Liana Maria de O. Ventura1; Simone Travassos3; Antonio Guilherme Ventura1; Luiz Trigueiro1; Sergio Marques1
DOI: 10.1590/S0004-27492002000600006
RESUMO
Objetivo: Apresentar os dados obtidos de programa baseado na triagem visual de recém-nascidos, realizado em três maternidades públicas de referência do estado de Pernambuco, Brasil. Métodos: O projeto foi desenvolvido de forma prospectiva seguindo protocolo e organograma previamente elaborados. Para a sua execução contou-se com equipe multidisciplinar composta de 37 profissionais. Realizou-se a capacitação da equipe envolvida no projeto e ministrou-se palestras em cada maternidade, para os oftalmologistas, diretores, pediatras, neonatologistas, obstetras e enfermeiras. Os exames oftalmológicos foram realizados nas próprias maternidades públicas, com encaminhamento e tratamento dos casos de maior complexidade na sede da Fundação Altino Ventura. Pesquisou-se a flora conjuntival do recém-nascido e a vaginal materna, em 25 casos. Resultados: Capacitaram-se 20 oftalmologistas para o exame dos recém-nascidos. Examinaram-se 3.280 recém-nascidos (1.601 femininos e 1.679 masculinos). Foi detectado alguma anormalidade ocular ou fatores de risco em 701 casos (21,4%). A anormalidade ocular mais freqüente foi a hemorragia retiniana, vista em 255 casos (7,8%). O fator de risco para doença ocular de maior prevalência foi a retinopatia da prematuridade, detectada em 325 casos (9,9%), que foram encaminhados ao serviço especializado. Dos casos encaminhados, compareceram 65 pacientes (20,0%), e destes, em 15 casos (23,1%) havia algum grau de retinopatia da prematuridade. Na pesquisa, quanto à flora conjuntival do recém-nascido (50 olhos), 13 olhos (26,0%) apresentaram pelo menos um microrganismo. Em 18 casos de mães com cultura vaginal positiva para Staphylococcus epidermides, 10 (40,0%) apresentaram filho com a mesma bactéria em um ou ambos os olhos. Conclusões: Os autores enfatizam o pioneirismo do projeto, ressalvando que possibilitou maior interação entre oftalmologistas e profissionais de áreas afins, treinamento de oftalmologistas para o exame ocular nos recém-nascidos, permitindo a obtenção de importantes informações quanto às morbidades oculares da região, promovendo o adequado tratamento e seguimento dos casos indicados em idade precoce.
Descritores: Triagem neonatal; Conjuntiva; Vagina; Staphylococcus epidermidis; Hemorragia retiniana; Oftalmopatias; Retinopatia da prematuridade; Diretrizes para a prática clínica; Fatores de risco; Gravidez; Recém-nascido; Estudos prospectivos
ABSTRACT
Purpose: To report the data obtained through a project based on visual screening of newborns from three reference public maternities of Pernambuco state, Brazil. Methods: This investigation was a prospective study, according to a previously elaborated protocol and organogram. A multidisciplinary team of 37 professionals was involved. This team was trained and conferences were given to ophthalmologists, directors, pediatricians, neonatologists, obstetricians and nurses of each service. Ocular exams were performed in the selected maternity hospitals. The highly complex cases were referred to the Altino Ventura Foundation. Search for conjunctival flora in neonates and vaginal flora in their mothers was performed in 25 cases. Results: Twenty ophthalmologists were trained to perform ocular examination in newborns. Visual screening was conducted in 3,280 of them (1,601 females and 1,679 males). Ocular abnormalities or risk factors were found in 701 cases (21.4%). Retinal hemorrhage was the most frequent ocular abnormality seen in 255 cases (7.8%). The more prevalent risk factor for eye disease was retinopathy of prematurity found in 325 cases (9.9%). These patients were referred to specialized services. Of these 65 (20.0%) were examined and 15 (23.1%) had some stage of retinopathy of prematurity. The examination of the conjunctival flora of the newborns (50 eyes) showed at least one microorganism in 13 eyes (26.0%). Babies of 18 mothers with positive vaginal culture for Staphylococcus epidermis 10 (40.0%) had the same bacterium in one or both eyes. Conclusions: The authors emphasize that this was a pioneer project and that it provided a greater interaction among ophthalmologists and other health professionals, ophthalmic training in performing eye examination in newborns, allowing a better knowledge of ocular morbidity in the region, providing adequate treatment and follow up of the cases at an earlier age.
Keywords: Neonatal screening; Conjunctiva; Vagina; Staphylococcus epidermidis; Retinal hemorrhage; Eye diseases; Retinopathy of prematurity; Practice guidelines; Risk factors; Pregnancy; Newborn infant; Prospective studies
INTRODUÇÃO
Triagem visual ativa em recém-nascidos é um método de muito valor em identificar potenciais causas de anormalidades oculares tratáveis, sendo um procedimento de rotina em países plenamente desenvolvidos(1-4).
Com os conhecimentos médicos atuais, pelo menos 60% das causas de cegueira e grave comprometimento visual infantil são preveníveis ou tratáveis(5-6). Em países em desenvolvimento 30 a 72% da cegueira infantil é evitável, 9 a 58% é prevenível e 14 a 31% é tratável(7).
A cegueira infantil é um problema de saúde pública importante(8). A Organização Mundial de Saúde (OMS) relata que, anualmente, cerca de 500.000 crianças ficam cegas em todo o mundo(9). A prevalência de cegueira infantil em países em desenvolvimento varia de 50 a 100 por 100.000(4).
A etiologia da cegueira e perda visual infantil e a sua prevalência difere, ao longo do tempo, e de nação para nação(4). As causas líderes de cegueira tratável na infância, em todo o mundo, são a catarata, retinopatia da prematuridade e o glaucoma(7). No Brasil, existe carência de publicações quanto às doenças mais prevalentes, que determinam a perda visual(5). Em estudo realizado em São Paulo, em três instituições para cegos, entre as doenças preveníveis e tratáveis, a retinopatia da prematuridade e o glaucoma foram as mais freqüentes etiologias(6).
Em países em desenvolvimento as opacificações corneanas, causadas pela combinação de doenças infecciosas, a xeroftalmia e o uso de medicinas tradicionais oculares são muito freqüentes(7). As doenças infecciosas neonatais podem resultar de uma infeção materna primária, e serem transmitidas ao feto durante a gravidez, ou serem adquiridas no período do parto ou pós-parto(1,10-11). A incidência de conjuntivites em recém-nascidos é de 18 para 1.000 nascidos vivos(10), sendo provocadas por agentes patógenos, fatores tóxicos exógenos ou endógenos(8,10-11).
A leucocoria na infância, apesar de rara, constitui o principal achado em casos de retinoblastoma e de catarata congênita, sendo estes freqüentemente tratados tardiamente devido às falhas no diagnóstico, passando, muitas vezes, despercebida por pediatras e genitores, trazendo sérias implicações visuais, comprometendo a qualidade de vida dessas crianças(2-4,12-16).
Outro achado importante no período neonatal são as hemorragias retinianas, podendo ser provocadas por diversas causas, tendo importantes implicações visuais(17-19).
Os autores foram motivados a realizar este projeto, cientes da relevante incidência de afecções oculares na infância(1,4,7-10,12); de que a cegueira em idade muito tenra representa um encargo socioeconômico elevado e, sem dúvida, muito mais oneroso que sua prevenção(20); outrossim, que alguns problemas visuais, quando tratados após o período de maturação visual, apresentam resposta visual pobre(15-16). Considerou-se a carência de dados na literatura revisada quanto à morbidade ocular em recém-nascidos, em países em desenvolvimento, como também da carência de profissionais que se dedicam a essa área.
Objetivou-se, neste estudo, relatar a experiência e os dados obtidos em projeto baseado na triagem visual de recém-nascidos, realizado em três maternidades públicas de referência do Estado de Pernambuco.
MÉTODOS
Foram abordadas quatro maternidades públicas do Estado de Pernambuco, Brasil, com maior número de parto/mês, onde o atendimento aos pacientes é feito através do Sistema Único de Saúde. Explicou-se que o projeto não teria nenhum ônus para esses serviços, sendo coordenado e realizado pela Fundação Altino Ventura, à qual caberia fornecer toda a equipe e os equipamentos oftalmológicos necessários.
Depois de aprovado pela comissão de ética das entidades envolvidas, o projeto foi desenvolvido no período de fevereiro a outubro de 2000, nas três maternidades públicas que aderiram: Maternidade do Hospital Barão de Lucena (MHBL), Maternidade do Hospital Agamenon Magalhães (MHAM) e Maternidade da Encruzilhada (CISAM).
O projeto foi planificado e desenvolvido de forma prospectiva, seguindo um protocolo e organograma previamente elaborados (Figura 1). Para a sua execução contou-se com uma equipe multidisciplinar, constando de 37 profissionais da Fundação Altino Ventura, composta de oftalmologistas (sendo quatro especializadas em oftalmologia pediátrica, um em glaucoma, uma em visão subnormal, uma em retina e vítreo e uma em uveíte), uma pediatra, uma infectologista, um bioquímico, 19 alunos do Curso de Residência Médica e Especialização em Oftalmologia, e uma aluna do Curso de Fellow em Oftalmologia Pediátrica e Estrabismo, duas enfermeiras, uma coordenadora administrativa, duas técnicas em informática e um mestre em bio-estatística.
Etapas do projeto
O projeto foi desenvolvido em cinco etapas
Primeira etapa: Realizaram-se a capacitação da equipe de profissionais da Fundação Altino Ventura, discutindo-se os objetivos e a metodologia a ser utilizada. Desenvolveram-se protocolos atualizados de condutas terapêuticas para os casos de catarata congênita, doenças externas oculares, glaucoma congênito, retinopatia da prematuridade, uveítes e visão subnormal.
Segunda etapa: Foram ministradas palestras, dirigidas aos profissionais (diretores, comissão de ética, neonatologistas, pediatras, obstetras e enfermeiras) das quatro principais maternidades públicas do Estado de Pernambuco, separadamente, explicando quanto ao objetivo e a metodologia do projeto, assim como, orientando acerca da importância do diagnóstico e tratamento das principais patologias oculares da infância.
Terceira etapa: uma equipe de alunos do Curso de Residência Médica e Especialização em Oftalmologia e uma aluna do Curso de Fellow em Oftalmologia Pediátrica e Estrabismo da Fundação Altino Ventura, supervisionados por oftalmologistas pediátricas do "staff", realizaram a triagem visual dos recém-nascidos internados nas enfermarias, berçários e UTIs neonatais, nas maternidades públicas, duas vezes por semana. Eram encaminhados para a quinta fase do projeto os casos com doenças oculares ou fatores de risco para doença ocular neonatal.
Quarta etapa: Realizou-se um protocolo específico com pesquisa da flora conjuntival do recém-nascido, correlacionando-a a flora vaginal materna. Para esta etapa do projeto, selecionou-se o serviço do CISAM, tendo em vista o maior número de parto/mês. Uma aluna do segundo ano do Curso de Especialização em Oftalmologia, foi devidamente treinada em laboratório, por um período de três meses, para o processo de coleta do material conjuntival e vaginal. Os dados da coleta foram obtidos logo a seguir, na maternidade do CISAM, onde no período de agosto a outubro de 2000 foram realizados um total de 1.389 partos. A aluna do Curso de Residência Médica e Especialização em Oftalmologia permanecia na maternidade, a espera que o parto transpelviano se concretizasse, a fim de fazer a coleta do material, antes da aplicação do nitrato de prata (método de Credé). Em se tratando de uma etapa mais onerosa do projeto, coletou-se material conjuntival, de uma amostra aleatória de 25 recém-nascidos (50 olhos), e de material vaginal de sua genitora. Nesse grupo de pacientes realizou-se a pesquisa de bactérias, fungos ou clamídia, por métodos padronizados(10).
Quinta Etapa: Os casos triados na terceira etapa eram examinados e tratados nos ambulatórios especializados da Fundação Altino Ventura, através de protocolos atualizados (Figura 1).
Adotou-se como fatores de risco para doença ocular neonatal antecedentes maternos de doenças infecciosas gestacionais, baixo peso ao nascer (< 2.000g), e prematuridade (< 37 semanas), independentemente do uso de oxigenioterapia.
Os dados obtidos em cada etapa do projeto foram cadastrados em banco de dados especifico. A análise estatística dos dados do projeto foi feita utilizando-se o Software Minitab, versão 11.
RESULTADOS
De um total de quatro maternidades de referência do Estado de Pernambuco, três aderiram ao projeto. Para o exame dos recém-nascidos foram capacitados 20 oftalmologistas, sendo 19 alunos do Curso de Residência Médica e Especialização em Oftalmologia e uma do Curso de Fellow em Oftalmologia Pediátrica. Um total de 3.280 recém-nascidos vivos (6.560 olhos) foram beneficiados pelo projeto (1.669 sexo masculino e 1.601 do feminino).
Na terceira etapa do projeto, foram examinados 3.280 casos onde 325 (9,9%) apresentavam fatores de risco para a retinopatia da prematuridade. Havia antecedentes maternos de doença infecciosa (vulvovaginites, infecções de vias urinárias, sífilis, rubéola, varicela, dengue, síndrome de imunodeficiência adquirida), no período gestacional em 124 (3,8%) casos. A hemorragia retiniana foi a alteração ocular do segmento posterior mais freqüente, sendo vista em 255 recém-nascidos (7,8%) (Tabela 1).
Dentre 6.560 olhos examinados, a doença externa ocular mais prevalente foi a conjuntivite neonatal, sendo detectada em 43 olhos (0,7%) (Tabela 2).
Na amostra estudada na quarta etapa do projeto, de um total de 50 olhos, 13 (26,0%) apresentavam pelo menos um microorganismo. Na tabela 3 descreveu-se a correlação entre os microorganismos encontrados na flora conjuntival do recém-nascido com a vaginal materna. De um total de 25 culturas vaginais, em 18 casos (72,0%) havia cultura positiva para Staphylococcus epidermidis e destas em dez (40,0%) apresentaram seu filho com a mesma bactéria em um e/ou ambos os olhos.
Na quinta fase do projeto houve maior número de encaminhamento para o serviço especializado ao departamento de retina, com 595 casos (81,5%) (Tabela 4).
Do total de 325 recém-nascidos, detectados no projeto com fatores de risco para a retinopatia da prematuridade e encaminhados ao departamento especializado, foram atendidos neste departamento 65 casos (20,0%). Um total de 15 casos (23,1%), apresentava algum grau de ROP, destes seis (40,0%) tinha grau I, três (20,0%) grau II, um (6,7%) grau III e cinco (33,3%) grau V. Indicaram-se para esses pacientes a estimulação das funções visuais básicas em departamento de baixa visão.
DISCUSSÃO
Nos Estados Unidos, a causa de perda visual mais freqüente é devido a lesões congênitas, sejam elas genéticas ou pré-natais, com maior acometimento retiniano(7-8). Em estudo de 678.000 atendidas em duas instituições, uma para deficientes visuais e outra para deficientes motores e mentais, encontraram-se que as causas mais freqüentes de deficiência visual foram, na primeira, a retinopatia da prematuridade e a atrofia óptica; e na segunda, a atrofia óptica e a deficiência visual cortical(8). No Brasil, em estudo realizado em instituições que atendem cegos ou portadores de baixa visão, em Salvador e São Paulo, o glaucoma congênito, a retinopatia da prematuridade, a rubéola, catarata congênita e a toxoplasmose congênita foram as causas mais importantes de deficiência visual(6).
No Reino Unido, através de um programa ativo de triagem visual, 92,0% dos casos de catarata infantil são detectados(2). Neste programa, a detecção da catarata congênita pelo oftalmologista é feito, dentro dos primeiros três meses de vida, em 57,0% dos casos, e após um ano de vida, em 33,0% dos casos(3). Sabe-se que o tratamento da catarata congênita deve ser instituído de preferência antes das oito semanas de vida, minimizando assim, os fatores ambliogênicos(15). Em estudo realizado em 1995, no Estado de Pernambuco, em pacientes com catarata congênita, verificou-se que o prognóstico visual foi pobre nos pacientes operados devido à chegada ao serviço de referência após o período de plasticidade do sistema visual, sendo este mais reservado a pacientes de baixa renda devido às condições socioeconômicas e pela precariedade de acesso ao serviço especializado. A rubéola mostrou-se como a causa infecciosa mais prevalente de catarata congênita, demonstrando falhas de saúde pública no Estado(16). A vacina de rubéola de rotina é feita em países desenvolvidos, em mulheres em idade fértil (acima de 12 anos)(4). No presente estudo, detectou-se cinco olhos (0,2%) com catarata congênita, possibilitando a reabilitação visual precoce destes casos.
Na amostra estudada, verificou-se que houve muito interesse dos profissionais de áreas afins dos três serviços beneficiados pelo projeto, sendo a equipe freqüentemente solicitada a examinar outros casos não envolvidos na casuística analisada. Observou-se que se faz necessário a presença de um supervisor experiente no exame visual do recém-nascido, em cada maternidade, diminuindo o temor dos alunos do Curso de Residência Médica e Especialização em Oftalmologia, e do aluno do Curso de Fellow em Oftalmologia Pediátrica, quanto ao exame de olhos tão pequenos, delicados, com maior dificuldade de dilatação pupilar, dificultando, muitas vezes, o exame do fundo de olho. Os autores observaram que houve uma curva crescente de aprendizado dos profissionais, em tempo real e permanente.
Vale salientar, que durante a execução do projeto, um dos autores foi solicitado a examinar, no serviço especializado, uma recém-nascida com um mês de vida, em que foi confirmado a presença de retinoblastoma bilateral congênito, em estágio V intra-ocular, com antecedente paterno de retinoblastoma, também bilateral, detectado com um ano e meio de idade. Quando questionado aos genitores em que maternidade havia a menor nascido, constatou-se que foi exatamente naquela maternidade de referência do Estado, que não aderiu ao projeto. Através de estudos epidemiológicos anteriores quanto ao retinoblastoma na região, sabe-se que o período do diagnóstico por procura espontânea é feito em média com 31,7 meses de idade, e que há o envolvimento extra-ocular em 62,1% dos casos, com evolução para o óbito em 27,3% dos casos(13). Em São Paulo, constatou-se em estudo recente, que o atraso no diagnóstico e tratamento destes casos ocorre basicamente devido à falta de informação do doente ou seu responsável, quanto à importância do quadro e a dificuldade de acesso aos serviços públicos de saúde(14). Daí a importância de projetos como este, que possibilitam a detecção, antes da alta hospitalar, de casos como este, de provável etiologia genética. Enfatiza-se que através da realização de testes diagnósticos pré-natais possibilita-se o diagnóstico de qualquer condição genética na qual uma mutação específica tenha sido identificada, tais como a coroideremia e aniridia(20).
Devido aos tratamentos para infertilidade, a incidência da prematuridade tem aumentado nos últimos anos, podendo ser encontrado as complicações oculares. Em 40 prematuros estudados, em 72,5% o fundo de olho era normal, 10,0% tinha retinopatia da prematuridade grau I, 7,5% tinham grau II, 7,5% grau III e 2,5% outras alterações fundoscópicas não decorrentes da retinopatia da prematuridade (hemorragia retiniana e pré-retiniana)(21). Na amostra estudada verificaram-se que de um total de 65 casos que compareceram ao serviço especializado, em 15 (23,1%), havia algum grau de retinopatia da prematuridade e destes houve comprometimento ocular com grau V em cinco casos (7,7%). Os autores lamentaram que mesmo tendo sido feito a orientação aos genitores, quanto à necessidade do acompanhamento oftalmológico em serviço especializado, com seis semanas de vida, nestes cinco casos os pacientes apenas chegaram com quatro meses de vida e em estágio V da retinopatia da prematuridade. Este estudo serve de base para a importância de ser feita orientação, aos genitores e pediatras, de forma mais agressiva, quanto à necessidade de seguimento destes casos, como também que os casos hospitalizados, devem ser tratados e seguidos na maternidade, evitando assim, casos de cegueira irreversível.
O principal acometimento de pólo posterior dos casos examinados, foi a hemorragia retiniana, sendo visto em 255 casos (76,4%). A hemorragia retiniana pode ser provocada por trauma obstétrico, distúrbios na coagulação sangüínea, utilização no período neonatal de vitamina E, dano vascular conseqüente à hipóxia, níveis elevados de prostaglandinas(17). A importância da sua detecção e acompanhamento decorre, principalmente, devido ao risco de ambliopia por deprivação de vias ópticas, nos casos de acometimento macular(18-19).
Os programas de triagem visual devem ser feitos em países com elevada incidência de infecções em ambos, gestantes e neonatos(1). De um total de 80 olhos com doenças de segmento anterior, examinados na terceira etapa, a conjuntivite neonatal mostrou-se a mais prevalente (53,8%). Na quarta etapa, constataram-se que o Staphylococcus epidermidis foi detectado na flora vaginal de 18 genitoras, havendo semelhante achado na flora conjuntival do neonato em dez (55,6%) destes casos. Em estudo microbiológico realizado na unidade neonatal do hospital universitário na Nigéria, os agentes patógenos predominantes foram Staphylococcus aureus (37,4%), Staphylococcus Coagulase negativa (12,3%) e a Klebsiella pneumoniae (12,9%)(10).
O projeto possibilitou a detecção de um caso de Seqüência de Möbius associada ao uso de misoprostol, no primeiro trimestre de gravidez, em que foi feito o tratamento e seguimento precoce. Os autores salientam as intercorrências freqüentes nestes casos, de deglutição e aspiração, podendo levá-los a óbito. Estudos anteriores demostraram a associação do uso desta droga com outros casos de Seqüência de Möbius, no Estado de Pernambuco, em outros estados do Brasil e na América Latina(22-25).
Na literatura revisada não se encontraram dados de projetos de prevenção da cegueira e reabilitação visual em recém-nascidos, no país. Estudos populacionais são muito caros e demorados, especialmente em países continentais como o Brasil, e com diferenças econômicas e culturais nos diversos estados(6). Entretanto os autores acreditam que este projeto possibilitou uma maior interação com outros profissionais de áreas afins, o treinamento dos oftalmologistas quanto ao exame ocular dos recém-nascidos, permitindo um maior domínio profissional sobre a especialidade, viabilizando a detecção precoce e o tratamento dos casos comprometidos. Através da experiência e dos dados obtidos neste projeto, possibilitaram uma avaliação ampla sobre a situação da saúde ocular na região, viabilizando uma melhor estratégia para o planejamento de programas e ações futuras, focalizadas nos recém-nascidos com maiores fatores de risco, atingindo nível de projetos mais organizados, regidos pela demanda. Através de protocolos de atendimentos específicos para as doenças detectadas será possível estabelecer rotinas de padrão ideal de tratamento em serviços públicos e privados.
AGRADECIMENTOS
Os autores agradecem à diretoria, neonatologistas, obstetras e enfermeiros das três Maternidades Públicas do Estado de Pernambuco, em que foi realizada a pesquisa. A toda a equipe da Fundação Altino Ventura, pelo apoio logístico e o desenvolvimento do trabalho. A Dra. Silvia Lemos Hinrichsen coordenadora do departamento de metodologia cientifica da Fundação Altino Ventura, pela orientação metodológica deste estudo.
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1 Doutora em Oftalmologia pela Universidade Federal de Minas Gerais. Coordenadora do Curso de Residência Médica e Especialização em Oftalmologia da Fundação Altino Ventura. Coordenadora do Departamento de Oftalmologia Pediátrica e Estrabismo do Hospital de Olhos de Pernambuco.
2 Coordenadora do Departamento de Oftalmologia Pediátrica e Estrabismo da Fundação Altino Ventura. Oftalmologista pediátrica do Hospital de Olhos de Pernambuco.
3 Médico, aluno do terceiro ano do Curso de Especialização em Oftalmologia da Fundação Altino Ventura.
4 Médicos, alunos do segundo ano do Curso de Especialização em Oftalmologia da Fundação Altino Ventura.
Endereço para correspondência: FAV ¾ Fundação Altino Ventura Rua da Soledade, 170 - Boa Vista - Recife (PE) CEP 50070-040 ¾ Brasil.
E-mail: [email protected]
Recebido para publicação em 19.09.2001
Aceito para publicação em 23.04.2002
Nota Editorial: Pela análise deste trabalho e por sua anuência na divulgação desta nota, agradecemos às Dras. Nilva Simeren B. Moraes e Rosane da Cruz Ferreira.