Alessandra Guerra Daros Castellano1; Luciane Bugmann Moreira2; Ticyane Teixeira Kaimoto1; Hamilton Moreira2
DOI: 10.1590/S0004-27491999000600008
RESUMO
Objetivo: Estudar os custos de correção dos vícios de refração em grupos de pessoas de distinto poder aquisitivo. Métodos: Os autores estudaram cinqüenta pacientes portadores de vícios de refração. Estes foram separados em dois grupos: grupo I com pacientes escolhidos de forma aleatória na primeira consulta ao ambulatório de Oftalmologia do Hospital Evangélico de Curitiba (HUEC), e grupo II com voluntários médicos do HUEC e acadêmicos de medicina da Faculdade Evangélica de Medicina do Paraná (FEMPAR). Foram analisados dados referentes a sexo, faixa etária, profissão, renda, grau de instrução, uso de correção (óculos ou lentes) e seu custo, consultas oftalmológicas. Os pacientes foram submetidos ao exame oftalmológico de rotina. Resultados: Encontramos no grupo I predominância de pacientes de meia idade (48,5 anos), com renda entre 1 a 5 salários mínimos (SM) e hipermétropes; e no grupo II, pacientes jovens (24,4 anos), com renda acima de 20 SM e míopes foram mais freqüentes. Conclusão: O gasto médio anual com óculos fica no mínimo em R$ 46,50 (0,3 SM); com lentes de contato, no mínimo R$ 196,66 (1,4 SM); e com cirurgia refrativa em R$ 800,00 (5,9 SM). O estudo sugere a cirurgia refrativa como boa indicação para ambos os grupos.
Descritores: Vícios de refração; Aspectos socioeconômicos
ABSTRACT
Purpose: To study the incidence of refractive errors in different socioeconomic populational groups and the cost of their correction. Method: 50 patients with refractive errors were divided into 2 groups. Group I was comprised of new outpatients at the Ophthalmic Center of the Hospital Universitário Evangélico de Curitiba (HUEC). Group II consisted of doctors and medical students of HUEC who volunteered for the study. Patients' sex, age, income, educational level, visual acuity, refractive errors and expenses for their correction were recorded. All patients were submitted to ophthalmologic examination. Results: Patients in group I averaged 48.5 years of age and a monthly income of about 5 times the Brazilian minimum wage (mw). Hyperopia was the most frequent refractive error. The corresponding findings for group II were 24.4 years of age, monthly income over 20 times mw and myopia was the most frequent. Conclusions: Yearly expenses amounted to a minimum of 0.3 mw for glasses, minimum of 1.4 mw for contact lenses and refractive surgery of 5.9 mw. We concluded that refractive surgery is a good indication for both groups in the long run.
Keywords: Refractive errors; Socioeconomic aspects
INTRODUÇÃO
Sabe-se que oitenta e cinco por cento da nossa relação com o mundo exterior é feita através dos olhos 1 e que tanto na fase escolar quanto no trabalho faz-se mister boa acuidade visual.
Vários procedimentos cirúrgicos foram utilizados na tentativa da cura da miopia. Desde 1890 procuraram-se métodos cirúrgicos para correção refrativa, como a epiceratoplastia, ceratotomia radial, lentes de Baikoff, ceratomileusis, anel intracorneano de Choice, fotoceratectomia refrativa(PRK), ceratectomia intraestromal a laser (LASIK). Esses fatos foram marcantes na história da cirurgia refrativa que era antes questionada pela insuficiência de metodologia científica 2.
Curtin & Whitmor 3em 1993 relataram que a prevalência de miopia atinge 20% da população mundial. Nas classes menos favorecidas o tratamento afeta o orçamento familiar e muitas vezes tais pacientes privam-se dos cuidados com a visão, o que interfere no desenvolvimento e comportamento psicossocial do indivíduo.
O presente estudo teve por objetivo relacionar vícios de refração e o respectivo custo de sua correção; seja com óculos, lentes de contato, e cirurgia refrativa em dois grupos de população com distinto poder aquisitivo.
MÉTODO
Foram examinados 59 pessoas portadoras de vício de refração das quais nove foram excluídas por serem pacientes présbitas unicamente, pseudofácicos e aqueles com catarata e alterações retinianas. As 50 restantes foram separadas em dois grupos. O grupo I contou com 26 clientes do Sistema Único de Saúde(SUS)escolhidos de forma aleatória na primeira consulta ao ambulatório de oftalmologia do Hospital Universitário Evangélico de Curitiba (HUEC). O grupo II foi constituído por 24 voluntários médicos do HUEC e acadêmicos de medicina da Faculdade Evangélica de Medicina do Paraná (FEMPAR).
Foram incluídos todos os casos com diagnóstico de ametropias em um ou ambos os olhos, sendo estas divididas em miópicas, hipermetrópicas e mistas. As ametropias miópicas incluíram miopia e astigmatismo miópico. As ametropias hipermetrópicas incluíram hipermetropia e astigmatismo hipermetrópico, e as ametropias mistas incluíram somente astigmatismo. Os pacientes com presbiopia associada a miopia ou hipermetropia foram incluídos na respectiva ametropia para longe.
Todos os pacientes responderam um questionário padrão (Anexo 1).
Consideramos socioeconomicamente inativos os estudantes, aposentados, desempregados e donas de casa. Ativos eram os que exerciam atividade formadoras da renda familiar.
Os pacientes foram submetidos ao exame oftalmológico de rotina. A acuidade visual foi aferida pela tabela de Snellen com e sem correção nos pacientes que usavam óculos e sem correção nos demais. Foi realizada nova refração, exame biomicroscópico e fundoscópico. Considerou-se normal a acuidade visual de 20/20 a 20/30, pois permite a direção de veículos segundo o DETRAN. As acuidades entre 20/40 a 20/80 foram consideradas satisfatórias para as atividades básicas diárias sem auxílio. As acuidades inferiores a 20/100 foram consideradas insuficientes para tarefas básicas do cotidiano.
Verificamos o preço de lentes de contato em 3 serviços de oftalmologia. Averiguamos sobre produtos de limpeza para lentes de contato em 3 farmácias. Para o par de óculos fizemos pesquisa de preço em 3 ópticas. Tivemos o cuidado de escolher sempre um estabelecimento com vendas mais popular, um mediano e um direcionado a vendas mais elitista. Com relação a cirurgia refrativa, verificamos o preço das 2 instituições existentes na cidade de Curitiba.
RESULTADOS
Cinqüenta pacientes foram examinados, 34 (68%) eram do sexo feminino e 16 (32%) do sexo masculino, com idade variando entre 17 e 66 anos (média de 37 anos).
As condições socioeconômicas e o rendimento em SM dos pacientes estudados estão demonstrados na Tabela 1.
No grupo I, 23 (88%) pacientes moravam em domicílio particular próprio, e 3 (12%) pacientes moravam em imóvel alugado. No grupo II, 23 (96%) pacientes moravam em domicílio próprio, e apenas 1 (4%) em alugado.
No grupo I foram encontrados 22 (85%) pacientes que haviam cursado o primeiro grau, 3 (11%) pacientes com segundo grau, e 1 paciente (4%) analfabeto. Já o grupo II apresentou 24 (100%) pacientes com terceiro grau.
No grupo I, 2 (8%) pacientes nunca consultaram antes um oftalmologista, 19 (73%)consultaram-no 5 vezes, 4 (15%) pacientes fizeram entre 6 a 10 consultas, e 1 (4%) fez mais de 10 consultas. No grupo II, 10 (42%) pacientes fizeram 5 consultas, 9 (37%) fizeram entre 6 a 10 consultas, e 5 (21%) pacientes fizeram mais de 10 consultas.
Os pacientes sem uso de correção óptica, totalizaram em 11 (22%) encontrados somente no grupo I, sendo que os motivos pela falta de correção foram dificuldade financeira para aquisição dos óculos em 3 pacientes, não adaptação em 1 paciente e outros como quebra dos óculos em 2, nunca ter consultado oftalmologista em 2 e sem justificativa em 3. Os pacientes que usavam óculos corretores ou lentes de contato na primeira consulta estão demonstrados na tabela 2.
Aferida a acuidade visual com e sem correção no melhor olho dos pacientes, tanto do Grupo I quanto do grupo II, obtivemos a maioria entre 20/20 e 20/30 conforme dados apresentados na tabela 3.
Estão demonstrados através de gráficos (Gráfico 1) os vícios de refração encontrados nos grupos socioeconômicos analisados.
Os exames biomocroscópicos e fundoscópicos em todos os pacientes foram encontrados dentro dos padrões da normalidade exceto aquele, já citado anteriormente, com degeneração miópica em fundo de olho.
A pesquisa de preços realizada em três ópticas e serviços de lente de contato, farmácias e clínicas de cirurgia refrativa da cidade de Curitiba estão demonstrados na tabela 4.
DISCUSSÃO
No que diz respeito aos vícios de refração causadores de baixa acuidade visual como miopia, hipermetropia e astigmatismo houve a prevalência de pacientes míopes conforme encontrado na literatura 5.
No Grupo I, a maioria dos pacientes havia cursado até o 1º grau. No Grupo II todos os pacientes cursavam ou haviam cursado o 3º grau. Apesar deste contraste cultural, em ambos os grupos houve predomínio de pessoas inativas frente ao mercado de trabalho. Essas pessoas declararam ter renda familiar, habitar casa própria e fazer uso de correção óptica. Esses dados fazem-nos presumir que a maioria dos pacientes analisados eram dependentes econômicamente e compartilhavam renda salarial e domicílio com seus pais, responsáveis ou outros.
Segundo o Censo 6 de 1995-96 ( IBGE ), a população tem gasto mensal médio de 3,90 % da renda familiar dirigida para assistência à saúde na aquisição, manutenção e cuidados com óculos e lentes de contato. Este percentual corresponde a 0,4 SM em média ao ano. Na cidade de Curitiba o par de óculos mais barato estava em torno de R$ 46,50 correspondente a 0,3 SM e o mais caro R$ 1960,00 correspondente a 14,4 SM. Em um ano gasta-se em lentes de contato no mínimo R$ 100,00 (0,7 SM) e no máximo em torno de R$ 500,00 (3,6 SM), além do gasto com produtos de limpeza e conservação no mínimo de R$ 96,66 (0,7 SM). A cirurgia refrativa (PRK) para miopia custa R$ 800,00 (5,9 SM) por olho, sendo a mais barata. O LASIK para astigmatismo miópico, que é a cirurgia mais cara, custa R$ 1500,00 (11 SM) por olho.
Nos Estados Unidos, Chiang 4, em um estudo dos aspectos socioeconômicos da cirurgia refrativa a laser, considerou o custo da cirurgia de PRK equivalente ao uso diário de lentes de contato durante 10 anos e mais viável por custo-benefício após 20 anos.
Como os óculos devem ser substituídos por novos em média a cada 2 anos, lentes de contato a cada ano e a cirurgia, teoricamente, é única, em 93,7% dos casos. A cirurgia refrativa pode ser, a longo prazo, uma solução para os pacientes do Grupo I, por serem portadores de dupla deficiência: visual e socioeconômica.
A cirurgia também é uma boa opção para o Grupo II, pois beneficia profissionais que atuam em condições ambientais extremas, esportistas, pacientes que não aceitam o uso de óculos, seja pela estética, seja pelo desconforto, pela anisometropia ou por não tolerarem adequadamente o uso de lentes de contato.
Qualquer tipo de correção utilizada em erros de refração é valida e tem seu espaço dentro da oftalmologia. Aumentando a diversidade de procedimentos ampliam-se as opções do paciente perante a dificuldade visual, financeira e de conforto.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1 Neto SMC, Senne FMB, Matsui IA, França ST, Tanaf U, Cara JN. Levantamento do custo de óculos na cidade de Campinas SP. Revista Brasileira de Oftalmologia 1988;47:40-5.
2 Guedes A, Andrade C, Ferreira MM, Leite LAM, Ambrósio R. Ceratotomia radial. Revista Brasileira de Oftalmologia 1986;15:159-61.
3 Curtin BJ, Whitmor WG. The optics of myopia. In: TasmanW, Jaeger EA, eds. Duane's Clinical Ophthalmology. Philadelphia: JB Lippincott, 1993; v.1, capítulo 42.
4 Chiang YP, Javitt JC. The socioeconomic aspects of laser refractive surgery. Arch Ophthalmol 1994;112:1526-30.
5 Sutton G, Kalski RS, Lawless MA, Rogers C. Excimer retreatment for scarring and regression after photorefractive keratectomy for myopia. Br J Ophthalmol 1995;79:756-9.
6 IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa de orçamentos familiares 1995-1996. p. 205.
Cada autor declara que não possui interesse financeiro no desenvolvimento ou marketing dos instrumentos referidos no estudo.
Trabalho realizado no serviço de oftalmologia do Hospital Universitário Evangélico de Curitiba.
(1) Médica residente de oftalmologia do Hospital Universitário Evangélico de Curitiba.
(2) Professor Auxiliar da Faculdade Evangélica de Medicina do Paraná, médico oftalmologista do Hospital de Olhos do Paraná e do Hospital Universitário Evangélico de Curitiba.
Endereço para correspondência: Dra. Luciane Bugmann Moreira. Rua Carlos de Carvalho, 1706. Curitiba (PR). CEP 80730-200. e-mail: [email protected]