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Editorial

Avaliação de tecido corneano processado por um Banco de Olhos de referência

Evaluation of corneal tissue processed by a reference Eye Bank

Reinaldo Ferreira da Silva1; Nathalie Urtiga de Vargas2; Guilherme Andrade Rocha3; Mayana Lopes Freitas4; Luciene Barbosa de Souza5; Natália Pimentel Moreno6; Analisa Raskin7; Luis Felipe Sampaio Queiroz da Silveira8

DOI: 10.1590/S0004-27492009000500015

RESUMO

OBJETIVO: Avaliar a qualidade das córneas processadas pelo Banco de Olhos de Sorocaba - SP e transplantadas fora do Hospital Oftalmológico de Sorocaba, bem como das córneas que tiveram reentrada no Banco de Olhos de Sorocaba durante o ano de 2007. MÉTODOS: Foram contatados os oftalmologistas que transplantaram córneas captadas pelo Banco de Olhos de Sorocaba fora do Hospital Oftalmológico de Sorocaba, bem como os que utilizaram córneas reentradas, a fim de colher as seguintes informações: período desde a captação da córnea até o transplante, transparência do tecido doador, tempo de transplante e falência primária. RESULTADOS: Trezentas e noventa e duas córneas tiveram saída do Banco de Olhos de Sorocaba ao longo do ano de 2007. Dessas, 6 retornaram ao Banco de Olhos de Sorocaba e foram transplantadas no Hospital Oftalmológico de Sorocaba, sendo que nenhuma foi rejeitada; todavia, 2 apresentaram alguma opacidade no eixo visual. Após tentativa de reunir informações a respeito das 386 córneas transplantadas fora do Hospital Oftalmológico de Sorocaba, obtiveram-se dados apenas de 48 transplantes. O tempo médio desde a captação até o transplante foi de 5,5 dias (1-13 dias), e o de seguimento médio pós-operatório, de 9,8 meses (4-15 meses). Três córneas desenvolveram falência primária, 3 evoluíram com opacidade no eixo visual, 1 apresentou ceratite infecciosa que necessitou de transplante tectônico; 1 paciente faleceu e 1 perdeu seguimento. As demais 39 córneas apresentavam-se transparentes. CONCLUSÃO: Por causa das dificuldades de reunir as informações dos pacientes transplantados em outros hospitais, torna-se difícil definir a qualidade das córneas liberadas pelo Banco de Olhos de Sorocaba. Assim, outras análises como as desse estudo são necessárias a fim de definir mudanças e rumos para estudos futuros sobre seleção e conservação das córneas doadas.

Descritores: Transplante de córnea; Doadores de tecidos; Preservação de órgãos; Bancos de olhos; Doenças da córnea; Hospitais especializados; Estudos retrospectivos

ABSTRACT

PURPOSE: To evaluate the quality of the corneas processed by Sorocaba Eye Bank (BOS) - SP and transplanted out of the Ophthalmology Hospital of Sorocaba (HOS), as well as the corneas that had re-entered in the BOS, being transplanted or not in the HOS, during the year of 2007. METHODS: Ophthalmologists that transplanted corneas processed by BOS outside of the Ophthalmology Hospital of Sorocaba were contacted, as well as those who had used re-entried corneas, to collect the following information: period from eye enucleation until transplant, transparency of the donated tissue, time of transplant and primary failure. RESULTS: During the year of 2007, Sorocaba Eye Bank distributed three hundred and ninety-two corneas for outside HOS. From these, six had returned to BOS and had been transplanted in the Ophthalmology Hospital of Sorocaba. From those, none was rejected; however, two presented some opacity in the visual axis. After attempt to congregate information regarding the 386 transplanted corneas outside HOS, data of only 48 keratoplasty were available. The average time from the enucleation until the keratoplasty was of 5.5 days (1-13 days), and of postoperative average follow-up, 9.8 months (4-15 months). Three corneas had developed primary failure; three presented opacity in the visual axis; one presented infectious keratitis, requiring therapeutic keratoplasty; a patient died and another one lost follow-up. The other 39 corneas did not present any problems until the time this study was ended. CONCLUSION: Because of the difficulties to congregate informations of the patients transplanted in other hospitals, it is difficult to define the quality of the distributed corneas by Sorocaba Eye Bank. Thus, other analysis are necessary in order to define changes and new directions for future studies on selection and preservation of donated corneas.

Keywords: Corneal transplantation; Tissue donors; Organ preservation; Eye banks; Corneal diseases; Hospitals, special; Retrospective studies


 

 

INTRODUÇÃO

O transplante de córnea é um dos procedimentos cirúrgicos mais importantes da oftalmologia pelo que representa na recuperação visual de um indivíduo na sociedade(1). Em nosso dia-a-dia o transplante de córnea tem indicações claras com finalidades tectônicas e/ou óptica(2). Todo paciente submetido a este tipo de cirurgia deve ter uma informação completa sobre o tipo de transplante ao qual será submetido, o cuidado pós-operatório e sinais de rejeição, visto que o diagnóstico precoce pode alterar o resultado final do transplante, evitando que o paciente tenha novamente uma limitação visual com suas consequências sociais e alteração da qualidade de vida do indivíduo.

Até a década de 70, as córneas utilizadas para transplante eram removidas de olhos enucleados de doadores vivos. Em 1974, houve uma revolução com o advento do meio M-K® (McCarey-Kaufman), que possibilitou a conservação do tecido doador por 3 ou 4 dias a 4°C. Atualmente, dispõe-se de meios de conservação como o Optisol GS®, que mantém o tecido viável por aproximadamente duas semanas a 4°C(3).

A córnea é um órgão privilegiado imunologicamente com menor risco de rejeição em comparação com outros órgãos(4) por isso o transplante desse órgão vem sendo praticado cada vez mais no Brasil(2,5). Além do privilégio imunológico, outros fatores como melhor organização dos Bancos de Olhos (que proporciona maior captação e preservação de córneas), melhor seleção do tecido doado e os avanços da farmacologia, das microcirurgias oculares permitem realização de transplantes em situações antes consideradas inoperáveis(2).

No Brasil, segundo a Associação Brasileira de Transplantes de Órgãos, em 2005 foram feitos mais de oito mil transplantes de córnea, ou seja, 44 transplantes por milhão de habitantes. Enquanto que nos Estados Unidos, segundo dados do Eye Bank Association of America (EBAA), são realizados 127 por milhão de habitantes; na Itália 90 por milhão; no Reino Unido, 39 por milhão; na Espanha, 61 por milhão e na Suécia, 68 por milhão(6).

O Banco de Olhos de Sorocaba (SP), fundado há dez anos, é uma referência nacional em transplantes de córnea. Tem como funções a captação, preservação, armazenamento e distribuição.

A captação é feita em até seis horas para corpos não refrigerados e em até 24 horas para os refrigerados. Em no máximo sessenta minutos realiza-se o processamento de tecido, que consta de sua avaliação biomicroscópica, preservação em meio específico e contagem de células endoteliais. As córneas estão disponíveis para agendamentos de cirurgias após três dias da captação, tempo esse necessário para a realização das sorologias exigidas pela legislação nacional.

As técnicas de avaliação e classificação de córneas doadoras através de microscopia especular e biomicroscopia seguem as normas do EBAA (Eye bank Associaton of America)(7).

Continuamente se faz um trabalho de incentivo à doação de órgãos. Esse é feito por meio de conscientização da população por meio de campanhas, palestras em comunidades, divulgação por meio de panfletos, banners, camisetas, vídeos, outdoors e internet. Outra forma utilizada é o cartão do doador, sempre que as pessoas sentem vontade de serem possíveis doadores, essas são cadastradas junto ao Banco de Olhos de Sorocaba e recebem um cartão-doador conforme figura 1. Esse é considerado um símbolo de manifestação do desejo de doação(8).

 

 

São captadas mensalmente 328 córneas. Parte dessas é transplantada em outros hospitais do estado de São Paulo e cerca de 1.670 transplantes são realizados mensalmente no Hospital Oftalmológico de Sorocaba, entidade mantida pelo Banco de Olhos. A fila de espera em São Paulo é hoje de cerca de 30 dias.

O BOS-Banco de Olhos de Sorocaba, entidade filantrópica, fundado em 1979, se tornou o principal captador de córneas do país. O gráfico 1 mostra o número de captações e o de córneas viáveis dos anos 2006, 2007 e 2008.

 

 

O objetivo desse estudo é avaliar a qualidade das córneas captadas pelo Banco de Olhos de Sorocaba (BOS)-SP e transplantadas fora do Hospital Oftalmológico de Sorocaba (HOS), bem como das córneas que tiveram reentrada no BOS, sendo transplantadas ou não no HOS, durante o ano de 2007.

 

MÉTODOS

Foram contatados os oftalmologistas que transplantaram córneas captadas pelo BOS fora do Hospital Oftalmológico de Sorocaba, bem como os que utilizaram córneas reentradas, a fim de colher as seguintes informações: período desde a captação da córnea até o transplante, transparência do tecido doador, tempo de transplante e falência primária.

Todos os cirurgiões que transplantam córneas captadas pelo BOS possuem um cadastro, usado para entrar em contato com os mesmos. Comunicou-se com os cirurgiões por telefone e, principalmente, por meio de mensagens eletrônicas (e-mail). Estes ao serem abordados, foram informados do estudo a ser realizado e receberam um questionário (Anexo 1) a respeito dos aspectos a serem levantados e avaliados sobre as córneas transplantadas.

 

RESULTADOS

Ao longo do ano de 2007, 3.931 córneas foram captadas, 2.910 eram viáveis, sendo 1.612 foram transplantadas no Hospital Oftalmológico de Sorocaba, 392 córneas tiveram saída do Banco de Olhos de Sorocaba. Dessas, 6 retornaram ao BOS e foram transplantadas no HOS, sendo que nenhuma foi rejeitada; todavia, 2 apresentaram alguma opacidade no eixo visual como descrito na tabela 1.

 

 

Após tentativa de reunir informações a respeito das 386 córneas transplantadas fora do HOS, obtiveram-se dados apenas de 48 transplantes. O tempo médio desde a captação até o transplante foi de 5,5 dias (1-13 dias), e o de seguimento médio pós-operatório, de 9,8 meses (4-15 meses). Três (6,25%) córneas desenvolveram falência primária, 3 (6,25%) evoluíram com opacidade no eixo visual, 1 (2,08%) apresentou ceratite infecciosa que necessitou de transplante tectônico, 1 (2,08%) paciente faleceu e 1 perdeu seguimento. As demais 39 (81,25%) córneas não apresentaram nenhuma intercorrência até o final do estudo (Tabela 2).

 

 

DISCUSSÃO

Poucos estudos dessa natureza são encontrados na revisão bibliográfica. Acredita-se que a principal razão disso seja a dificuldade em se obter as informações a respeito das córneas transplantadas.

No presente estudo, das 392 córneas liberadas pelo BOS para serem transplantadas fora do Hospital Oftalmológico de Sorocaba ao longo do ano de 2007, somente de 48 (12,2%) pôde-se saber a transparência final. Dessas 48, 39 permanecem transparentes após o período médio de 9,8 meses.

A aparente dificuldade encontrada pelos autores deve conduzir a questionamentos, busca de medidas de adequação e aplicação de estratégias que proporcionem melhorias neste aspecto do processo. Esses dados levam à possibilidade de uma abordagem crítica da dificuldade na obtenção de informações, destacando-se a relevância desses dados no entendimento e adequação dos programas de captação, conservação, distribuição e transplante de córneas. Através da atualização constante da qualidade das córneas transplantadas saber-se-á a viabilidade dessas a longo prazo como demonstrado no estudo recorde realizado por alguns autores em 2008. Os mesmos publicaram sobre a sobrevivência e resultados visuais de mais de 1.8000 transplantes penetrantes, desses mais de 1.4000 com seguimento por 22 anos(9) e puderam concluir que os resultados dos transplantes em curto prazo são excelentes, porém há inúmeros fatores ainda desconhecidos que influenciam significativamente nos resultados em longo prazo.

A fim de mudar esse quadro, estudam-se medidas como:

• para que o cirurgião possa continuar adquirindo córneas do Banco de olhos, o mesmo deverá atualizar os dados de seguimento dos pacientes transplantados.

• disponibilizar um canal direto entre o paciente e o banco de olhos para avaliar a satisfação após a cirurgia.

 

CONCLUSÃO

Devido às dificuldades de reunir as informações dos pacientes transplantados em outros hospitais, torna-se difícil definir a qualidade das córneas liberadas pelo Banco de Olhos de Sorocaba. Logo é necessária a notificação e atualização constante a respeito da qualidade das córneas transplantadas ao Banco de Olhos, podendo essas informações serem adquiridas com os cirurgiões ou, mesmo que de maneira subjetiva, com os próprios pacientes.

Assim, outras análises como as desse estudo são necessárias a fim de definir mudanças e rumos para estudos futuros sobre seleção e conservação das córneas doadas.

 

REFERÊNCIAS

1. Calix Netto MJ, Giustina ED, Ramos GZ, Peccini RF, Sobrinho M, Souza LB. Principais indicações de transplante penetrante de córnea em um serviço de referência no interior de São Paulo (Sorocaba - SP, Brasil). Arq Bras Oftalmol. 2006;69(5):661-4.         

2. Sano FT, Dantas PEC, Silvino, WR, Sanchez JZ, Sano RY, Adams F, et al. Tendência de mudança nas indicações de transplante penetrante de córnea. Arq Bras Oftalmol. 2008;71(3):400-4.         

3. Jeng BH. Preserving the cornea: corneal storage media. Curr Opin Ophthalmol. 2006;17:332-7.         

4. Yalniz-Akkaya Z, Burcu Nurozler A, Yildiz EH, Onat M, Budak K, Duman S. Repeat penetrating Keratoplasty: indications and Prognosis, 1995-2005. Eur J Ophthalmol. 2009;19(3);362-8.         

5. Cattani S, Kwitko S, Kroeff MAH, Marinho D, Rymer S, Bocaccio FL. Indicações de transplante de córnea no Hospital de Clínicas de Porto Alegre. Arq Bras Oftalmol. 2002;65(1):95-8.         

6. Fasolo A, Frigo AC, Bohm E, Genisi C, Rama P, Spadea L, Mastropirro B, Fornea M, Ponzin D, Grigoletto F; CORTES Group. The CORTES study: corneal transplant indications and graft survival em na italian cohort of patients. Cornea. 2006;25(5):507-15.         

7. Farias RJ, Kubokawa KM, Schirmer M, Sousa LB. Avaliação de córneas doadoras em lâmpada de fenda e microscopia especular durante período de armazenamento. Arq Bras Oftalmol. 2007;70(1):79-83.         

8. Hospital Oftalmológico de Sorocaba. Banco de Olhos de Sorocaba. Instituição [Internet]. Sorocaba; Hospital Oftalmológico de Sorocaba. [citado 2007 Jul 18]. Disponível em:http://www.bos.org.br/bos_novo/bos/instituicao.php        

9. Williams KA, Lowe M, Bartlett C, Kelly T, Coster DJ; All contributors. Risk factors for human corneal graft failure within the Australian corneal graft registry. Transplantation. 2008;86(12):1720-24.         

 

 

Endereço para correspondência
Reinaldo Ferreira da Silva
Rua Nabeck Shiroma, 210
Sorocaba (SP) - CEP 18031-060
E-mail: [email protected]

Recebido para publicação em 23.09.2008
Última versão recebida em 19.08.2009
Aprovação em 15.09.2009

 

 

Trabalho realizado no Hospital Oftalmológico de Sorocaba - Sorocaba (SP) - Brasil.
Nota Editorial: Depois de concluída a análise do artigo sob sigilo editorial e com a anuência da Dra. Mônica de C. Alves Paula sobre a divulgação de seu nome como revisora, agradecemos sua participação neste processo.

 

 


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