Fábio Ejzenbaum1; Adele Christina Manso Marques2; Janine Radd Ferreira Pinto3; Carlos Ramos Souza-Dias3; Mauro Goldchmit2
DOI: 10.1590/S0004-27492011000300005
RESUMO
OBJETIVO: Analisar os resultados das reoperações nas esotropias congênita e essencial adquirida não acomodativa. MÉTODOS: Foram avaliados retrospectivamente 393 prontuários de pacientes com diagnóstico de esotropia (91 esotropias congênitas e 302 adquiridas) no Departamento de Oftalmologia da Santa Casa de São Paulo, operados entre os anos de 2000 e 2004. RESULTADOS: No grupo dos portadores de esotropia congênita, 9 pacientes foram reoperados (9,9%). As indicações para a nova intervenção foram: subcorreções (3,3%), supercorreções (2,2%), anisotropia (V) (1,1%), hipotropia (1,1%) e divergências visuais dissociadas (2,2%). No grupo dos portadores de esotropia essencial adquirida não acomodativa 31 pacientes foram reoperados (10,3%). As indicações para a nova intervenção foram: subcorreções (n=6,6%), supercorreções (n=2%) e hipertropias (n=1,7%). CONCLUSÕES: A porcentagem de reoperação nos casos de esotropia congênita e essencial adquirida não acomodativa foram 9,9% e 10,2% respectivamente, com predominância de subcorreções nas indicações para a realização de nova cirurgia. A presença de ambliopia e desvios maiores que 50∆ na esotropia essencial adquirida não acomodativa (EEANA) foram os mais importantes fatores para maus resultados.
Descritores: Esotropia; Esotropia; Músculos oculomotores; Procedimentos cirúrgicos oftalmológicos; Visão binocular; Reoperação
ABSTRACT
PURPOSE: To analyze the results in patients reoperated from congenital and essential esotropia. METHODS: A retrospective chart review of 393 patients who underwent surgery from 2000-2004 was performed. Subjects were divided into two groups: Congenital esotropia (91patients) and essential esotropia (302 cases). RESULTS: Among congenital cases we had 9 reoperations (9.9%). There were undercorrections (3.3%), overcorrections (2.2%), anisotropia (V) (1.1%), hypotropia (1.1%) and dissociatd vertical divergences (2.2%). Among the essential cases, there were 31 (10.3%) reoperations due to undercorrections (n=6.6%), overcorrections (n=2%) and hypotropias (1.7%). CONCLUSIONS: Outcomes reoperations rates were 9.9% and 10.2% between congenital and essential esotropias with a higher rate of undercorrections. Amblyopia in both groups and deviations higher than 50∆ in essential esotropias seems to be the most important factors for poor results.
Keywords: Esotropia; Esotropia; Oculomotor muscles; Ophthalmologic surgical procedures; Vision, binocular; Reoperation
INTRODUÇÃO
As reoperações são muito comuns nas esotropias (ET) congênita (EC) e essencial adquirida não acomodativa (EEANA) com incidências muito variáveis entre os estudos.
Aparentemente, as taxas de reintervenção cirúrgica são mais altas na EC em comparação com a EEANA, pois como os pacientes são operados em média até os 18 meses de vida existem limitações do exame pré-operatório, bem como podem ocorrer o aparecimento tardio de complicações como o desvio vertical dissociado (DVD), hiperfunção de músculos oblíquos e desvios verticais(1). Dentre os fatores que influenciam no resultado cirúrgico, a magnitude do ângulo de desvio pré-operatório, e a precocidade da cirurgia parecem ser os fatores mais importantes nestes pacientes(2).
A ET residual é o desvio mais comum nas indicações de reoperações, ela ocorre de acordo com a literatura, entre 20% e 40% dos casos, independentemente do ângulo de desvio pré-operatório e do planejamento cirúrgico(3). Os fatores associados mais comuns se devem à falta de colaboração do paciente à semiologia, ao planejamento inadequado, à acomodação residual e à presença de ambliopia(4).
A exotropia consecutiva é observada em10% a 27% dos casos, principalmente na EC(5-7). Dentre as principais causas relatadas, estão a ambliopia, a limitação pós-operatória de adução após grandes retrocessos do reto medial, a ausência de estereopsia e a cirurgia simultânea em 3 ou 4 músculos retos horizontais(5,7,8).
O objetivo deste estudo foi observar a incidência de reoperações, e possíveis fatores associados às reintervenções cirúrgicas nos casos de EC e EEANA.
MÉTODOS
Foram analisados retrospectivamente os prontuários de 393 casos de esotropias operadas no Departamento de Oftalmologia da Santa Casa de São Paulo, entre os anos de 2000 e 2004. Destas, 91 eram EC e 302 EEANA.
Os casos foram analisados com relação ao resultado pós-operatório, enfocando a presença ou não de ambliopia, o número de reoperações, as medidas dos desvios pré e pós-operatórios, a presença de anisotropias, DVD e hipertropias.
Foram estabelecidos como critérios de exclusão os casos que não tiveram todos os procedimentos cirúrgicos realizados na Santa Casa de SP, pacientes com seguimento pós-operatório inferior a cinco meses, casos com fator acomodativo associado e presença de outras doenças oftalmológicas que pudessem influenciar no resultado cirúrgico.
Todos os pacientes submeteram-se ao exame oftalmológico pré-operatório, que consistiu da medida da acuidade visual (quando possível), refratrometria sob cicloplegia e fundoscopia. O desvio pré-operatório foi medido com o uso de prismas com os métodos de prisma e cover ou Krimsky, para longe e perto. Ambliopia foi definida como diferença de duas linhas na medida da acuidade visual com a melhor correção óptica, ou forte preferência por um dos olhos, sem alternância, em crianças pré-verbais.
Quanto ao planejamento cirúrgico das reoperações, foram levadas em consideração as seguintes variáveis: quantidade de milímetros na primeira cirurgia, número de músculos operados, desvio residual e presença de limitação de adução/abdução. Com base nesses achados foram programadas as reintervenções, tentando preservar o maior número possível de artérias ciliares.
O estudo teve aprovação do Comitê de Ética da Santa Casa de São Paulo (059/09).
RESULTADOS
No grupo de EC, a taxa de reoperação foi de 9,9%, com seguimento de 19,3 ± 15 meses (5 a 48 meses). A idade média da primeira cirurgia foi de 46,5 ± 27,2 meses (8 a 80 meses). O desvio pré-operatório antes da primeira cirurgia nos pacientes reoperados foi de ET 45,6∆ ± 10,5∆ (30∆ - 60∆).
Os nove casos tiveram como indicações para reoperação: subcorreção (3,3%), supercorreção (2,2%), DVD tardia (2,2%), anisotropia em V (1,1%) e hipotropia (1,1%).
As características principais dos casos reoperados de EC podem ser observadas no quadro 1.
Entre os 91 casos com EC, 10 eram amblíopes, destes 5 (50% dos amblíopes) foram reoperados; quanto à disfunção de músculos oblíquos, dentre o total de 32 casos, 4 (12,5%) tiveram segunda intervenção (1 caso como motivo principal da reoperação, 1 associado à DVD e 2 casos associados a subcorreção); entre os 14 casos de DVD, 2 (14,2%) foram reoperados .
As comparações entre as frequências de reoperações dos pacientes com desvios pré-operatórios maior ou menor de 50∆, presença de ambliopia, DVD e disfunção de oblíquos pode ser observada no quadro 2.
No grupo de EEANA, a taxa de reoperação foi de 10,3% com seguimento de 20 ± 17 meses (5 a 72 meses). A idade média da primeira cirurgia foi de 19,12 ± 1 2,64 anos (1 a 51anos). O desvio pré-operatório antes da primeira cirurgia nos pacientes reoperados foi de ET 46,1∆ ± 17,2∆ (20∆ a 80∆ ), sendo que 17 casos tinham desvio menor que 50∆ e 14 tinham desvio maior que 50∆.
Dos 31 casos, as indicações para reoperação foram: subcorreção (6,6%), supercorreção (2%), hipertropia isolada (1,7%). Três casos tiveram terceira intervenção, uma supercorreção que após a segunda cirurgia ficou subcorrigida, uma anisotropia em A e uma subcorreção que permaneceu com ET.
As características principais dos pacientes reoperados de EEANA podem ser observadas no quadro 3.
Entre os 302 casos com EEANA, 101 eram amblíopes, destes 20 (19,8% dos amblíopes) foram reoperados; quanto à disfunção de músculos oblíquos, 10 dos 94 casos (10,6%) tiveram segunda intervenção. Quatorze pacientes tinham hipertropias pré-operatórias, destes, 5 casos (36% das hipertropias) foram reoperados, as características principais dos casos reoperados estão no quadro 4.
As comparações entre as frequências de reoperações dos pacientes com desvios pré-operatórios maior ou menor de 50∆, presença de ambliopia, hipertropias e disfunção de oblíquos pode ser observada no quadro 5.
Quanto à quantidade de re-retrocesso ou re-ressecção necessários para corrigir o desvio, foram selecionados apenas 6 casos que tiveram re-retrocessos puros do músculo reto medial, com variação de 3 a 5 mm( 4 ± 1 mm). A quantidade média de correção foi de 12 ± 4,2∆, ou seja, 3∆/ mm de retrocesso.
DISCUSSÃO
As principais indicações de reintervenção cirúrgica nas EC foram subcorreções, supercorreções e DVD.
Alguns estudos identificaram alguns fatores responsáveis pela reoperação na EC, como ângulo de desvio pré-operatório(9), ambliopia(9), presença de nistagmo(9), disfunção de músculos oblíquos inferiores(10) e DVD(10).
Trigler, Siatkowski(2) observaram 149 pacientes com EC. Desses, 34% (51 casos) precisaram ser reoperados. Algumas características contribuíram para a reintervenção cirúrgica, como a ambliopia, cirurgia realizada antes dos 15 meses de vida e desvio maior que 30∆. Observou-se em nosso estudo, alta frequência de reoperação entre os amblíopes (50% dos casos), inclusive com teste de Fisher significante.
Ainda quanto ao tamanho do desvio pré-operatório, alguns autores(11) observaram que desvios maiores que 50∆ têm tendência a subcorreção. As conclusões desses autores não corroboraram com nossos resultados.
Outros autores(1) acompanharam 10 crianças com ET congênita e cirurgia precoce (entre 83 e 159 dias de vida); quatro tiveram segunda intervenção e três foram submetidas a duas reoperações. Prieto-Díaz(10) estudou 60 crianças operadas de ET congênita e observou indicação de reoperação em 21 delas: nove por recidiva da esotropia, 10 por exotropia consecutiva e duas por apresentarem DVD descompensada. Nesse mesmo estudo o autor observou que a cirurgia até os 18 meses de vida permitia algum grau de visão binocular. Alguns autores acreditam que a estereopsia pode ser atingida com cirurgia precoce(12,13), contribuindo para um melhor alinhamento pós-operatório.
É importante ressaltar que a média da idade dos pacientes na primeira cirurgia em nosso estudo foi bem maior que outros centros, provavelmente porque os pacientes demoram a chegar ao nosso serviço, devido ao baixo poder econômico. Esse fato cria viés quanto ao aparecimento tardio de desvios associados à EC. Provavelmente devido a essa alta média, nossa taxa de reoperação seja baixa comparada a outros trabalhos.
A esotropia residual é o tipo de desvio pós-operatório mais comum nas reoperações de EC, alguns autores observaram até 40% de reincidência da ET(14).
Simonsz et al., e Prieto-Díaz observaram que a DVD representa achado importante na reintervenção tardia da EC. Porém em nosso estudo foi observado que a DVD não foi fator preponderante entre nossas taxas de reoperação.
Dentre os casos de EEANA, houve predominância de subcorreções, supercorreções e hipertropias tardias(10,15).
Características como presença de ambliopia, anisotropia em "A" ou "V" e cirurgia em 3 ou 4 músculos retos parecem ser fatores que contribuem para a necessidade de reoperação(5,16,17).
Acreditamos que o grande número de amblíopes reoperados (19,8%) reflita o achado primordial para a indicação de reintervenção cirúrgica no nosso estudo. Nas exotropias consecutivas, segundo outros autores, bem como nas subcorreções como observado no estudo de Simonsz et al., o principal fator causal parece ser a ambliopia(16-18).
A magnitude do ângulo inicial de desvio também foi fator que pode ter contribuído para o mau resultado em alguns casos de EEANA. Dos 31 pacientes reoperados, apenas sete tinham desvio menor ou igual a 30∆, sendo que14 tinham desvio maior que 50∆. Obtivemos resultado significante quando comparamos desvios maiores ou menores que 50∆ anteriores a primeira cirurgia.
As hipertropias também representaram importante motivo de reoperações (36%, p=0,001). O principal fator causal para o mau resultado nas hipertropias parece ser a intervenção sobre os músculos oblíquos, pois dos cinco casos em que a hipertropia isolada foi a causa de reoperação, apenas um paciente não tinha disfunção de músculos oblíquos.
Assim como nas EC, as subcorreções responderam pelo maior número de reintervenções. Acreditamos que esse fato se deva à tendência de nosso serviço de planejamentos cirúrgicos mais moderados, visando caso haja necessidade de reoperação, agir sobre as subcorreções.
Analisando os seis re-retrocessos de músculos retos mediais, observamos que cada milímetro correspondeu a correção de aproximadamente 3∆. Outros autores observaram em 12 pacientes que foram submetidos a re-retrocessos dos retos mediais, correção de aproximadamente 2,5∆ para cada milímetro de retrocesso(19).
CONCLUSÕES
A porcentagem de reoperações nos casos de EC e de EEANA foi de 9,9% e 10,2% respectivamente.
Houve predominância das subcorreções, e a presença de ambliopia foi a principal causa responsável pelos insucessos cirúrgicos.
Observou-se também que desvios de maior magnitude (maior que 50∆) representam fator de risco para reoperações nos casos de EEANA.
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Correspondence address:
Dr. Fábio Ejzenbaum
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Email: [email protected]
Submitted for publication: January 30, 2010
Accepted for publication: June 10, 2011
Study carried out at the Departamento de Oftalmologia, Santa Casa de Misericórdia de São Paulo.
Funding: No specific financial support was available for this study.
Disclosure of potential conflicts of interest: F. Ejzenbaum, None; A.C.M. Marques, None; J.F.R. Pinto, None; C.R.Souza-Dias, None; M.Goldchmit, None.
Editorial Note: After completing the confidential analysis of the manuscript, ABO discloses, with her agreement, the name Dr. Patricia Grativol Costa as a reviewer. We thank her effort and expertise in participating in this process.