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Editorial

Estudo do raspado de conjuntiva e margem palpebral de pacientes tratados de retinoblastoma: etapa I - Microflora aeróbica

Study of the conjunctival scrape and eyelid margin smears in patients treated for retinoblastoma: phase I - Aerobic microflora

Maria Carmen Menezes Santos; Gilda da Cunha Santos2; João Antônio Vozza3; Nivaldo Medeiros4; Clélia Maria Erwenne5

DOI: 10.1590/S0004-27492002000200011

RESUMO

Objetivo: A queixa de secreção ocular é muito freqüente entre os pacientes tratados de retinoblastoma submetidos à enucleação e radioterapia. A falta de dados sobre a microflora em pacientes nessas condições foi o que motivou este estudo. Métodos: Foram examinadas 114 órbitas de 58 pacientes. Este trabalho apresenta os resultados das culturas para bactérias aeróbicas e fungos, de conjuntiva e margem palpebral em 4 condições, com e sem enucleação, com e sem radioterapia. Procedeu-se à identificação dos microrganismos de acordo com o Protocolo do National Committee for Clinical Laboratory Standards e os esfregaços para citologia foram submetidos às colorações de Gram e Leishman. Resultados: A presença de microrganismos foi mais freqüente nas cavidades anoftálmicas irradiadas, tanto na conjuntiva (54,5%) quanto na margem palpebral (63,6%), porém sem diferença estatisticamente significante. Além disso, em órbitas com bulbo ocular, a radiação, na fase tardia, representou um fator limitante da presença de microrganismos na conjuntiva e na margem palpebral, mas sem diferença estatisticamente significante. O Staphylococcus coagulase negativa foi o microrganismo mais freqüente na conjuntiva e margem palpebral de todos os grupos. Houve crescimento de fungo, Candida tropicalis, em apenas um caso. Conclusões: Sugere-se o uso de colírios antibióticos em pacientes tratados de retinoblastoma, portadores de cavidade anoftálmica, irradiada ou não.

Descritores: Olho; Conjuntiva; Anoftalmia; Retinoblastoma; Infecções oculares bacterianas; Enucleação ocular; Staphylococcus; Cândida

ABSTRACT

Purpose: Conjunctival discharge is a common complaint among patients treated for retinoblastoma who underwent enucleation and radiotherapy. Lack of data about the microflora in those patients motivated this study. Methods: One hundred and fourteen orbits of 58 patients were examined. The authors present the results of aerobic bacterial and fungal culture of conjunctival and eyelid margin smears, as well as conjunctival cytology, in 4 different conditions: with and without enucleation, with and without radiation. Microorganisms were identified according to the National Committee for Clinical Laboratory Standards, using Gram and Leishman staining. Results: Microorganisms were more frequent in irradiated anophthalmic sockets, both in the conjunctiva (54.5%) and eyelid margin (63.6%); however the difference was not statistically significant. On the other hand, in orbits with ocular bulbi, the radiation, in the late phase, represented a limiting factor for the presence of microorganims in the conjunctiva and eyelid margin, but without a statistically significant difference. The coagulase-negative Staphylococcus was the most frequent microorganism in the conjunctiva and eyelid margin in all groups. There was fungus growth, Candida tropicalis, in only one case. Conclusions: Topical antibiotics in patients treated for retinoblastoma who underwent enucleation, with or without radiotherapy, are suggested.

Keywords: Eye; Conjunctiva; Anophthalmia; Retinoblastoma; Bacterial eye infections; Eye enucleation; Staphylococcus; Candida

INTRODUÇÃO

O retinoblastoma é o tumor intra-ocular maligno primário mais freqüente na infância(1). Dentre as opções de tratamento disponíveis estão: radioterapia por feixe externo, braquiterapia, fotocoagulação, crioterapia, quimioterapia e enucleação(1).

A energia irradiante constitui uma das formas de tratamento do câncer, porém deve ser criteriosamente utilizada para evitar seus efeitos destruidores(2). Nos casos em que a enucleação é inevitável, é imprescindível o conhecimento da interação entre a anoftalmia pós-enucleação com a prótese ocular(3).

Existe alta associação entre secreção e presença de microrganismos na cavidade anoftálmica, mas as bactérias podem ser encontradas em olhos sem sinais de infecção(4) e aparentemente elas não são a causa da secreção(5).

Os estudos com pacientes usuários de prótese de vidro monocular mostraram que a bactéria mais comum é o Staphylococcus aureus, seguida de Pseudomonas sp e as cavidades anoftálmicas com prótese apresentavam microrganismos mais freqüentemente do que os olhos contralaterais normais(4-6).

Durante as duas últimas décadas, observou-se um aumento na documentação de infecções devidas ao Staphylococcus coagulase negativa, especialmente com a espécie Staphylococcus epidermidis(7).

Estudos mostram que a microflora do cérvix uterino de pacientes tratadas de câncer com radioterapia é diferente das pacientes do grupo controle normal(8).

Até o presente momento, de nosso conhecimento, não existe nenhum estudo microbiológico ou citológico sobre o raspado de conjuntivas irradiadas.

 

OBJETIVOS

O objetivo deste trabalho é o estudo da microflora aeróbica da conjuntiva e da margem palpebral de pacientes tratados de retinoblastoma, submetidos à enucleação de um ou ambos os olhos, com órbitas irradiadas e não-irradiadas.

 

MÉTODOS

Pacientes

Após aprovação pelo Comitê de Ética Médica, foram examinadas 114 órbitas de 58 crianças tratadas de retinoblastoma no Hospital A.C. Camargo, Fundação Antônio Prudente.

Dos pacientes examinados, 29 (50%) eram do sexo feminino e 29 (50%) do sexo masculino; 39 brancos, 16 mulatos, 2 pretos e 1 amarelo. A idade no momento do exame de colheita de raspado ocular variou de 11,4 a 178,4 meses (média de 50,3 meses).

Do total, 4 pacientes (6,9%) haviam sido submetidos à enucleação de ambos os olhos e 54 (93,1%) foram enucleados de um olho.

A radioterapia foi realizada em 33 (56,9%) pacientes, unilateral 28 (84,8%) e bilateral em 5 (15,2%). O intervalo de tempo entre a primeira dose de radioterapia e o exame de raspado ocular variou de 24 dias a 152,1 meses (média 39,2 meses), sendo inferior a 6 meses em 5 (13,5%) pacientes, entre 6 e 11 meses em 1 (2,7%) paciente e maior do que 12 meses em 31 (83,8%) pacientes.

A dose cumulativa recebida pelos pacientes tratados por radiação por feixe externo variou de 1.300 a 7.800 cGy e dos que foram submetidos à braquiterapia variou de 8.000 a 14.400 cGy. Aqueles que foram submetidos a uma associação dos dois métodos de tratamento receberam entre 13.600 a 20.110 cGy (Figura 1).

 

 

A quimioterapia para tratamento coadjuvante foi administrada em 35 crianças (associação de vincristina com ciclofosfamida; adriamicina; carboplatina e VP16).

O intervalo de tempo entre a data de colocação da prótese e a realização do exame foi de 17 dias a 109,4 meses (média 27,8 meses).

Do total de 114 órbitas, foram examinadas 26 (22,8%) com bulbo ocular e sem radioterapia (grupo I), 26 (22,8%) com bulbo ocular e com radioterapia (grupo II), 51 (44,7%) sem bulbo ocular e sem radioterapia (grupo III) e 11 (9,6%) sem bulbo e com radioterapia (grupo IV). Das 62 cavidades anoftálmicas, 57 estavam em uso de prótese ocular externa.

 

MÉTODOS

Todos os pacientes foram orientados para suspender qualquer tipo de medicação tópica ocular durante os 15 dias anteriores à data da colheita de exame.

Inicialmente, foi feita a colheita de amostras da conjuntiva e da margem palpebral com zaragatoas alginatadas, ligeiramente embebidas em solução salina estéril. A semeadura foi realizada diretamente das zaragatoas em três placas de meio de cultivo (ágar sangue, chocolate e Sabouraud). Uma vez detectado crescimento, procedeu-se a identificação do microrganismo, de acordo com o Protocolo do National Committee for Clinical Laboratory Standards.

Método estatístico

Foram usados os seguintes métodos estatísticos: teste de McNemar, teste da Partição do Qui-quadrado, teste de Wilcoxon. Em todos os casos, fixou-se em 0,05 (5%) o nível de rejeição para a hipótese de nulidade. Quando o cálculo estatístico apresentou um valor significante, usou-se um asterisco (*) para caracterizá-lo. Caso contrário, isto é, não-significante, usou-se N.S.

 

RESULTADOS

Do material colhido das 114 órbitas, houve crescimento de colônias em 42 (36,8%) culturas de conjuntiva e em 53 (46,5%) culturas de margem palpebral (Figura 2).

 

 

Na conjuntiva (Tabela 1), a presença de microrganismos foi mais freqüente nas cavidades sem bulbo ocular (grupo III 52,9% e grupo IV 54,5%) do que em órbitas com bulbo ocular, com e sem radioterapia (grupo I 19,2% e grupo II 15,4%). Essa diferença foi estatisticamente significante (x2calc=15,773*; x2calc I e II x III e IV=15,680*). Entretanto, dentre as órbitas com bulbo ocular, a presença de microrganismos foi ligeiramente menor nas irradiadas do que naquelas não-irradiadas e essa diferença não foi estatisticamente significante (x2calc I x II=0,083 N.S.; x2calc III x IV=0,010 N.S.).

 

 

A presença de microrganismos na margem palpebral (Tabela 1) foi mais freqüente em cavidades sem bulbo ocular (grupo III 54,9% e grupo IV 63,6%) do que em órbitas com bulbo ocular (grupos I e II = 34,6%), porém essa diferença não foi estatisticamente significante (x2calc=5,698 N.S.), enquanto que entre os pacientes sem bulbo ocular, a presença de microrganismos foi maior nas cavidades submetidas à radioterapia (III 54,9% < IV 63,6%), embora também sem diferença estatisticamente significante.

Em 37 (32,5%) culturas ocorreu crescimento de colônias na cultura de conjuntiva e de margem palpebral simultaneamente, sendo 5 (13,5%) no grupo I, 4 (10,8%) no grupo II, 22 (59,5%) no grupo III e 6 (16,2%) no grupo IV. Em 5 (4,4%) culturas de conjuntiva não houve crescimento na cultura de margem palpebral correspondente, todas de cavidades anoftálmicas não irradiadas (grupo III). Em 16 (14,0%) culturas de margem palpebral não ocorreu crescimento na cultura de conjuntiva correspondente, sendo 4 (25,0%) do grupo I, 5 (31,3%) do grupo II, 6 (37,5%) do grupo III e 1 (6,3%) do grupo IV.

Houve crescimento isolado de um único microrganismo em 35 (83,3%) culturas de conjuntiva e 45 (84,9%) culturas de margem palpebral. Nas outras 7 (16,7%) culturas de conjuntiva e nas 8 (15,1%) de margem palpebral, houve associação de agentes.

O exame foi completamente negativo, isto é, na conjuntiva e margem palpebral simultaneamente, em 56 (49,1%) órbitas.

A presença de microrganismos em margem palpebral e conjuntiva simultaneamente foi analisada pelo teste de McNemar (Tabela 2). As discordâncias são casuais nos grupos que não foram submetidos à radioterapia, com ou sem bulbo ocular (grupos I p=6,25% N.S. e III x2calc=0 N.S.). Por outro lado, as discordâncias não são casuais no grupo de órbitas com bulbo ocular, submetidas à radioterapia (grupo II p=3,10%*). O grupo de cavidades sem bulbo ocular e submetido à radioterapia (grupo IV) não foi analisável estatisticamente.

 

 

A tabela 3 relaciona a distribuição dos microrganismos entre os grupos em conjuntiva e margem palpebral. Os microrganismos identificados foram: Staphylococcus coagulase-negativa, Staphylococcus aureus, Streptococcus pneumoniae, Streptococcus viridans, Haemophilus sp, bacilo gram-positivo, Serratia marcescens, Candida tropicalis, Corynebacterium sp e Micrococcus sp.

 

 

O Staphylococcus coagulase negativa foi o microrganismo mais freqüente na conjuntiva e na margem palpebral de todos os grupos.

Quanto à órbita ter ou não bulbo ocular, o segundo microrganismo em freqüência na conjuntiva dos grupos de órbitas com olho (I e II) foi Haemophilus sp e do grupo de cavidades anoftálmicas (III e IV) foi Streptococcus pneumoniae.

Na conjuntiva, o Haemophilus sp foi o segundo microrganismo mais freqüente entre as órbitas não irradiadas (I e III), seguido pelo Streptococcus pneumoniae. Entre as órbitas irradiadas (II e IV), Haemophilus sp e Staphylococcus aureus apresentaram a mesma freqüência nas culturas de conjuntiva.

Na margem palpebral, o segundo microrganismo mais freqüente no grupo de órbitas com olho (I e II) foi o Staphylococcus aureus e no grupo de cavidades anoftálmicas (III e IV) foi Haemophilus sp. O Staphylococcus aureus foi o segundo microrganismo mais freqüente tanto nos grupos não submetidos à radioterapia (I e III) quanto naqueles irradiados (II e IV).

A presença de Staphylococcus coagulase negativa na margem palpebral (Tabela 4) foi mais freqüente nas cavidades sem bulbo ocular (grupo III 34,3% e IV 42,9%) do que nos pacientes com bulbo ocular (grupo I e II = 26,1%), porém essa diferença não foi estatisticamente significante (x2calc=1,158).

 

 

Em apenas um caso, observou-se crescimento de fungo, Candida tropicalis, que foi identificado na cultura de conjuntiva de um paciente do grupo II.

A associação de microrganismos iguais em culturas de conjuntiva e margem palpebral, ou seja, um mesmo microrganismo contaminando cultura de conjuntiva e margem palpebral simultaneamente, ocorreu em 34 (29,8%) do total de 114 exames (Tabela 5).

 

 

A associação de microrganismos diferentes em culturas de conjuntiva ocorreu em 7 (6,1%) órbitas e de margem palpebral em 8 (7,0%) órbitas.

Os microrganismos envolvidos em culturas de conjuntiva e de margem palpebral que apresentaram crescimento de mais de um tipo de colônia estão apresentados na tabela 6.

 

 

DISCUSSÃO

No presente estudo, observou-se crescimento do mesmo microrganismo em ambas as órbitas em 16 pacientes (27,6%). Em 25 (43,1%) pacientes, as culturas foram negativas em ambos os lados. Assim, notou-se que os resultados das culturas foram idênticos nas duas órbitas do mesmo paciente em 41 (70,7%) dos casos.

Morris et al. (1993)(9) chamaram a atenção para o fato de que pacientes monoculares usuários de prótese ocular podem ter risco aumentado de desenvolver endoftalmite após procedimentos intra-oculares. Contudo, Hara et al. (1996)(10), estudando pacientes submetidos à cirurgia de facoemulsificação e implante de lente intra-ocular, concluíram que a cultura pré-operatória para bactérias tem um valor preditivo pequeno para o tipo de bactéria encontrada no momento da conclusão da cirurgia.

Estas são considerações importantes na medida em que a sobrevida dos pacientes com retinoblastoma vem aumentando progressivamente, com maiores chances de uma futura cirurgia intra-ocular, especialmente se o paciente foi exposto a radiação, quando o risco de desenvolvimento de catarata é maior(11).

A freqüência de microrganismos observada no presente estudo na conjuntiva de órbitas não-irradiadas (com bulbo ocular ou do grupo I 19,2% e cavidades anoftálmicas ou do grupo III 52,9%) foi menor que a observada no estudo da microflora da cavidade anoftálmica em pacientes usuários de prótese de vidro(4). Este autor encontrou presença de bactérias na conjuntiva de praticamente todas as órbitas normais e anoftálmicas. E, apesar da freqüência também ter sido menor do que a observada por Portelinha et al. (1984)(5), que estudou pacientes com cavidades anoftálmicas em uso de prótese de acrílico, os resultados destes (37,2% dos olhos controle e 69,8% das cavidades anoftálmicas) foram mais semelhantes aos do estudo aqui discutido.

No presente estudo, a percentagem de culturas de conjuntiva positivas foi significativamente maior nos grupos de cavidades anoftálmicas (III 52,9% e IV 54,5%). Esses dados estão de acordo com os resultados encontrados por outros autores, quando estudaram grupos de pacientes usuários de prótese de vidro(4) e usuários de prótese de acrílico(5). Na margem palpebral, embora a diferença não tenha sido estatisticamente significante, a percentagem de culturas positivas também foi maior no grupo de cavidades anoftálmicas (III 54,9% e IV 63,6%). Portanto, os dados sugerem que a anoftalmia é um fator importante na modificação e na intensificação da microflora desses pacientes.

Dentre todas as órbitas aqui examinadas, as que apresentaram menor freqüência de culturas positivas na conjuntiva foram as órbitas com bulbo ocular irradiadas (grupo II 15,4%).

De acordo com uma revisão realizada na década de 1930(12), foram propostas duas principais teorias sobre como a radiação auxiliou na cura de infecções. Talvez isto justifique a menor freqüência de culturas positivas de conjuntiva nas órbitas com bulbo ocular irradiadas (grupo II 15,4%). Por outro lado, embora também irradiadas, observou-se a maior freqüência de crescimento de microrganismos no grupo composto de cavidades anoftálmicas (grupo IV 54,5%). O aumento não foi estatisticamente significante na conjuntiva, porém o foi na margem palpebral.

Esses resultados sugerem que, com a enucleação, e eventualmente também o uso da prótese, ocorra uma desarmonia nas relações anatômicas da órbita, possibilitando um aumento na freqüência de microrganismos, independente da irradiação.

Observou-se também que, somente no grupo II o Teste de McNemar revelou que as discordâncias foram casuais entre a presença de microrganismos na conjuntiva e na margem palpebral. Ou seja, quando os microrganismos se encontram nos cílios, não necessariamente se encontram também na conjuntiva e vice-versa. Por outro lado, as discordâncias não são casuais nos grupos I e III. Isto é, a presença de microrganismos nos cílios está altamente relacionada à sua presença também na conjuntiva. Portanto, realmente parece que a radiação exerceu um efeito limitante da presença de microrganismos nas órbitas com bulbo ocular que foram irradiadas.

Não houve diferença estatisticamente significante entre as freqüências de microrganismos na conjuntiva e margem palpebral de cavidades anoftálmicas, com e sem radiação (grupos III e IV).

Carvalho (1982)(13) destacou que, além do fator cirúrgico, o total preenchimento da cavidade anoftálmica pela prótese é um fator muito importante para uma perfeita adaptação ao fundo da cavidade anoftálmica. Provavelmente, esse cuidado também reduz o espaço morto em relação à prótese, diminuindo, assim, o acúmulo de secreção. Além disso, é possível que a contratura da cavidade orbitária causada pela radioterapia também contribua para diminuir o espaço morto residual.

No presente estudo, os microrganismos mais freqüentes isolados na conjuntiva, em ordem decrescente, foram: Staphylococcus coagulase negativa, Haemophilus sp, Streptococcus pneumoniae e Staphylococcus aureus. Na margem palpebral foram: Staphylococcus coagulase negativa, Staphylococcus aureus, Haemophilus sp e Streptococcus pneumoniae.

O microrganismo mais freqüente em todos os grupos (I, II, III e IV), isto é, o Staphylococcus coagulase negativa, o foi tanto em conjuntiva quanto em margem palpebral de órbitas com olho e de cavidades anoftálmicas. Esses resultados estão de acordo com o estudo realizado por alguns autores que estudaram a incidência de colonização conjuntival por bactérias capazes de causar endoftalmite pós-operatória(14) e outros autores que realizaram um estudo comparativo da flora bacteriana de cavidades contraturadas e os olhos contralaterais(6) Por outro lado, para Portelinha et al. (1984)(5), cujo trabalho foi realizado também em São Paulo, o Staphylococcus aureus foi o microrganismo mais freqüente na conjuntiva das cavidades anoftálmicas, isolada em 27 (62,8%) pacientes, e também no olho controle contralateral (34,8%).

Dos casos aqui estudados, analisando apenas aqueles em que houve crescimento de Staphylococcus coagulase negativa na margem palpebral, observamos que este foi mais freqüente nos grupos de cavidades anoftálmicas (III 34,3% e IV 42,9%) do que nos grupos de órbitas com bulbo ocular (I e II = 26,1%). Entretanto, esta diferença não teve significância estatística.

No atual estudo, houve crescimento de fungo em apenas um caso (paciente 3) e só na conjuntiva, em que foi isolado Candida tropicalis, enquanto que Portelinha et al. (1984)(5) não encontraram fungo em suas amostras. Por outro lado, no estudo de Dayal et al. (1984) (6), a flora fúngica das cavidades contraturadas não diferiram daquelas dos olhos contralaterais.

Assim, notam-se pequenas diferenças na microflora ocular das crianças do presente estudo, comparadas com os achados da literatura. É possível que a microflora ocular encontrada neste estudo seja influenciada pelo comportamento próprio das crianças nas condições apresentadas, as quais mantêm contato constante com o ambiente hospitalar e, provavelmente, com maior manuseio da face, e por sua vez, das órbitas e cavidades anoftálmicas.

Recentemente, tem sido elaborado o conceito de que a microflora bacteriana em próteses implantadas possui a princípio um mecanismo "protetor" gerado por bactérias que aderem às superfícies artificiais, o que seria capaz de explicar por outro lado por que esse tipo de infecção vem crescendo em freqüência e importância, além das alterações na flora microbiana e a tendência à cronicidade(15).

Apenas em órbitas com bulbo ocular, parece que a radiação, na fase tardia, representou um fator limitante da presença de microrganismos na conjuntiva e na margem palpebral. Na ausência de bulbo ocular, as alterações anatômicas parecem ter se sobreposto à condição de irradiação e esse efeito parece ter se anulado.

 

CONCLUSÃO

Embora a maioria dos microrganismos encontrados nos pacientes do presente estudo faça parte da microflora ocular normal(16), diante de pacientes tratados de retinoblastoma, portadores de cavidade anoftálmica, irradiada ou não, com queixa de secreção intensa, sugere-se uso de colírios antibióticos por período limitado.

 

 


 

 

REFERÊNCIAS

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Tese de Mestrado apresentada e aprovada pela Universidade Federal de São Paulo/Escola Paulista de Medicina (UNIFESP/EPM), em dezembro de 1997.

Este estudo foi realizado em parte graças ao suporte financeiro da CAPES.

1 Pós-graduanda, nível mestrado, do Departamento de Oftalmologia da Universidade Federal de São Paulo/Escola Paulista de Medicina (UNIFESP/EPM), e estagiária do Hospital A. C. Camargo ¾ Fundação Antônio Prudente.
2 Professora adjunta do Departamento de Patologia da Universidade Federal de São Paulo/Escola Paulista de Medicina (UNIFESP/EPM).
3 Patologista clínico do Laboratório IPACE - Hospital A. C. Camargo ¾ Fundação Antônio Prudente.
4 Titular do Departamento de Patologia Clínica do Hospital A. C. Camargo ¾ Fundação Antônio Prudente.
5 Chefe do Setor de Tumores Oculares da Universidade Federal de São Paulo/Escola Paulista de Medicina (UNIFESP/EPM), e chefe do Serviço de Oftalmologia do Hospital A. C. Camargo ¾ Fundação Antônio Prudente.

Endereço para correspondência: Rua Botucatu, 822 - Vila Clementino - São Paulo (SP) CEP 04023-062.

Nota Editorial: Pela análise deste trabalho e por sua anuência sobre a divulgação desta nota, agradecemos à Dra. Martha Maria Motono Chojniak.
Recebido para publicação em 20.04.2001
Aceito para publicação em 20.09.2001


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