Hélio Amante Miot1; Daniel Rosito Pivotto2; Edson Nassib Jorge3; Gláucia Maria Ferreira da Silva Mazeto4
DOI: 10.1590/S0004-27492008000500013
RESUMO
OBJETIVO: Avaliar a precisão e reprodutibilidade de medidas oculares utilizando fotografia digital, além do emprego do diâmetro da íris dos pacientes como unidade de referência para essas estimativas. MÉTODOS: Fotografaram-se com câmera digital, de forma padronizada, 24 olhos em duas diferentes distâncias, e as imagens foram analisadas pelo software ImageJ 1.37v® e pela medida com paquímetro, por dois pesquisadores. Foram avaliados (em mm e em unidades de diâmetro de íris) diversos parâmetros oculares externos, com posterior comparação entre as unidades de referência, definindo-se precisão, concordância e correlação das medidas. RESULTADOS: Os parâmetros oculométricos estimados pela medida com paquímetro e pela análise de fotografia digital apresentaram significativas concordância e correlação, sendo maior a precisão das estimativas da análise digital. A conversão das medidas em unidades de diâmetro de íris apresentou alta correlação com as medidas em milímetros e alta concordância quando fotografadas a diferentes distâncias. CONCLUSÕES: A fotografia digital permitiu estimar com precisão e reprodutibilidade medidas oculares, confirmando sua utilidade na pesquisa clínica. O uso do diâmetro de íris como unidade de referência individual mostrou alta reprodutibilidade na avaliação de parâmetros métricos oculares em fotografias realizadas com diferentes distâncias.
Descritores: Olho; Fotografia; Biometria; Íris; Medidas; Processamento de imagem assistida por computador; Pálpebras
ABSTRACT
PURPOSE: To evaluate reproducibility and precision of ocular measurements by digital photograph analysis, in addition to the transformation of the measures according to the individual iris diameter as an oculometric reference. METHODS: Twenty-four eyes have been digitally photographed in a standardized way at two distances. Two researchers have analyzed these printed images using a caliper and these digital forms by ImageJ 1.37™. Several external ocular parameters were estimated (mm and as iris diameter) and methods of measurement compared regarding their precision, agreement and correlation. RESULTS: Caliper and digital analysis of oculometric measures provided significant agreement and correlation, nevertheless the precision of digital measures was higher. The estimates of numeric transformation from oculometric measures according to individual iris diameter resulted in great correlation to caliper measures and high agreement when compared to different distances of taking the photographs. CONCLUSIONS: Facial digital photographs allowed oculometric precise and reproducible estimates, endorsing clinical research usefulness. Using iris diameter as individual oculometric reference disclosed high reproducibility when facial photographs were taken at different distances.
Keywords: Eye; Photography; Biometry; Iris; Measures; Image processing, computer-assisted; Eyelids
INTRODUÇÃO
Existem diversas situações clínicas ou investigativas onde a mensuração precisa de parâmetros oculares é essencial. Recentemente, técnicas de fotografia e processamento digital de imagem vêm contribuindo para a análise dessas medidas(1-5).
Estas estimativas não invasivas vêm sendo utilizadas nas mais diferentes doenças oculares, sendo seu uso particularmente freqüente na avaliação da oftalmopatia de Graves (OG)(1,6-7).
A fotografia digital é uma modalidade de imagem bidimensional em que os diferentes pontos luminosos são representados por uma matriz de pixels, de intensidade e localização determinados, permitindo a mensuração precisa de parâmetros como distâncias, áreas, morfologias, intensidades de cor e textura, empregando softwares editores de imagem. Sua aplicação como instrumento de medida vem sendo observada em vários campos do conhecimento(8-11).
Quando as fotografias digitais são obtidas na presença de uma régua milimetrada, a avaliação dos parâmetros de interesse torna-se mais objetiva, permitindo que sejam realizadas mensurações que podem ser transpostas diretamente para o sistema métrico(12).
Por outro lado, muitos fatores externos podem influenciar a análise dessas imagens. Elementos como a falta de padronização, o tipo de régua empregada, iluminação, distância da câmara, angulação da cabeça e diferenças nas proporções corpóreas dos pacientes podem contribuir para que os resultados sejam super, ou subestimados(13). Além disso, a mensuração torna-se mais difícil quando as fotografias fazem parte de material de arquivo, não tendo sido capturadas de forma padronizada ou na presença de referência métrica.
Em material fotográfico da face, proveniente de arquivos médicos, a falta de padronização da captura das imagens é um elemento que desfavorece seu uso na comparação de parâmetros oculométricos. A digitalização dessas fotografias abre a possibilidade da estimativa de medidas semi-quantitativas ou relativas a outras estruturas da face.
Dessa forma, o presente estudo objetivou avaliar a precisão e reprodutibilidade de algumas medidas oculares utilizando a fotografia digital da face, além de avaliar o emprego do diâmetro da íris (DI) dos pacientes como unidade de referência individual para essas mensurações.
MÉTODOS
Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Medicina de Botucatu (FMB) - Unesp.
Foram avaliadas as fotografias faciais de 12 pacientes (24 olhos analisados) do Hospital das Clínicas da FMB-Unesp, sem doença auto-imune da tireóide ou outra patologia óculo-palpebral e que concordaram em participar do estudo.
Os pacientes foram fotografados, pelo mesmo fotógrafo, em posição de olhar primário fixo, com régua milimétrica posicionada vertical e lateralmente à órbita (Figura 1), utilizando máquina fotográfica digital (Sony Cybershot DSC P32) empregando resolução de 1632x1224 pixels (2,0 Megapixels), profundidade de cor de 24 bits, 72 dpi, ISO 100. A captura das fotografias foi inicialmente feita a uma distância de 60 cm, com presença de iluminação artificial. Foram realizadas também mais duas fotografias, captadas com distâncias diferentes: cerca de 30 cm e 1 m.
As imagens captadas foram posteriormente transferidas para um microcomputador equipado com software para edição e mensuração (ImageJ 1.37v®) e impressas em papel branco(14).
As medidas (em mm) do maior diâmetro horizontal da íris (DI) dos 24 olhos foram estimadas por dois avaliadores empregando dois métodos de mensuração: com paquímetro a partir da fotografia impressa e a partir do número de pixels avaliados pela análise de imagem digital no computador.
Foram ainda realizadas mensurações diretas (em mm), com paquímetro, das fotografias impressas, e por meio de análise digital (em pixels), dos seguintes parâmetros (Quadro 1): a altura da abertura ocular no centro da íris ou abertura médio-pupilar (AMP), a altura da abertura ocular tangenciando a íris no lado externo ou abertura lateral (ABL), a altura da abertura ocular tangenciando a íris no lado interno ou abertura medial (ABM), a largura horizontal da fenda ocular (LFO) e a distância entre o ângulo externo da pálpebra e a intersecção da ABL e a pálpebra superior (HIPOT).
As medidas em pixels dos parâmetros oculométricos das fotografias digitais, foram divididos pelo valor (em pixels) do diâmetro horizontal da íris de cada olho, gerando uma referência individual, medida em unidades de DI.
As imagens digitalizadas foram então analisadas, estabelecendo-se o DI de cada paciente como unidade de referência para as mensurações oculares nele realizadas. Assim, foram mensuradas, em unidades DI: a AMP, a ABL, a ABM, a LFO, e a HIPOT.
Para se avaliar a correlação do uso do DI como unidade de referência para a mensuração de parâmetros oculares, foram comparadas as medidas oculométricas obtidas em mm e em DI, por meio da análise da imagem digital.
Para avaliação da reprodutibilidade e precisão das medidas, em DI, em fotografias frontais de diferentes distâncias, as imagens captadas foram comparadas com relação às variáveis AMP, ABL, ABM e LFO.
Análise estatística
O tamanho amostral foi calculado a partir da amostra piloto com 24 olhos, considerando um poder de 0,8 e nível alfa de 0,05. Os dados foram tabulados em planilha do Microsoft Excel 2003® e, para a análise estatística, foi empregado o software Bioestat 3.0(15).
A normalidade das distribuições das variáveis foi estimada pelo teste de Shapiro-Wilk. As medidas de tendência central foram expressas como médias e medianas. As medidas de dispersão empregadas foram o desvio-padrão, o desvio interquartílico (DIQ) e intervalos de confiança de 95%. As medidas de precisão utilizadas foram o coeficiente percentual de variação e o intervalo de confiança de 95% em torno da média.
A concordância das medidas foi estimada pelo método de Bland-Altman e a correlação de seus valores, pelo teste de correlação linear de Pearson. Foram adotados como significativos valores bicaudais de p<0,05(16).
RESULTADOS
Os dados epidemiológicos dos pacientes estão dispostos na tabela 1.
Os resultados das medidas do DI dos 24 olhos, estimadas pelos métodos de mensuração com paquímetro e a partir da análise de imagem digital, podem ser observados na figura 2, não se demonstrando diferença estatisticamente significativa entre os avaliadores dentro do mesmo método (p>0,1).
Sistematicamente, o primeiro avaliador estimou medidas maiores que o segundo avaliador, com uma diferença média de 0,24 mm, tanto na análise digital, quanto na medida por paquímetro (p<0,05). As estimativas de ambos os avaliadores apresentaram alta correlação entre seus valores (R>0,8 e p<0,01). Entretanto, demonstrou-se maior reprodutibilidade, correlação e precisão (Figura 2) das medidas estimadas pelo sistema digital que pelo paquímetro.
Os demais parâmetros oculométricos também foram estimados, em mm, pelos dois métodos, e a variabilidade das medidas e correlação entre si, estão dispostas na tabela 2, observando-se alta correlação e concordância entre os métodos.
As estimativas dos parâmetros oculométricos, em mm e em DI, avaliados pela fotografia digital, foram comparadas entre si, demonstrando alta correlação (Tabela 3).
A análise comparativa da estimativa das variáveis oculométricas, estimadas em DI, em fotografias capturadas em diferentes distâncias, evidenciou a alta concordância entre as medidas (Tabela 4), destacando-se a maior precisão das medidas capturadas a uma menor distância.
DISCUSSÃO
A popularização da fotografia digital atinge também a prática médica, favorecendo a documentação repetida de casos, com suas evoluções terapêuticas, e seu uso em pesquisa científica(10).
A distância entre os pixels que formam a imagem digital pode ser facilmente estimada a partir de editores de imagem. Esse procedimento conhecido como medida de primeira ordem linear é largamente utilizado na pesquisa e na prática clínica como, por exemplo, nas imagens radiológicas(17).
No presente estudo, demonstrou-se que a avaliação fotográfica digital pode estimar parâmetros oculométricos com alta reprodutibilidade e correlação com as medidas estimadas pelo paquímetro, corroborando o emprego da fotografia digital na estimativa não invasiva dessas variáveis, como opção de custo reduzido e alta disponibilidade na prática clínica. De fato, as medidas oculares digitais têm se mostrado confiáveis e comparáveis, em precisão, às realizadas manualmente em outros estudos(4-5,12).
Destaque-se ainda o baixo custo da fotografia digital, facilidade de armazenamento, possibilidade de reprodução e envio sem perda da qualidade, e a análise direta, sem a necessidade de impressão das fotografias(4,10,12).
Apesar da objetividade das medidas registradas pela fotografia digital, e a alta reprodutibilidade observada entre os avaliadores, conforme já relatado(4,12), uma atitude que reduz a variabilidade das leituras, aumentando a precisão das medidas, é o emprego do mesmo avaliador, preferivelmente, no mesmo momento de análise para todo o grupo amostral.
No presente estudo, a estimativa pela análise digital apresentou melhor correlação entre os avaliadores e maior reprodutibilidade que a medida direta pelo paquímetro. Esses resultados podem ser aprimorados quanto maior o rigor da padronização da captura, maior resolução das imagens e maior aproximação das fotografias.
A redução da variabilidade das medidas aumenta sua precisão e reduz os tamanhos de amostras necessárias para estudos científicos, justificando o uso da tecnologia de imagem digital na pesquisa médica.
Estudos posteriores que comparem os desempenhos das medidas oculométricas a partir de fotografias digitais em imagens padronizadas da face devem estimar os parâmetros ideais de resolução, iluminação e distância das capturas.
A alta reprodutibilidade das estimativas oculométricas estimadas pela análise de fotografias digitais da face cuidadosamente padronizadas favorece seu uso em estudos clínicos comparativos. Por outro lado, desde que a fotografia digital cause uma significativa planificação de estruturas projetadas tridimensionalmente na face, faz-se necessário um ajuste trigonométrico para estimar as medidas oculares reais.
Foi observada alta correlação entre as estimativas das variáveis oculométricas estimadas pela análise digital medidas em mm e quando convertidas para DI, sugerindo a possibilidade do uso deste como unidade de referência em medidas oculométricas em fotografias da face, quando aquelas, padronizadas e convertidas em mm, não forem possíveis.
Empregando o DI como elemento referencial, pôde-se estimar com alta reprodutibilidade, variáveis oculométricas de fotografias capturadas em diferentes distâncias. Este achado sugere a unidade como um recurso para avaliar semi-quantitativamente parâmetros oculares em fotografias de arquivo, que, mesmo não padronizadas, atendam a mínimas condições de enquadramento, uma vez que os DI individuais não variam significativamente na idade adulta, porém, apresentam variação entre os indivíduos, desabonando o uso de um DI médio.
A estimativa clínica semi-quantitativa da evolução de ptose, oftalmopatia de Graves, abertura ocular pós-blefaroplastia ou toxina botulínica, são exemplos de avaliações plausíveis a partir de fotografias faciais(1,5,18).
Constatou-se ainda grande variabilidade individual entre as medidas oculares de pacientes saudáveis, e, certa variabilidade dos parâmetros entre os dois olhos do mesmo indivíduo. Variações inter e intra-individuais têm sido relatadas(4). O emprego da referência em DI permite uma uniformização das suas estimativas individuais. Não foram encontrados relatos na literatura sobre o uso desta unidade de referência na realização de medidas oculares.
O uso de filmagem digital ou repetidas fotografias pode permitir a escolha da abertura ocular mais adequada para as medidas, empregando a mesma técnica de medida(19).
Novos estudos comparativos devem ser conduzidos para determinar a aplicabilidade do emprego da fotografia digital e da estimativa das medidas oculométricas semi-quantitativas, empregando como unidade de referência o diâmetro de íris.
CONCLUSÕES
A fotografia digital da face permitiu estimar com precisão e reprodutibilidade medidas oculares externas, confirmando seu uso na pesquisa clínica.
A conversão das medidas oculares de acordo com os DI individuais revelou-se método reprodutível para avaliação de parâmetros oculométricos em fotografias de diferentes distâncias de captura.
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Endereço para correspondência:
Departamento de Dermatologia e Radioterapia da Faculdade de Medicina de Botucatu da Universidade Estadual Paulista "Julio de Mesquita Filho"
UNESP. Campus Universitário de Rubião Jr
Botucatu (SP) CEP 18618-000
E-mail: [email protected]
Recebido para publicação em 22.11.2007
Última versão recebida em 16.04.2008
Aprovação em 06.05.2008
Trabalho realizado na Faculdade de Medicina de Botucatu - UNESP - Botucatu (SP) - Brasil.
O trabalho foi conduzido sem financiamentos externos.