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Editorial

Avaliação da contaminação da câmara anterior na cirurgia de facoemulsificação com implante de lente intra-ocular

Anterior chamber contamination in phacoemulsification surgery with intraocular lens implant

Cesar Nobuo Shiratori; Silvana Artioli Schellini1; Antonio Carlos Rodrigues2; Carlos Roberto Correa3

DOI: 10.1590/S0004-27492002000300006

RESUMO

Objetivo: Avaliar a existência de contaminação da câmara anterior durante a facectomia por facoemulsificação com implante de lente intra-ocular. Método: Foi realizado estudo prospectivo, avaliando-se 30 pacientes submetidos a facectomia por facoemulsificação com implante de lente intra-ocular, colhendo-se duas amostras de humor aquoso, uma obtida no início e outra no final da cirurgia. As amostras foram semeadas em meio de cultura para germes aeróbios, anaeróbios e fungos. Resultado: Todas as amostras avaliadas resultaram negativas. Conclusão: A contaminação da câmara anterior na cirurgia de facoemulsificação com implante de lente intra-ocular, usando os cuidados necessários, é infreqüente.

Descritores: Extração de catarata; Facoemulsificação; Contaminação; Humor aquoso; Cultura de células

ABSTRACT

Purpose: To evaluate the frequency of anterior chamber contamination during phacoemulsification surgery with intraocular lens implant. Method: A prospective study was done with 30 patients submitted to phacoemulsification surgery with intraocular lens implant. Two samples of the aqueous humor were removed from the anterior chamber, one at the beginning and another one at the end of the surgery and were inoculated in culture plates for anaerobic and aerobic bacteria and fungi. Results: Intraocular aspirates yielded negative cultures. Conclusion: The absence of microorganisms in the samples evaluated allowed us to conclude that contamination during the phacoemulsification surgery with lens implant is unusual.

Keywords: Cataract extraction; Phacoemulsification; Contamination; Aqueous humor; Cell culture

INTRODUÇÃO

Nos últimos anos, a cirurgia de catarata tem evoluído muito. Os resultados da cirurgia, em geral, são bastante satisfatórios do ponto de vista visual, principalmente após o desenvolvimento da facoemulsificação com pequena incisão.

Devido a grande expectativa visual, a ocorrência de endoftalmite pós-cirurgia de catarata, pode ser uma complicação bastante desagradável.

A facoemulsificação implica na infusão de líquido na câmara anterior que circula também por um sistema de tubos. A quantidade de líquido que passa pela câmara anterior é relativamente grande, o que pode resultar em contaminação cirúrgica e infecção intra-ocular.

Apesar da infusão maior de líquidos na facoemulsificação, parece que a incidência de endoftalmite é a mesma que em indivíduos operados pela técnica de extração extracapsular (1).

A endoftalmite pós-cirurgia de catarata é a causa mais comum delas, podendo ocorrer em cerca de 0,09%(2) a 0,3%(3) dos pacientes submetidos a facectomia com implante de lente intra-ocular.

As endoftalmites agudas, em geral, possuem como fontes potenciais de contaminação os instrumentos cirúrgicos, soluções de irrigação, lentes intra-oculares, flora respiratória do pessoal da sala cirúrgica, flora normal das pálpebras, cílios e via lacrimal(4). Todos estes fatores fazem com que exista uma preocupação constante com a contaminação durante o ato operatório.

A contaminação da câmara anterior por germes patogênicos pode ocorrer em 4,9% dos casos ao final da cirurgia, sem que isso signifique infecção(5). Por outro lado, mesmo em se tratando de endoftalmite infecciosa, os exames de cultura do humor aquoso ou vítreo podem resultar negativos(6).

O objetivo deste estudo é avaliar a ocorrência de contaminação da câmara anterior durante o ato operatório, em pacientes submetidos à extração do cristalino por facoemulsificação.

 

MÉTODO

Estudou-se prospectivamente a ocorrência de contaminação da câmara anterior de 30 pacientes que foram submetidos a facectomia por facoemulsificação com implante de lente intra-ocular.

Foram colhidas duas amostras de humor aquoso de cada um dos 30 pacientes: uma logo após a abertura da câmara anterior (Cultura 1) e outra, no final da cirurgia (Cultura 2). Portanto, foram colhidas duas amostras de cada um dos indivíduos, totalizando 60 amostras, que foram semeadas em dois meios de cultura, um para identificação de bactérias aeróbias e anaeróbias (Bactec tipo Plus Anaerobic/F) e outro, para identificação de fungos (Ágar Sabouraud).

As cirurgias foram realizadas no Centro Cirúrgico Ambulatorial do Hospital das Clínicas - UNESP, entre julho e outubro de 2000. Todas as cirurgias foram realizadas pelo mesmo cirurgião (CNS), em regime de cirurgia ambulatorial, sendo os pacientes liberados logo após o procedimento.

Os critérios de inclusão para participação neste estudo foram: portadores de catarata senil; sem infecção sistêmica ou local no momento da cirurgia; sem evidências de cirurgia ou trauma prévio.

Os pacientes não receberam antibiótico tópico no pré-operatório e usaram Diclofenaco sódico de 8/8 horas no dia anterior à cirurgia e Tropicamida de 10 em 10 minutos, por 3 vezes, 1 hora antes do procedimento. Todos os colírios utilizados no pré-operatório eram recém abertos e foram considerados estéreis.

Procedimentos:

1) Anti-sepsia da pele com solução alcoólica de Chlorohexidina a 2,0%.

2) Anestesia retrobulbar, seguida de compressão ocular por 5 minutos.

3) Instilação de 1 gota de Vitelinato de prata e irrigação com soro fisiológico 0,9% e limpeza dos fundos-de-saco conjuntivais com cotonetes estéreis.

4) Colocação de campos estéreis de tecido (ao redor da cabeça do paciente) e de plástico adesivo sobre o olho a ser operado, de modo a isolar os cílios.

5) Facoemulsificação com abertura escleral tunelizada de 5,5 mm, entre 10 e 11 horas, paracentese auxiliar na posição de 1 hora. A solução de irrigação utilizada foi a solução salina balanceada, tanto para a facoemulsificação, quanto para a aspiração. A lente intra-ocular utilizada foi a lente de PMMA de 5,2 mm de diâmetro, três peças (Oftvision-CP52BU). A quantidade de líquido, assim como o tempo cirúrgico, foi semelhante em todas as cirurgias.

6) A coleta de material foi realizada no início da cirurgia, logo após a abertura da câmara anterior (Cultura 1) e ao final da cirurgia (Cultura 2), antes da sutura da incisão. Foi colhido 1,0 ml da solução de irrigação com seringa de insulina e cânula estéril pela paracentese auxiliar, ao mesmo tempo em que era infundido líquido pela caneta do facoemulsificador. Imediatamente 0,1 ml do material coletado foi semeado em Ágar Sabouraud e 0,9 ml em frasco de cultura Bactec tipo Plus Anaerobic/F, sendo o material enviado para a cultura imediatamente.

7) Após a sutura da incisão, era realizada instilação de 1 gota de dexametasona, sulfato de neomicina e sulfato de polimixina B e realizado curativo oclusivo.

Os pacientes foram acompanhados no 1o, 7o e 45o dia pós-operatório, sendo utilizado de 4/4 horas colírio de dexametasona, sulfato de neomicina e sulfato de polimixina B e diclofenaco sódico 8/8 horas, durante 30 dias.

 

RESULTADOS

A amostra de indivíduos estudados envolveu 30 pacientes, com idade entre 41 a 83 anos (média de 67,93 anos) (Tabela 1).

 

 

O procedimento cirúrgico transcorreu sem complicações em todos os pacientes.

As 60 amostras foram colhidas sem intercorrências e semeadas para cultura, conforme idealizado para o estudo.

Tanto as amostras colhidas para Cultura 1, como as para Cultura 2, foram todas negativas, não sendo encontradas amostras positivas em nenhum dos 30 pacientes estudados, em nenhum dos dois momentos da coleta (Tabela 2).

 

 

Durante os 45 dias propostos para seguimento, nenhum paciente desenvolveu endoftalmite.

 

DISCUSSÃO

O receio da endoftalmite fez com que os cirurgiões adotassem medidas preventivas para diminuir a chance de contaminação cirúrgica, como o uso de antibióticos tópicos e sistêmicos no pré e no intra-operatório(7), na tentativa de reduzir a flora bacteriana habitante normal da pele palpebral, cílios e conjuntiva. Porém, esta conduta não é rotina em nosso serviço, onde o uso profilático de antibióticos é feito na forma de colírio, apenas após o ato cirúrgico.

Na cirurgia extracapsular e, mais ainda, na facoemulsificação, há muita infusão de líquido. Duas possibilidades podem existir em termos de contaminação: campos cirúrgicos molhados ou contaminação dos sistemas de tubos utilizados para a infusão.

O uso dos campos plásticos evita que os campos molhados possibilitem a penetração de patógenos da flora normal na câmara anterior, além de isolar os cílios do campo operatório.

Os sistemas de infusão já foram pesquisados quanto a possibilidade de contaminação, tendo sido demonstrado contaminação em 5% das culturas colhidas do sistema de irrigação na cirurgia de facoemulsificação(8).

Apesar de não termos tido nenhum caso com identificação positiva de germes na câmara anterior, há relatos na literatura de contaminação variando de 1%(9) a 5%(3) dos indivíduos, ou até 43% de contaminação(10).

A possibilidade de cultura positiva aumenta quando os cílios não são isolados do campo operatório. 29% das culturas colhidas da margem palpebral são positivas, contra apenas 1% quando se colhe material da câmara anterior(11).

Quando se implanta a lente intra-ocular, como foi o caso neste estudo, a possibilidade de atrair bactérias para a câmara anterior está aumentada, devido às cargas eletrostáticas acumuladas na superfície de polimetilmetacrilato das lentes intra-oculares(12).

Outro fator relacionado com a possibilidade de contaminação é a ocorrência de complicações como: rotura de cápsula posterior, perda vítrea, iridectomia(7,13). Porém, não ocorreram tais complicações com os pacientes deste estudo.

Os agentes mais freqüentemente encontrados em outros estudos foram: Staphylococcus epidermidis, Propionebacterium acnes, Corynebacterium sp, Streptococos e algumas bactérias Gram negativas(1,4).

Os meios de cultura devem ser abrangentes para que se possa confirmar com segurança que os resultados são negativos. Assim, optamos por utilizar os meios de cultura que abrangem de forma ampla os possíveis agentes a serem encontrados na câmara anterior. O frasco de cultura Bactec Plus Anerobic F contém caldo enriquecido de digerido de soja-caseína pré-reduzido com CO2 e N2. Resinas também são incorporadas a esse meio, com a finalidade de melhorar o isolamento dos microrganismos. Esses frascos são colocados em equipamento Bactec da série fluorométrica, que monitora a sua incubação com leituras periódicas. Cada frasco contém um sensor químico que pode detectar aumentos de CO2 produzidos pelo crescimento de microrganismos. O Ágar Sabouraud com 2% de dextrose é um meio de cultivo sólido, destinado ao isolamento de fungos em geral. Contém mistura de peptonas, ágar-ágar, dextrose e glicose.

Vale lembrar que, mesmo culturas positivas, não resultam em endoftalmite, na maioria dos casos. Importante, ainda, é o fato de que, em se tratando de endoftalmite, a cultura do vítreo apresenta maior chance de identificação do microrganismo do que a cultura do humor aquoso(4).

 

CONCLUSÃO

Em resumo, nosso estudo nos permitiu concluir que a realização da facectomia por facoemulsificação com colocação de lente intra-ocular, sem o uso profilático de antibióticos no pré-operatório, usando campos plásticos para isolamento dos cílios e Vitelinato de prata como anti-séptico, é um procedimento seguro, com risco mínimo de contaminação da câmara anterior.

 

 


 

 

REFERÊNCIAS

1. Hughes DS, Hill RJ. Infectious endophthalmitis after cataract surgery. Br J Ophthalmol 1994;78:227-32.         

2. Kattan HM, Flynn HW, Pflugfelder SC, Robertson C, Gorster RK. Nosocomial endophthalmitis survey: current incidence of infection after intraocular surgery. Ophthalmology 1991;98:227-38.         

3. Samad A, Solomon LD, Miller MA, Mendelson J. Anterior chamber combination after uncomplicated phacoemulsification and intraocular lens implantion. Am J Ophthalmol 1995;120:143-50.         

4. Freda R, Gama AJD. Endoftalmite. Rev Bras Oftalmol 1995;54:35-40.         

5. Powe NR, Schein OD, Gieser SC, Tielsch JM, Luthra R, Javitt J, Steinberg EP. Synthesis of the literature on visual acuity and complications following cataract extraction with intraocular lens implantation. Arch Ophthalmol 1994;112:239-52.         

6. Adan CBD, Blay D, Yu MCZ, Freitas D, Alleman N. Ultra-sonografia ocular em suspeita clínica de endoftalmite. Arq Bras Oftalmol 2001;64:423-8.         

7. Bechara SJ, Kara-José N, Soriano DS. Incidência e profilaxia de endoftalmites em facectomias eletivas. Arq Bras Oftalmol 1988;51:156-9.         

8. Chan TK, Chee SP, Cheng CL, Saw SM, Padmanabhan V. Anterior chamber contamination following cataract surgery and eyelid commensals in a tertiary eye center. Invest Ophthalmol Vis Sci 2000;41:85-91.         

9. Constantaras AA, Metzger WI, Frenkel M. Sterility of the aqueous humor fallowing cataract surgery. Am J Ophthalmol 1972;74:49-51.         

10. Dickey JB, Thompson KD, Jay WM. Anterior chamber aspirates cultures after uncomplicated cataract surgery. Am J Ophthalmol 1991;112:278-82.         

11. Walker CB, Claoue CM, Incidence of conjunctival colonization by bacteria capable of causing postoperative endophtalmitis. J R Soc Med 1986;79:520-1.         

12. Vafidis GC, Marsh RJ, Stacey AR. Bacterial contamination of intraocular lens surgery. Br J Ophthalmol 1984;68:520-3.         

13. Driebe WT, Mandelbaum S, Forster RK, Schwartz LK, Culbertson WW. Pseudophakic endophthalmitis. Diagnosis and management. Ophthalmology 1986;93:442-8.         

 

 

1 Ex-Residente de Oftalmologia do Departamento de Oftalmologia/Otorrinolaringologia/Cirurgia de Cabeça e Pescoço da Universidade Estadual Paulista - Botucatu.
2 Professor Livre Docente do Departamento de Oftalmologia/Otorrinolaringologia/Cirurgia de Cabeça e Pescoço da Universidade Estadual Paulista - Botucatu.
3 Assistente e Chefe do Setor de Catarata da Faculdade de Medicina de Botucatu.
4 Biologista e responsável pelo Laboratório Clínico do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Botucatu - Universidade Estadual Paulista.

Endereço para correspondência: Depto OFT/ORL/CCP - Faculdade de Medicina de Botucatu - Botucatu (SP) CEP 18618-000.
E-mail: [email protected]
Recebido para publicação em 23.07.2001
Aceito para publicação em 16.01.2002


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