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Editorial

Informação, conhecimento, sabedoria e o exercício da Medicina

Harley E. A. Bicas

DOI: 10.1590/S0004-27492001000100001

EDITORIAL

Informação, conhecimento, sabedoria e o exercício da Medicina

 

Harley E. A. Bicas

 

 

A informação é um dos elementos mais importantes na base de uma civilização orientando, praticamente, toda a atividade humana. Um antigo adágio popular já propalava que "quem tem boca vai a Roma", para significar a necessidade de inquirir por informação (e, pressupostamente, de recebê-la adequada). Mas tem sido nos tempos mais recentes que se exacerbou a noção de que "informação é tudo", alimentada por uma enorme facilitação de suas trocas. Já vivemos, aliás, em plena revolução de atitudes e costumes, a "midiática" (dos meios de comunicação), atulhados com um já farto, mas ainda crescente, número de publicações impressas (jornais, revistas, livros), submetidos à influência da anulação instantânea de distâncias (rádio, telefonia, televisão) e, agora, interligados pela rede mundial de computadores, tornando vertiginosa a capacidade de trocas de experiências.

Mas a propagação de uma novidade não a torna, logo, compreensível; conflitos com outras mais emergem e desequilibram conceitos. Sobretudo, além de nem toda informação possuir a garantia de boa qualidade, haverá ¾ mesmo entre aquelas que poderiam ser consideradas convenientes ¾ o perigo de saturação de quem as recebe. A própria incapacidade de absorção de tudo que nos chega é ansiogênica, neurotizante. Enfim, já se sabe que o excesso de informação é nocivo, confunde. Pois, na verdade, só depois de filtrada e assumida a informação chega a se tornar conhecimento.

"Vários caminhos levam a Roma", um outro adágio, agora para sustentar a possibilidade de soluções alternativas, para confirmar que informações diferentes podem ser verdadeiras, para consolar em eventuais desacertos e acenar com a esperança de correção de rumos. O conhecimento é a informação em que se confia; é a faculdade de poder aplicá-la. Assim, por exemplo, quando os Arquivos Brasileiros de Oftalmologia transmitem informações, embora o universo dos que as recebem possa ser muito amplo, observar-se-á restrita a quantidade dos que chegariam a transformá-las em conhecimentos e usá-las. Enfim, é fácil concluir que o "know how", a instrução assimilada e elaborada, tem primazia sobre a informação, matéria prima.

Contudo, ainda mais importante do que chegar a Roma é, certamente, saber a razão de para lá ir. Entra aí a sabedoria, o discernimento, não apenas do significado do conhecimento, mas de seu uso e a consciência de sua limitação. Atribui-se ao sábio dizer "sei que não sei", pois tanto quanto um se aprofunda no conhecimento das coisas, mais humilde se torna diante da extensão de sua ignorância, cuja amplitude se manifesta no próprio processo de tentar extinguí-la. Ou, por outro lado, cada dúvida solucionada, cada conhecimento consolidado, traz mais de um novo problema a ser resolvido, como se a ciência fosse condenada a um trabalho de Sísifo, um eterno recomeçar. Aliás, não só na tradição religiosa judaico-cristã, mas também em outras, a natureza da sabedoria encontra interpretações transcendentes, sendo ela identificada a emanações do próprio Deus, o criador de todas as coisas.

Vou me referir a um colega, certamente suscitando lembranças de experiências semelhantes vividas por outras pessoas, para ilustrar a inutilidade de conhecimentos e habilidades quando destituidas da compreensão (ainda que humana) de para que elas servem. Era ele muito bem informado sobre técnicas e procedimentos, profundo conhecedor de diagnósticos e tratamentos, mas arrogante no trato, distante e zombeteiro das queixas dos que o procuravam, prepotente em suas condutas; e por isso considerado um péssimo médico por seus pacientes que, aos poucos, o abandonaram. Quem, também, não conhece o caso oposto? O de um profissional que, suprindo deficiências de estudo com atenções e carinho, reconhecendo e confessando suas limitações, mas procurando compreender o sofrimento e suas necessidades, torna-se respeitado e benquisto.

Obviamente, o exercício da Medicina não dispensa a obrigatoriedade de que quem o pratique tenha informações sempre atualizadas; e cujos conhecimentos sejam tão altos e melhores quanto a própria Medicina, com suas inseguranças e incertezas, permita. Informações e conhecimentos podem ser obtidos de livros e em aulas; pelos estudos e pela experiência. Mas isso não basta. Os tão sonhados resultados da Medicina baseada em evidências e a torrente de informações da era da informática são necessários, sim, mas insuficientes. Porque muito acima da competência, o exercício da Medicina requer compreensão e ternura, compaixão (sofrimento solidário) e consolo, conforto e alívio.

Então, pode-se até não conseguir tratar a doença (pelas limitações da própria Medicina), mas, sempre e pelo menos, um médico deve saber tratar o doente.


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