Open Access Peer-Reviewed
Editorial

Tratamento do pterígio recidivado por transplante autólogo de conjuntiva

Treatment of recurrent pterygium using conjunctival autograft

Jorge Taveira Samahá1; Silvana Artioli Schellini1; Regina Hitomi Sakamoto1; Carlos Roberto Padovani2

DOI: 10.1590/S0004-27492002000400004

RESUMO

Objetivo: Avaliar a resposta ao tratamento do pterígio recidivado, usando a técnica do transplante autólogo de conjuntiva. Métodos: Foi realizado estudo retrospectivo de 36 pacientes (36 olhos), portadores de pterígio recidivado, submetidos a transplante autólogo de conjuntiva. O tempo de seguimento mínimo foi de seis meses. Resultados: Observou-se recidiva em 41,6% dos pacientes, perda do enxerto em 5,5% e deiscência de sutura em 2,7%. Conclusões: O transplante de conjuntiva é procedimento com baixo índice de complicações. Porém, quando usado no tratamento do pterígio recidivado, a taxa de recorrência permanece alta.

Descritores: Pterígio; Recidiva; Transplante autólogo; Conjuntiva; Mitomicina; Mitomicina; Seguimentos

ABSTRACT

Purpose: To evaluate the use of conjunctival autograft transplantation in the treatment of recurrent pterygium. Methods: Retrospective study of 36 patients (36 eyes), with recurrent pterygium, who underwent conjunctival autograft as a treatment option for recurrent pterygium. The minimal follow up was 6 months. Results: We observed a recurrency rate of 41.6%, 5.5% had loss of graft and 2.7% dehiscence. Conclusion: Conjunctival autograph is a safe procedure for recurrent pterygium, with few complications, although, the recurrence rate is still high in these patients.

Keywords: Pterygium; Recurrence; Autologous transplantation; Conjunctiva; Mitomycin; Mitomycin; Followup

INTRODUÇÃO

Existem vários tipos de tratamento e diferentes modalidades cirúrgicas para a abordagem terapêutica do pterígio, dentre as quais destacam-se: excisão simples ("esclera nua"), excisão com rotação de retalho, excisão com ceratoplastia lamelar, transplante autólogo de conjuntiva e transplante de membrana amniótica(1). O problema maior do tratamento cirúrgico do pterígio é a recidiva do tecido fibrovascular que chega até 89,8% para alguns procedimentos e tende a ser mais agressiva que a lesão primária(2-3).

Para diminuir as recorrências, à cirurgia pode-se associar tratamento adjuvante como betaterapia ou antimetabólicos (Mitomicina C ou 5-Fluouracil)(3-5). No entanto, também a introdução de tratamento adjuvante pode estar relacionada a complicações, algumas de significativo grau de severidade(6-7).

O transplante autólogo de conjuntiva é uma técnica que foi popularizada a partir de 1985 como método efetivo para reduzir as taxas de recidiva do pterígio. Esta técnica consiste no enxerto de conjuntiva livre, obtido do quadrante súpero-temporal do mesmo olho, para recobrir a esclera exposta após a excisão da lesão. Kenyon et al. observaram recorrência de 5,3% em pterígios avançados ou recidivados(8). No entanto, taxas maiores de recidiva foram detectadas em áreas geográficas com maior exposição à radiação ultravioleta(9-11).

Conduziu-se o presente estudo com o objetivo de avaliar a taxa de recidiva e a ocorrência de complicações em pacientes com pterígio recidivado, submetidos ao transplante autólogo de conjuntiva em nosso serviço.

 

MÉTODOS

Foi realizado estudo retrospectivo em 36 olhos de 36 pacientes com pterígio recidivado que foram submetidos a transplante autólogo de conjuntiva, no período entre janeiro de 1997 e outubro de 1999. Foram avaliados: idade, sexo, localização, olho acometido, número de cirurgias anteriores, uso prévio de antimetabólicos, existência de complicações e a presença ou não de recidiva, com tempo mínimo de seguimento pós-operatório de seis meses.

Técnica Cirúrgica: a técnica utilizada foi similar à descrita por Kenyon et al.(7), com modificações feitas por Allan et al.(10): 1) injeção subconjuntival de lidocaína 2,0% com vasoconstritor, com olhar direcionado de forma a expor o campo cirúrgico; 2) dissecção da "cabeça" do pterígio com bisturi lâmina 15; 3) cauterização minimizada, procurando preservar a vascularização do leito do enxerto; 4) ressecção da "cabeça" e porção do "corpo" com tesoura de conjuntiva; 5) delimitação do tamanho da área receptora com compasso cirúrgico; 6) delimitação da área doadora no quadrante súpero-temporal, 1,5 mm posteriormente ao limbo; 7) infiltração de anestésico subconjuntival no leito doador; 8) remoção do enxerto com tesoura de conjuntiva, excluindo-se a cápsula de Tenon; 9) a conjuntiva foi transportada para o leito receptor, respeitando-se a orientação limbo/limbo da conjuntiva a ser transplantada com a área receptora; 10) fixação do enxerto na área receptora por meio de dois pontos separados na episclera límbica às 14 e 16 horas, seguindo-se por pontos contínuos usando-se fio de Vicryl 7-0.

Ao final da cirurgia, foi instilado colírio de neomicina, polimixina B e dexametasona e realizado curativo oclusivo a ser mantido por 24 horas. No pós-operatório, utilizou-se o mesmo colírio quatro vezes por dia, durante 21 dias. As cirurgias foram realizadas por residentes de 2º e 3º ano.

Os pacientes foram avaliados quanto à presença de recidiva clínica, caracterizada por tecido fibroso e vascular atingindo a superfície corneana e passando além do limbo ou presença de complicações.

Os dados obtidos foram submetidos à análise estatística, usando o Teste de Goodman.

 

RESULTADOS

Dos 36 pacientes estudados, 19 possuíam pterígio no olho direito e 17 no olho esquerdo. 47,2% eram masculinos e 53,8% femininos. A idade média dos pacientes foi 47,8 ± 29,2 anos, variando de 22 a 79 anos. Dezoito pacientes (50,0%) encontravam-se na faixa etária de 40 a 59 anos, 10 pacientes (27,7%) entre 20 a 39 anos e 8 (22,3%) eram maiores que 60 anos. Não houve diferença estatisticamente significativa entre os grupos de pacientes que apresentaram ou não recidiva clínica, com relação à idade (p>0,05). Não se encontrou, também, diferença estatisticamente significativa quanto aos fatores sexo, olho acometido, uso prévio ou não de anti-metabólitos, entre os pacientes que apresentaram ou não recidiva do pterígio.

Vinte e quatro pacientes (66,6%) haviam sido submetidos a um procedimento cirúrgico prévio, e 12 (33,3%), submetidos a dois procedimentos anteriores. Nos 11 pacientes (30,5%) que usaram previamente os anti-metobólitos, o medicamento utilizado foi o 5-Fluorouracil.

Observou-se no pós-operatório as seguintes complicações: perda do enxerto em 2 casos (5,55%) e 1 paciente com deiscência da sutura (2,77%). Esses 3 casos, evoluíram com recidiva 2, 3 e 6 de meses após a cirurgia, respectivamente.

A taxa de recorrência foi de 41,6% (15 casos), com intervalo de tempo entre o transplante de conjuntiva e a recidiva variando de 1 até mais do que 6 meses (Tabela 1).

 

 

DISCUSSÃO

As várias técnicas disponíveis para o tratamento do pterígio devem ser avaliadas com referência a dois critérios principais: segurança (ausência de complicações que comprometam a visão) e eficácia (ausência de recidiva).

As complicações decorrentes do transplante autólogo de conjuntiva foram infreqüentes no presente estudo e não necessitaram de reoperação. Não foram observadas complicações como granuloma da Tenon, cisto conjuntival, infeção ou falência do transplante de conjuntiva(12-13). Porém, 41,6% dos pacientes evoluíram com presença de nova recidiva que é o principal problema na abordagem do pterígio. Apesar de termos observado 41,6% de recidiva, o transplante autólogo de conjuntiva tem sido reportado como uma técnica com baixas taxas de recorrência (Quadro 1)(2,8,14-15).

A taxa de recidiva pode ser influenciada por: fatores relacionados com a resposta do hospedeiro, variações da técnica empregada, uso de terapia adjuvante, diferentes medicações utilizadas no pós-operatório, localização geográfica da população estudada, a duração do período de seguimento e pela definição de recorrência empregada(12).

Cunha et al.(14), em portadores de pterígio primário e recorrente, encontraram taxa de recidiva de 4,16%, sendo a recidiva observada apenas entre os portadores de pterígios já recidivados. No estudo conduzido por Garcia et al.(15), também em portadores de pterígio primário e recidivado, não se observou nenhum caso de recidiva. Allan et al.(12), encontraram taxa de recidiva de 6,8%, com apenas 1 caso de recidiva e que ocorreu entre os pterígios primários. Riordan-Eva et al.(2), encontraram taxa de recidiva de 62,0% em pacientes operados pela técnica da "esclera nua", contra 13,0% nos submetidos ao transplante autólogo de conjuntiva em pacientes com pterígio primário e 7,0%, para pacientes com pterígio recorrente. Figueiredo et al.(16) tiveram 16% de recidiva em pterígios primários, operados pela técnica do transplante de conjuntiva.

Estudos randomizados mostraram resultados discordantes, quando comparadas às técnicas de "esclera nua" e transplante de conjuntiva. Para Tan et al.(17), a taxa de recidiva com a técnica de "esclera nua" foi de 61,0% contra 2,0% nos submetidos a transplante de conjuntiva, no caso de pterígio primário e de 82,0% e zero, respectivamente nos portadores de pterígio recorrente(17). Porém, Lewallen(9) não evidenciou resultados significativamente melhores com o transplante autólogo de conjuntiva sobre a técnica de "esclera nua". Mahar(10) encontrou taxa de recorrência de 25,9% entre pacientes submetidos a transplante de conjuntiva contra uma taxa de recorrência de 9,4% nos operados pela técnica da "esclera nua" e que receberam colírio de Mitomicina-C a 0,02% no pós-operatório. Também usando Mitomicina-C tópica no pós-operatório, Caem et al.(11) estabeleceram taxa de recidiva de 38,0%; sem uso do antimetabólico as taxas variaram entre 39,0% para o transplante de conjuntiva e 88,0% para a técnica de "esclera nua".

No presente estudo, as cirurgias foram realizadas por cirurgiões em formação, o que pode influenciar no resultado do tratamento, uma vez que a técnica cirúrgica e o tamanho adequado do enxerto são importantes para conter a recidiva(12-13). O fio absorvível trançado que foi utilizado para a sutura conjuntival promove mais inflamação que os fios de monofilamento, o que também pode atrair neoformação vascular, podendo influir na recidiva.

Apesar da taxa de recidiva observada no presente estudo ser relativamente alta, deve-se lembrar que o transplante de conjuntiva foi utilizado para o tratamento do pterígio previamente recidivado e, portanto, com maiores chances de recidiva.

 

CONCLUSÃO

O transplante de conjuntiva é procedimento com baixo índice de complicações. Porém, quando usado no tratamento do pterígio recidivado, a taxa de recorrência permanece alta. O procedimento cirúrgico é mais demorado e trabalhoso em comparação com outras técnicas. Porém, é livre de complicações potencialmente graves e é uma técnica para a qual não há necessidade de material ou cirurgia complementar, nem de cuidados pós-operatórios especiais.

Devido aos discordantes resultados da literatura com relação à taxa de recidiva, novos estudos clínicos prospectivos e randomizados serão necessários para determinar fatores que possam apresentar influência sobre a eficiência do procedimento, a fim de se determinar a real vantagem do transplante autólogo de conjuntiva sobre as demais técnicas de abordagem cirúrgica do pterígio.

 

 


 

 

REFERÊNCIAS

1. Adamis AP, Starck T, Kenyon DR. The management of pterygium. Ophthalmol Clin North Am. 1990;3:611-23.         

2. Riordan-Eva P, Kielhorn I, Ficker LA, Steele AD, Kirkness CM. Conjunctival autografting in the surgical management of pterygium. Eye 1993;7(Pt.5):634-8.         

3. Singh G, Wilson MR, Foster CS. Mitomycin eye drops as treatment for pterygium. Ophthalmology 1988;95:813-21.         

4. Cardillo JA, Alves MR, Kara-José N, Tranjan-Neto A, Serpa JF, Ambrosio LE. Uso tópico pós-operatório versus aplicação intra-operatória da mitomicina-C a 0,02% na prevenção de recidivas pós-operatórias do pterígio primário. Arq Bras Oftalmol 1995;58:413-5.         

5. Shiratori CN, Spirandelli PH, Shiratori C, Schellini AS, Padovani CR. Uso do 5-fluouracil intra-operatório na cirurgia do pterígio. Arq Bras Oftalmol 1999;62:501-4.         

6. Rubinfeld RS, Pfister RR, Stein RM, Foster CS, Martin NF, Stoleru S, et al. Serious complications of topical mitomycin-C after pterygium surgery . Ophthalmology 1992;99:1647-54.         

7. Kato E, Macruz E, Alves MR. Complicação ocular grave após ressecção de pterígio e uso de colírio de mitomicina-C. Relato de dois casos. In: Kara-José N, Alves MR. Conjuntiva cirúrgica. São Paulo: Roca;1999. p.107-11.         

8. Kenyon KR, Wagoner MD, Hettinger ME. Conjunctival autograft transplantation for advanced and recurrent pterygium. Ophthalmology 1985;92:1461-70.         

9. Lewallen S. A randomized trial of conjunctival autografting for pterygium in the tropics. . Ophthalmology 1989;96:1612-4.         

10. Mahar PS. Conjunctival autograft versus topical mitomycin-C in treatment of pterygium. Eye 1997;11(Pt 6):790-2.         

11. Chen PP, Ariyasu RG, Kaza V, LaBree LD, McDonell PJ. A randomized trial comparing mitomycin-C and conjunctival autograft after excision of primary pterygium . Am J Ophthalmol 1995;120:151-60.         

12. Allan BDS, Short P, Crawford GJ, Barret GD, Constable IJ. Pterygium excision with conjunctival autografting: an effective and safe technique . Br J Ophthalmol 1993;77:698-701.         

13. Starck T, Kenyon KR, Serrano F. Conjunctival autograft for primary and recurrent pterygia: surgical technique and problem management. Cornea 1991;10:196-202.         

14. Cunha M, Allemann N. Transplante autólogo de conjuntiva no tratamento de pterígio primário e recidivado. Arq Bras Oftalmol 1993;56:78-81.         

15. Garcia SG, Alleoni S, Junqueira AM, Rezende R. Técnica de enxerto autólogo de conjuntiva em pterigiectomia primária e recidivada. Rev Bras Oftalmol 1994;53:277-80.         

16. Figueiredo RS, Cohen EJ, Gomes JA, Rapuano CJ, Laibson PR. Conjunctival autograft for pterygium surgery: how well does it prevent recurrence? . Ophthalmic Surg Lasers 1997;28:875-7.         

17. Tan DT, Chee SP, Dear KB, Lim AS. Effect of pterygium morphology on pterygium recurrence in a controlled trial comparing conjunctival autografting with bare sclera excision. . Arch Ophthalmol 1997;115:1235-40.         

 

 

1 Residente do Departamento de Oftalmologia, Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço da Faculdade de Medicina de Botucatu - Universidade Estadual Paulista (UNESP).
2 Professora Livre-docente do Departamento de Oftalmologia, Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço da Faculdade de Medicina de Botucatu - Universidade Estadual Paulista (UNESP).
3 Professor Titular do Departamento de Bioestatística - Instituto de Biociências - Botucatu - Universidade Estadual Paulista (UNESP).

Endereço para correspondência: Departamento de Oftalmologia/Otorrinolaringologia/Cirurgia Cabeça e Pescoço - Faculdade de Medicina de Botucatu - Universidade Estadual Paulista (UNESP). Botucatu (SP) CEP 18618-000.
E-mail: [email protected]
Recebido para publicação em 31.07.2000
Aceito para publicação em 18.03.2002


Dimension

© 2024 - All rights reserved - Conselho Brasileiro de Oftalmologia