Carmo Mandia Jr.1; Niro Kasahara2; Francisco Soares Seixas3; Maurício Della Paolera2; Geraldo Vicente de Almeida1; Ralph Cohen1
DOI: 10.1590/S0004-27492002000600008
RESUMO
Objetivo: Comparar os resultados a longo prazo entre a cirurgia extracapsular da catarata combinada à trabeculectomia (FEC/TREC) e a facotrabeculectomia (FACO/TREC). Métodos: Os prontuários de 46 pacientes (53 olhos) submetidos à cirurgia combinada na Santa Casa de São Paulo entre janeiro de 1996 e novembro de 1999 foram revisados; dados relativos à pressão ocular (PO), acuidade visual (AV) e número de medicações foram analisados. Resultados: Em ambos os grupos, após seguimento médio de 18 meses, a acuidade visual melhorou e a pressão ocular diminuiu em relação aos valores pré-operatórios (P<0,05); 55,5% no grupo da facotrabeculectomia e 46,1% no grupo da catarata combinada à trabeculectomia obtiveram a pressão ocular final menor que 22 mmHg sem medicação (P=0,3). Conclusão: Ambas as técnicas são eficazes no tratamento simultâneo do glaucoma e da catarata. Entretanto, a facotrabeculectomia parece promover pressão ocular menor sem a necessidade do uso de medicações hipotensoras oculares em maior número de pacientes.
Descritores: Glaucoma; Catarata; Trabeculectomia; Acuidade visual; Mitomicina; Terapia combinada; Seguimentos; Estudo comparativo
ABSTRACT
Purpose: To compare the safety and efficacy of extracapsular cataract extraction (ECCE) combined with trabeculectomy and combined phacoemulsification/trabeculectomy. Methods: The records of 46 patients (53 eyes) who underwent combined glaucoma and cataract surgery at the Santa Casa de São Paulo between January 1996 and November 1999 were reviewed. Results: After a mean follow-up of 18 months, visual acuity improved and intraocular pressure decreased in both groups after surgery (P<0.05). In the phacofiltration group 55.5% of eyes achieved intraocular pressure < 22 mmHg without medication as compared to 46.1% in the extracapsular cataract extraction/trabeculectomy group (P=0.3). Conclusion: Both techniques proved to be safe and efficacious in the treatment of glaucoma and cataract. However, the phacofiltration surgery seems to promote lower intraocular pressure without additional medication in a larger number of eyes.
Keywords: Glaucoma; Cataract; Trabeculectomy; Visual acuity; Mitomycin; Combined modality therapy; Follow-up; Comparative study
INTRODUÇÃO
O glaucoma primário de ângulo aberto e a catarata senil são moléstias oculares que, geralmente, acometem indivíduos da mesma faixa etária e comumente coexistem no mesmo paciente. O tratamento cirúrgico das duas afecções simultaneamente, por meio da cirurgia combinada, permite a recuperação visual rápida ao mesmo tempo em que promove o controle dos níveis pressóricos oculares.
A cirurgia da catarata pela técnica da facoemulsificação tem substituído a tradicional extração extracapsular em grande número dos casos. A incisão menor, reabilitação visual mais precoce e menor inflamação no período pós-operatório são as principais vantagens desta técnica.
Este estudo foi realizado com o objetivo de comparar os resultados, a longo prazo, do controle da pressão ocular (PO) entre a facectomia extracapsular combinada à trabeculectomia (FEC/TREC) e a facotrabeculectomia (FACO/TREC).
MÉTODOS
Os prontuários de 46 pacientes (53 olhos) submetidos à cirurgia combinada (FEC/TREC e FACO/TREC) na Clínica Oftalmológica da Santa Casa de São Paulo entre janeiro de 1996 e novembro de 1999 foram revisados. Os dados demográficos dos pacientes são mostrados na tabela 1. Os procedimentos foram realizados por diferentes cirurgiões de acordo com a mesma técnica.
A realização da FEC/TREC iniciava-se com a retopexia do músculo reto superior com fio de seda 4-0 e peritomia de base fórnice. Após a adequada hemostasia com cautério bipolar, mitomicina-C (MMC) a 0,2 mg/ml era aplicada sobre a esclera (no local de realização da TREC) por 2 a 3 minutos e irrigada com solução salina balanceada (20 ml). Seguia-se a delaminação do retalho escleral superficial e do sulco prévio, paracentese e introdução de substância viscoelástica na câmara anterior (CA). A capsulotomia em abridor de lata e a luxação do núcleo eram realizadas com o cistótomo, o núcleo retirado com alça e gancho após abertura da CA e as massas corticais aspiradas com a cânula Simcoe. Uma lente intra-ocular (LIO) de polimetilmetacrilato (PMMA) com 6,5 mm de diâmetro era introduzida no saco capsular e a abertura corneal suturada com 6 pontos de nylon 10-0. O retalho escleral profundo era removido, seguido pela realização da iridectomia com a tesoura de Vannas e sutura do retalho escleral superficial com dois pontos de nylon 10-0. A conjuntiva era suturada sobre o limbo e uma injeção subconjuntival de gentamicina e dexametasona aplicada ao final do procedimento.
A FACO/TREC iniciava-se com a retopexia e peritomia de base fórnice, seguida de hemostasia, aplicação de MMC a 0,2 mg/ml por 3 minutos e irrigação com solução salina balanceada. Um túnel escleral com 3,2 mm de largura era feito, seguida da realização da capsulotomia e hidrodissecção do núcleo. Após a facoemulsificação e aspiração dos restos corticais a incisão era ampliada até 5,2 mm e uma LIO de PMMA com 5,0 por 6,0 mm introduzida no saco capsular. Um bloco de tecido escleral era retirado com "punch" e a iridectomia realizada com a tesoura de Vannas. Finalizando, o túnel escleral era suturado com dois pontos de nylon 10-0, da mesma forma que a conjuntiva e gentamicina e dexametasona injetados no espaço subconjuntival.
No período pós-operatório, os pacientes foram instruídos a utilizar uma combinação fixa de dexametasona, polimixina B e neomicina a cada 4 horas e tropicamida 1% a cada 12 horas por 4 a 6 semanas.
Os dados relativos à acuidade visual, PO, número de medicações hipotensoras oculares no período pós-operatório foram analisados usando o teste "t" de Student para amostras pareadas. Para a comparação entre o total de olhos com PO < que 22 mmHg e 16 mmHg entre os grupos utilizou-se o teste exato de Fisher. Em ambos os testes, as diferenças foram consideradas significantes quando P < 0,05.
Os critérios de sucesso foram estabelecidos de acordo com os valores da PO inicial e conforme a indicação da cirurgia. Os pacientes que apresentavam PO maior que 25 mmHg na visita pré-operatória com ou sem medicação foram considerados sucesso se na última visita pós-operatória apresentassem PO menor ou igual a 21 mmHg. Os pacientes que apresentavam PO entre 21 e 25 mmHg foram considerados sucesso se apresentassem redução de 25 % em relação à PO inicial. Alguns pacientes apresentavam PO controlada clinicamente no período pré-operatório e a opção pela cirurgia combinada foi tomada a critério médico se o indivíduo estivesse com glaucoma em estádio avançado ou glaucoma controlado com duas ou mais medicações hipotensoras oculares. Para este grupo de pacientes, consideramos como sucesso a manutenção dos níveis da PO estabelecidos previamente como pressão-alvo para cada caso em particular. Em qualquer das situações, a presença de complicação devastadora caracterizava insucesso.
RESULTADOS
A acuidade visual (AV) melhorou nos dois grupos. A AV pré-operatória média (Snellen em unidades decimais) era 0,07 ± 0,12 no grupo FEC/TREC e 0,15 ± 0,14 no grupo FACO/TREC. A AV pós-operatória melhorou para 0,26 ± 0,25 (P=0,002) e 0,35 ± 0,34 (P=0,01), respectivamente.
O número médio de medicações hipotensoras utilizadas no pré-operatório era 0,7 ± 1,0 no grupo FEC/TREC e 0,9 ± 0,8 no grupo FACO/TREC. O número médio de medicações pós-operatório diminuiu para 0,5 ± 0,7 (P=0,5) e 0,5 ± 0,7 (P=0,07), respectivamente. Estas diferenças, no entanto, não foram significantes. A tabela 2 mostra o número de medicações utilizadas nos períodos pré e pós-operatório. Quinze olhos do grupo FEC/TREC e 9 olhos do grupo FACO/TREC não faziam uso de qualquer medicação hipotensora ocular no período pré-operatório pelo fato de terem a cirurgia combinada indicada em sua consulta inicial no Serviço de glaucoma ou por não fidelidade ("adesão") ao tratamento clínico recomendado.
As medidas pré e pós-operatórias médias da PO no grupo FEC/TREC eram 24,2 ± 9,1 mmHg e 13,9 ± 3,6 mmHg, respectivamente (P<0,005). No grupo FACO/TREC as mesmas medidas eram 20,5 ± 5,2 mmHg e 16,2 ± 7,3 mmHg, respectivamente (P<0,02). A tabela 3 mostra o número de pacientes que obtiveram pressões menores que 22 mmHg e aqueles que obtiveram pressões menores que 16 mmHg com e sem medicação. No grupo FEC/TREC, 46,1% obtiveram PO < 22 mmHg sem medicação e no grupo FACO/TREC, 55,5% (P = 0,3). No grupo FEC/TREC, 30,7% e 40,7% do grupo FACO/TREC obtiveram PO < 16 mmHg sem medicação (P = 0,4).
As complicações do grupo FEC/TREC incluíram edema de córnea transitório em 7 olhos e hifema em 2 olhos. No grupo FACO/TREC, 7 olhos apresentaram edema de córnea transitório, 1 olho apresentou hifema e 1 olho apresentou quadro de uveíte crônica evoluindo, subseqüentemente, para phthisis bulbi. Todos os olhos do grupo FEC/TREC foram considerados sucessos, ao passo que, no grupo FACO/TREC 2 olhos foram considerados insucesso.
DISCUSSÃO
A cirurgia combinada de glaucoma e catarata tanto FEC/TREC como FACO/TREC promovem a rápida recuperação visual e controle adequado da PO com freqüência de complicações similares.
A melhora da AV nos dois grupos não foi muito acentuada neste estudo. Isto ocorreu devido ao fato que a maioria dos pacientes apresentavam glaucoma em estado avançado, com atrofia intensa do disco óptico e defeitos acentuados de campo visual, comprometendo a fixação.
A PO diminuiu significativamente nos dois grupos. No entanto, no grupo FACO/TREC 55,5% dos pacientes atingiram PO menor que 22 mmHg sem o uso de medicações hipotensoras oculares comparados com 46,1% do grupo FEC/TREC. Além disso, 40,7% dos pacientes do grupo FACO/TREC obtiveram PO menor que 16 mmHg sem o uso de medicações hipotensoras oculares comparados com 30,7% no grupo FEC/TREC. Embora as diferenças não foram consideradas estatisticamente significantes, parece haver uma tendência dos pacientes submetidos a FACO/TREC necessitar de menos medicações hipotensoras oculares do que os pacientes submetidos à FACO/TREC. Neste respeito, Kosmin et al. que notaram que a FACO/TREC leva ao melhor controle da PO sem medicação quando comparada à FEC/TREC(1).
Uma limitação do presente estudo em relação à comparação do número de medicações hipotensoras oculares entre os 2 grupos foi a falta de critério para o uso de colírios antes da cirurgia. Alguns pacientes não fizeram uso de colírios antiglaucomatosos antes da cirurgia por terem sido encaminhados ao Serviço de Glaucoma e imediatamente submetidos à cirurgia combinada. Desta forma, a comparação da "quantidade" de tratamento clínico ficou limitada.
Os melhores resultados da FACO/TREC em relação à FEC/TREC podem ser explicados pela menor incisão da primeira técnica, mais próxima de uma trabeculectomia e menor reação inflamatória. A reação inflamatória maior determinaria um estímulo maior para a cicatrização e, em conseqüência, a perda da função da bolha filtrante. A propósito, comparando incisões de 6 e 3 mm em cirurgia combinada, Lyle e Jin observaram diminuição maior da PO no grupo operado com incisão de 3 mm(2). Além disso, Gills e Sanders compararam um grupo de pacientes submetidos à cirurgia de catarata com incisão de 3 mm com um grupo de 6 mm e observaram maior intensidade de "flare" no grupo de 6 mm com 1 dia e uma semana do período pós-operatório(3).
A técnica da FEC/TREC utilizada nos pacientes deste estudo foi a mesma descrita por Joos e col.(4). Estes autores observaram que 73% dos pacientes apresentaram PO abaixo de 15 mmHg sem o uso de medicações hipotensoras. As complicações incluíram hipotonia sintomática em 4%, toxicidade endotelial em 1,3% (diminuição da AV por dobras endoteliais) e deiscência da sutura após trauma ocular direto em 1 paciente (1,3%)(4). Nossos resultados diferem dos obtidos por Joos et al. pois, apenas 30,7% dos pacientes apresentaram PO menor que 15 mmHg sem o uso de medicações hipotensoras. Entretanto, não observamos as complicações alistadas pelos autores. O menor número de pacientes com PO menor que 15 mmHg sem medicação e a menor freqüência de complicações observados no nosso estudo, possivelmente, decorreu do fato de termos utilizado MMC na concentração de 0,2 mg/ml ao passo que Joos et al. utilizaram MMC a 0,5 mg/ml(4). Costa et al. observaram baixamento médio de 5,3 mmHg após 12 meses de seguimento nos pacientes submetidos a FEC/TREC com MMC a 0,5 mg/ml(5). Acreditamos que a MMC a 0,2 mg/ml seja mais segura em cirurgias combinadas primárias.
Na técnica de FACO/TREC utilizada neste estudo, o túnel escleral da facoemulsificação funciona simultaneamente como o retalho escleral superficial da trabeculectomia. Lederer Jr., utilizando técnica que envolve a feitura de um retalho escleral superficial circular com 5,5 mm de comprimento de arco, observou que 95% dos pacientes apresentaram PO menor que 15 mmHg após 18 meses de seguimento (apenas 3 dos 56 pacientes estudados necessitaram de medicação hipotensora).(6) No nosso estudo, 40,7% dos pacientes obtiveram PO menor que 15 mmHg sem medicação. Esta diferença, provavelmente se deve ao fato que Lederer Jr. usou MMC a 0,4% e injeções complementares de 5-fluorouracil em 46% dos pacientes(6).
CONCLUSÃO
Em conclusão, tanto a FEC/TREC como a FACO/TREC são procedimentos cirúrgicos eficazes e seguros no tratamento simultâneo do glaucoma e da catarata. Embora pareça haver uma tendência no grupo FACO/TREC de menor necessidade de medicações hipotensoras oculares, nossos resultados não permitem afirmá-lo de maneira axiomática.
REFERÊNCIAS
1. Kosmin AS, Wishart PK, Ridges PJG. Long-term intraocular pressure control after cataract extraction with trabeculectomy: phacoemulsification versus extracapsular technique. J Cataract Refract Surg 1998;24:249-55.
2. Lyle WA, Jin JC. Comparison of a 3- and 6-mm incision in combined phacoemulsification and trabeculectomy. Am J Ophthalmol 1991;111:189-96.
3. Gills JP, Sanders DR. Use of small incisions to control induced astigmatism and inflammation following cataract surgery. J Cataract Refract Surg 1991;17:740-4.
4. Joos MK, Bueche MJ, Palmberg PF, Feuer WJ, Grajewski AL. One-year follow-up results od combined mitomycin-C trabeculectomy and extracapsular cataract extraction. Ophthalmology 1995;102:76-83.
5. Costa VP, Vasconcelos JP, Comegno PEC, Kara-Jose N. O uso da mitomicina C em cirurgia combinada. Arq Bras Oftalmol 1999;62:577-80.
6. Lederer Jr, CM. Combined cataract extraction with intraocular lens implant and mitomycin-augmented trabeculectomy. Ophthalmology 1996;103:1025-34.
1 Doutor em Medicina, Professor Assistente da Faculdade de Ciências Médicas da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo.
2 Médico do Serviço de Glaucoma da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo.
3 Pós-graduando da Universidade Federal de São Paulo - UNIFESP.
4 Mestre em Oftalmologia, Médico do Serviço de Glaucoma da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo.
5 Doutor em Medicina, Professor Adjunto da Faculdade de Ciências Médicas da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo.
6 Doutor em Medicina, Chefe do Departamento de Oftalmologia, Serviço de Glaucoma e Professor Adjunto da Faculdade de Ciências Médicas da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo.
Endereço para correspondência: Rua Antonio Raposo, 186 - cj. 82 - São Paulo (SP) CEP 05074-020.
Recebido para publicação em 24.09.2001
Aceito para publicação em 08.05.2002
Nota Editorial: Pela análise deste trabalho e por sua anuência sobre a divulgação desta nota, agradecemos ao Dr. Celso Antonio de Carvalho.