. É a protanomalia se o déficit é para o vermelho; a deutanomalia, para o verde; a tritanomalia para o azul e a tetartanomalia para o amarelo. Na ausência de percepção total de uma das cores, temos o dicromata: o protanope, deutanope, tritanope ou tetartanope. As discromatopsias podem ser congênitas ou hereditárias ou adquiridas.
As lentes absortivas ou filtrantes coloridas visam diminuir a intensidade das radiações luminosas que atingem os olhos proporcionando conforto e proteção. Têm, também como objetivo, o aumento do contraste, a redução do ofuscamento e a melhora da percepção de cores. Podem ser encontradas montadas em óculos, encaixe ou "clip-on" e, também, como lentes de contato(2-5).
Como citado por Paulson (1980) a colocação de uma lente vermelha em frente de um olho não é uma idéia nova: Seebeck2 em 1837 propôs o uso de filtros como auxílio na discromatopsia, Mauthner3 (1894) sugeriu um filtro vermelho em frente de um olho e Cornsweet4 (1970) falava na "cura para cegueira de cores" pela aplicação de um filtro apud(3). Zeltzer, 1971, com sua lente de contato X-Chrom coloca pela primeira vez um filtro como lente de contato(6).
Muitos indivíduos rejeitam os filtros coloridos pelo aspecto antiestético; isto poderia ser evitado com a montagem do filtro em uma lente de contato. Assim, o presente estudo tem como objetivo propor a utilização de lentes filtrantes coloridas como lentes de contato para melhora da discriminação de cores e do ofuscamento, a um indivíduo portador de deutanopia e outro acromata.
RELATO DE CASOS
Caso 1: B.T.J., masculino, 16 anos, portador de deutanopia, criticado por colegas pela combinação extravagante das cores nas roupas.
Ao exame:
AV: OD=OE= 20/20 sem correção
Visão de cores pelo PV-16: deutanopia em AO (Fig. 1)
Campimetria pela carta de Amsler: normal em AO
Sensibilidade ao contraste: normal em AO (teste Lea Hivärinen -LH)
Adaptou-se uma lente de contato rígida de PMMA - Glasflex, vermelha escuro, código 2241-4, fornecida pela Mediphacos, em olho não dominante (olho esquerdo).
Características da lente:
Gravidade específica: 1,18
Transmissão ultravioleta: 0
Índice refrativo: 1,49
Curva-base: 42,00
Poder: plana
Diâmetro: 9,0 mm
Após adaptação da lente de contato:
Informação subjetiva: melhor discriminação e apreciação das cores nas atividades diárias e também na combinação das roupas, com piora da visão à noite.
AV: OD=OE= 20/20
Visão de cores pelo PV-16: deutanomalia (apenas 01 traço anômalo) em AO (Fig. 1)
Sensibilidade ao contraste: normal em AO (teste LH)
Caso 2: O.B.S.P. feminino, 38 anos, acromata, refere ausência de percepção de cores e constrangimento pela necessidade do uso de óculos escuros em ambientes internos pelo intenso ofuscamento provocado por lâmpadas fluorescentes. Usuária de lente de contato fluorcarbonada (LC F) 4,50 em ambos os olhos.
Ao exame:
AV: OD= 20/160 com LC F e OE=20/160 com LC F
Campimetria computadorizada:
OD= depressão difusa da sensibilidade retiniana. Ausência de alteração localizada
OE= depressão difusa da sensibilidade retiniana. Escotoma absoluto pericecal
Visão de cores: PV-16 OD=OE= tritanopia (Fig. 2)
Sensibilidade ao contraste a 30/40/50 cm (LH):
OD= 30/30/25 optotipos, com LC F
OE= 30/27/25 optotipos, com LC F
Adaptaram-se lentes filtrantes Optogel OP42, polímero de Hydroxietilmetacrilato, adaptadas em ambos os olhos.
Características da lente:
Conteúdo aquoso: 46%
Índice de refração hidratado: 1,428 (35º)
Curva base: 39,50
Poder em dioptrias: -4,50 esf
Diâmetro: 14,2 mm
Cor: marrom escuro, com pupila âmbar de 3mm
Adaptada em ambos os olhos (AO)
Após adaptação das LC marrom:
Informação subjetiva: grande conforto com as lentes, não tendo percebido alterações das funções visuais nas atividades diárias. Dizia sentir-se como uma pessoa normal, sem o constrangimento do uso de óculos escuros em ambiente interno, podendo abrir a janela como todos os colegas de trabalho e não necessitando mais de pedir para apagar as luzes.
AV OD=20/160 e OE=20/160
Visão de cores: PV-16 OD=OE= tritanopia (Fig. 2)
Sensibilidade ao contraste a 30/40/50 cm (Teste LH):
OD= 30/27/25 optotipos
OE= 30/27/25 optotipos
Discreta alteração na média e alta freqüências.
DISCUSSÃO
A lente de contato filtrante colorida tem sido proposta como importante auxílio para melhora da discriminação de cores e ofuscamento(5,7).
As cores dos filtros têm características de transmissão através de porção específica do espectro. As lentes coloridas têm seu efeito máximo na cor localizada no eixo diametralmente oposto do círculo de Munsell(1); ou seja, a lente vermelha transmite luz vermelha mas absorve ou bloqueia a luz azul e verde. Assim, um filtro vermelho diminui o brilho do verde e intensifica o vermelho, facilitando a sua identificação. Um paciente com deficiência para o vermelho (protan) pode responder favoravelmente aos filtros amarelo, laranja ou vermelho; todos os filtros amarelo ou âmbar em geral, aumentam o contraste e diminuem o ofuscamento(2,5,7).
A lente de contato X-Chrom (cromossoma X), introduzida por Harry Zeltzer em 1971, é uma lente rígida, vermelha, de polimetilmetacrilato, da X-Chrom Corporation, Boston. Transmite luz na zona vermelha de 590 a 700 nanômetros. É indicada para discromatopsia no eixo vermelho-verde, com melhor resposta no tricromata anormal. Não deve ser usada havendo patologias corneanas, olho único ou íris clara. Ela diminui a acuidade visual e deve ser evitada em ambientes de luz reduzida e à noite. Distúrbios binoculares e de estereopsia, quando presentes, tendem a desaparecer com o tempo. Aplicada monocularmente, no olho não dominante(4,6,8-9).
O uso de filtros coloridos na discromatopsia age na melhora da discriminação da cor e não na sua cura, permitindo identificação de detalhes em obras de arte, diferenciação da cor do semáforo e melhora na combinação da cor das roupas, fato este também observado no caso 1. (4,8-9) Ele não fazia o uso constante da lente, evitando-a à noite e em ambientes de baixa luminosidade.
Na acromatopsia é freqüente a queixa de ofuscamento(2,10). A lente filtrante âmbar reduz o ofuscamento. No caso 2 foi testada a lente de contato rígida, de PMMA, âmbar, pois a paciente já era usuária de lente de contato fluorcarbonada para correção da miopia. Apesar do conforto apresentado, este não foi suficiente para alcançar seus objetivos. O ofuscamento interno provocado pela iluminação fluorescente em seu ambiente de trabalho, causava grande desconforto obrigando-a a utilizar óculos escuros. O uso de filtros em lente de contato lhe permitiu que em ambiente interno utilizasse somente as mesmas, enquanto no externo acrescentasse óculos escuros ocasionando, assim, grande conforto interna e externamente. Como a lente âmbar, a gelatinosa marrom com pupila transparente também não atendeu as suas expectativas. A lente com coloração marrom difusa ocasionou redução da acuidade visual. Assim, foi testada a lente gelatinosa marrom com pupila âmbar, com melhor resultado. Apesar da leve redução do contraste, não houve interferências nas atividades diárias.
Na literatura pesquisada não encontramos referência à lente gelatinosa marrom com pupila âmbar. A paciente tem sido acompanhada em exames regulares, sem alterações até o momento. Refere grande satisfação com o resultado, que é confirmado em seus retornos e em e-mails enviados, freqüentemente, a uma das autoras.
As lentes filtrantes coloridas interferem na percepção de cores, na redução da acuidade visual e nível de iluminação; fatores que devem ser considerados para cada paciente. A escolha é sempre subjetiva(2,5,7,11).
Embora o número de casos seja ainda pequeno, estes achados sugerem a possibilidade de contarmos com lentes de contato filtrantes coloridas como auxílio na discriminação de cores e redução de ofuscamento em portadores de discromatopsia ou em outras patologias como albinismo e aniridia.
AGRADECIMENTO
A Mediphacos por nos ceder as lentes de contato rígidas de PMMA.
REFERÊNCIAS
1. Urbano LCV. Discromatopsia: Métodos de exame [tese]. Belo Horizonte: Universidade Federal de Minas Gerais;1976.
2. Faye EE. Guide to selecting low vision optical devices. In: Faye EE. Clinical low vision.; 2nd ed. Boston: Little; 1984. p.141-42.
3. Paulson HM. The X-Chrom lens for correction of color deficiency. Mil Med 1980;145:557-60.
4. Siegel IM. The X-Chrom lens. On seeing red. Surv Ophthalmol 1981;25: 312-4.
5. Williams DR. Functional adaptive devices. In: Cole RG, Rosenthal BP. Remediation and management of low vision. Missouri: Mosby; 1996. p.79-92.
6. Zeltzer HI. A typical case study correcting color deficiency. J Am Optom Assoc 1975;46:622-6.
7. Rosenberg R. Light, glare, and contrast in low vision care. In: Faye EE. Clinical low vision. 2nd ed. Boston: Little; 1984. p.197-212.
8. Ditmars DL, Keener RJ. A contact lens for the treatment of color vision defects. Mil Med 1976;141:319-21.
9. Kassar BS, Dresner SC, May JG, Marx MS, Safir A. Evaluation of the X-Chrom lens and color deficiency. CLAO J 1984;10:100-3.
10. Urbano LCV. Acromatopsia. Arq Bras Oftalmol 1978;41:128-32.
11. Nowakowsky RW. Low vision rehabilitation for children. In: Nowakowsky RW. Primary low vision care. Connecticut: Appleton & Lange. 1994. p.231-34.
Endereço para correspondência
Rua Lima Duarte, 330
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E-mail: [email protected]
Recebido para publicação em 08.02.2002
Aceito para publicação em 22.07.2002
1 Wright (1944) apud (1)
2 Seebeck (1837)
3 Mauthner (1894)
4 Cornsweet (1970) apud (3)