Adriana Maria Drummond Brandão1; Márcia Beatriz Tartarella2
DOI: 10.1590/S0004-27492008000200019
RESUMO
OBJETIVO: Analisar os resultados visuais de uma série de crianças operadas de catarata unilateral. MÉTODOS: Um estudo retrospectivo foi realizado através da análise de 35 prontuários médicos do Serviço de Catarata Congênita da UNIFESP/EPM. RESULTADOS: Quanto à etiologia, a primeira causa de catarata foi idiopática, a segunda causa foi o trauma e a terceira foi a rubéola congênita. Em 51,4% dos olhos tinham acuidade visual pré-operatória de ausência de fixação. E em 42,8% dos casos operados a acuidade visual final foi igual ou melhor que 20/200. DISCUSSÃO: Embora a cirurgia em catarata unilateral seja motivo de controvérsias entre os oftalmologistas, obteve-se melhora de acuidade visual em número significativo de casos.
Descritores: Catarata; Extração de catarata; Acuidade visual; Testes visuais; Prognóstico; Resultado de tratamento; Criança; Pré-escolar
ABSTRACT
PURPOSE: To analyze the results in a series of children submitted to unilateral cataract surgery. METHODS: A retrospective study was conducted through the analysis of 35 patient files from the Congenital Cataract Service of UNIFESP/EPM. RESULTS: The main cause of unilateral cataract was idiopathic, the second cause was ocular trauma and the third cause was congenital rubella. Initial visual acuity was very poor in 51.4% of the cases (did not fix or follow), and the best corrected final visual acuity was better than 20/200 in 42.8% of the eyes. DISCUSSION: Although controversial, the surgical treatment of unilateral cataract, in this study, showed improvement in many cases.
Keywords: Cataract; Cataract extraction; Visual acuity; Vision tests; Prognosis; Treatment outcome; Child; Child, preschool
INTRODUÇÃO
A cegueira causada por catarata congênita e infantil apresenta-se como um enorme problema em países em desenvolvimento(1). A catarata congênita é uma das causas mais comuns de cegueira evitável na infância(2).
Programas de vacinação contra a rubéola e o diagnóstico e tratamento precoce podem diminuir a incidência de cegueira por catarata na infância(3).
O tratamento da catarata na infância representa um desafio para os oftalmologistas, porque as dificuldades na cirurgia e a propensão de desenvolver inflamação no período pós-operatório, aumentam em olhos de crianças. Estas dificuldades somam-se com a instalação da ambliopia e contribuem para dificultar a obtenção de um bom resultado visual(1).
Em 1963, após alguns estudos(4) ficou determinado que existe um período desde o nascimento, para o desenvolvimento do reflexo de fixação que termina entre o 2º e o 4º mês de vida e que a privação visual neste intervalo, leva à atrofia do corpo geniculado lateral e conseqüentemente à ambliopia irreversível(5).
O mecanismo da instalação da ambliopia na catarata unilateral é múltiplo, pois pode associar à privação visual pela catarata, à anisometropia e ao estrabismo. Estes três fatores indutores de ambliopia quando associados, acarretam uma perda visual mais grave, que exige tratamento e reabilitação precoce.
O nistagmo ou a perda do reflexo de fixação que se desenvolve como resultado da catarata congênita, pode diminuir após a remoção cirúrgica da catarata e do tratamento pós-operatório da ambliopia(2).
Os resultados visuais do tratamento da catarata congênita bilateral apresentam um prognóstico melhor em relação à catarata unilateral: em uma série de 17 crianças operadas de catarata congênita unilateral, a melhor acuidade obtida foi 20/400, mesmo nos casos em que a cirurgia de catarata congênita unilateral foi realizada precocemente, antes dos três meses de idade(6).
O objetivo deste trabalho, foi avaliar os resultados visuais do tratamento da catarata infantil unilateral.
MÉTODOS
Foram analisados os prontuários das crianças atendidas no Serviço de Catarata Congênita da UNIFESP/EPM, no período de fevereiro de 1990 a junho de 2002.
Foram incluídas neste estudo 35 crianças operadas de catarata unilateral, no Hospital São Paulo com as seguintes técnicas cirúrgicas: lensectomia, facectomia (FEC), facectomia com implante de LIO (FEC + LIO) e facoemulsificação com implante de LIO (FACO + LIO).
Excluíram-se crianças que não tiveram acompanhamento pós-operatório de no mínimo 1 mês.
A acuidade visual estabelecida como pré-operatória foi aquela obtida na primeira consulta e como acuidade final, a acuidade visual obtida na última consulta, com a melhor correção óptica de cada paciente.
A acuidade visual foi avaliada em crianças pré-verbais, pelos seguintes métodos: fixação e seguimento de foco luminoso e objetos, teste de acuidade de resolução de grades com cartões de Teller e potencial visual evocado de varredura. Estes últimos tiveram seus níveis de acuidade transformados para a medida fracionada (exemplo: 20/200). Nas crianças verbais foram realizados testes de reconhecimento com figuras e a tabela E de Snellen ou com letras.
Em todos os casos a correção óptica da afacia foi realizada por meio da prescrição de óculos, lente de contato ou lente intra-ocular; ou a combinação dos mesmos.
Foi prescrito tratamento oclusivo do olho contralateral para todos pacientes, com duração de metade do seu dia ativo (meio período).
Considerou-se catarata congênita, os casos examinados no ambulatório em crianças menores de 3 meses, e os casos em que a história relatava sinais como leucocoria, estrabismo ou nistagmo presentes antes dos 6 meses de idade. As cataratas adquiridas foram consideradas como o grupo de crianças que apresentavam catarata secundária ao trauma ou outras afecções oculares.
RESULTADOS
Trinta e cinco crianças foram operadas de catarata unilateral, sendo 24 cataratas congênitas (68,6%), e 11 adquiridas (31,4%).
A idade na cirurgia variou de 3 meses até 13 anos, média: 6 anos e 6 meses.
O intervalo de seguimento entre a cirurgia e a última acuidade visual obtida no prontuário, variou de no mínimo 1 mês até 6 anos (média= 36 meses).
Em relação ao sexo: 19 crianças eram do sexo feminino (54,3%) e 16 eram do masculino (45,7%), sem diferença estatística significante.
Em relação ao olho operado: 21, olho direito (60%) e 14, olho esquerdo (40%).
Trinta crianças apresentavam alteração da motilidade ocular (85,7%) e 5 apresentavam motilidade ocular normal (14,3%). Exotropia em 17 crianças e endotropia em 13 crianças. Nistagmo estava presente em 3 crianças.
Pela história clínica, a idade de aparecimento da catarata variou de 1 semana de vida até 9 anos de idade.
O intervalo entre a idade de aparecimento da catarata e a primeira consulta no ambulatório especializado variou de 1 mês até 12 anos.
As causas de catarata congênita foram: idiopáticas,15 (62,5%); rubéola, 3 (12,5%); uso de medicamentos na gestação, 2 (8,3%); familiar, 2 (8,3%); vítreo primário persistente hiperplásico, 1 (4,2%); síndrome genética, 1 (4,2%).
As causas de catarata adquirida foram: trauma, 7 (63,6%); pós-tratamento para retinoblastoma, 2 (18,2%); pós-cirurgia antiglaucomatosa, 1 (9,1%) e pós-uveíte, 1 (9,1%).
Quanto à morfologia, em 20 casos (57,2%) a catarata era total, em 6 (17,1%) lamelar, em 3 (8,6%) polar posterior, em 2 (5,7%) nuclear, em 1 (2,85%) polar anterior, em 1 (2,85%) piramidal, em 1 (2,85%) zonular e em 1 (2,85%) capsular posterior .
As técnicas das cirurgias realizadas foram: facoemulsificação com implante de LIO em 15 casos (42,9%), facectomia com implante de LIO em 11 casos (31,4%), lensectomia em 6 (17,1%) e facectomia em 3 (8,6%).
Na tabela 1 está apresentada a acuidade visual pré-operatória e a acuidade visual final, com a melhor correção óptica.
Para melhor análise, os resultados da acuidade visual foram divididos em grupos. A tabela 2 mostra os resultados visuais finais, nas cataratas congênitas e a tabela 3, nas cataratas adquiridas. Na tabela 4 estão apresentados os resultados das acuidades visuais, do grupo de crianças com catarata congênita divididos conforme a faixa etária na ocasião da cirurgia, crianças operadas até 1 ano de idade e crianças maiores de 1 ano.
DISCUSSÃO
Alguns autores observaram um grande número de casos de catarata infantil por doenças infecciosas na gestação, destacando a rubéola com o maior número de casos. Neste estudo é a terceira maior causa de catarata unilateral (8,6%) e a segunda causa entre as cataratas congênitas(6).
Em relação ao tipo da catarata, a catarata lamelar é o tipo mais comum de opacidade congênita do cristalino(7) e neste estudo aparece em 17,1% do total das cataratas unilaterais.
Outros autores relataram que o trauma ocular é uma importante causa na infância de catarata unilateral nos países em desenvolvimento, coincidindo com este estudo, onde encontramos a etiologia traumática em 20% do total de casos e em 63,6% entre as cataratas adquiridas(3).
Quando há trauma ocular com ruptura da cápsula do cristalino, este torna-se hidratado e cataratoso dentro de horas(7).
Na afacia de origem traumática, o prognóstico visual é melhor, pois já houve o desenvolvimento das estruturas nervosas da retina e vias ópticas(8).
Para a correção da afacia, os óculos não são a solução ideal porque resulta em alterações na perifeira do campo visual e aumento da imagem em relação ao olho normal(7).
Para as crianças do ambulatório da UNIFESP/EPM, o uso de lentes de contato para correção da afacia constitui-se em tratamento inviável e oneroso, mas foi possível prescrever óculos e tratamento oclusivo(9).
Alguns autores advogam cirurgia para os casos unilaterais somente até os 2 meses de vida e outros indicam a cirurgia na presença de olhos alinhados independentemente da idade.
Alguns estudiosos(10) optaram por contra-indicar a cirurgia nos casos de catarata unilateral mas outros(11) ressaltaram que a cooperação visual binocular pode ser obtida em crianças com afacia unilateral quando operadas precocemente.
Há cirurgiões que contra-indicam a cirurgia em qualquer catarata congênita unilateral(12). Há outros que indicam a cirurgia em qualquer catarata congênita unilateral, mesmo incipiente(13).
Segundo alguns pesquisadores aproximadamente 50% dos pacientes com catarata congênita unilateral que tinham olhos alinhados e nenhum estrabismo, obtiveram visão final de 20/40 ou melhor(9).
O estrabismo pode aparecer em 40% das cataratas infantis bilaterais e em 90% das cataratas unilaterais(14).
Em relação à motilidade ocular, 30 crianças (85,7%) do total de 35 estudadas neste trabalho, apresentavam estrabismo e/ou nistagmo que são sinais indicativos de baixa visão e pior prognóstico visual pós-operatório.
Neste estudo, entre as crianças com catarata congênita unilateral operadas antes de 1 ano de idade, apenas 11,1% apresentaram acuidade visual igual ou melhor que 20/100. As crianças operadas após 1 ano de idade apresentaram 53,3% de visão melhor ou igual a 20/200.
Nos casos de catarata unilateral adquirida, a acuidade visual pós-operatória, melhor que 20/200, foi obtida em 45,5% dos casos. As crianças portadoras de retinoblastoma apresentavam baixa acuidade visual devido às lesões tumorais e à retinopatia por irradiação. A criança com glaucoma e a com uveíte, anteriores à cirurgia de catarata, também apresentavam alterações oculares decorrentes da patologia prévia que diminuíram a taxa de sucesso visual pós-operatório.
As cataratas unilaterais do tipo lamelar, lenticone posterior e vítreo primário persistente hiperplásico, que são freqüentemente parciais ao nascimento, podem progredir com o tempo. E podem permitir o desenvolvimento visual precoce(9) e apresentar resultados visuais satisfatórios mesmo sendo operadas após o período crítico de desenvolvimento visual.
Os resultados visuais pós-operatórios esperados não são satisfatórios se não houver adequado diagnóstico e tratamento da ambliopia. A terapia oclusiva requer correção visual com óculos ou lentes de contato e oclusão parcial do olho com melhor acuidade visual.
Alguns autores reconhecem a terapia com oclusão do olho com melhor visão como eficiente na melhora do desenvolvimento visual de olhos submetidos à cirurgia de catarata unilateral, mas que haveria a possibilidade de ocasionar iatrogenia na acuidade visual do olho ocluído sem o devido acompanhamento(15).
Outros autores recomendam um esquema de oclusão menos intenso para favorecer a interação binocular(11).
Observamos neste estudo que algumas crianças não continuaram o seguimento no ambulatório após a cirurgia e podemos supor que não continuaram suas terapias antiambliopia, diminuindo as chances de recuperação visual. Sugerimos que os familiares sejam informados e orientados antes da indicação da cirurgia, para que ocorra uma decisão em conjunto e uma melhor colaboração no pós-operatório.
Nesta série, em 42,9% do total de olhos, a visão obtida foi igual ou melhor que 20/200. Os resultados visuais dependem de muitas variáveis clínicas, incluindo faixa etária, etiologia, padrão morfológico da catarata, técnica cirúrgica e adesão ao tratamento oclusivo. Cada caso de catarata unilateral em crianças deve ser avaliado individualmente para a decisão da conduta a ser tomada buscando o benefício da criança e ponderando os riscos oculares e sistêmicos.
Os familiares e os profissionais de saúde e reabilitação visual ligados às crianças com catarata unilateral devem estar cientes das dificuldades do tratamento e da possibilidade de baixa visual no pós-operatório e concordarem com a conduta proposta.
CONCLUSÕES
Neste estudo em 35 crianças operadas de catarata unilateral, 11 crianças (31,4%) tinham catarata adquirida e 24 (68,6%) catarata congênita.
Na catarata congênita, 37,5% das crianças obtiveram acuidade visual igual ou melhor que 20/200.
No total dos olhos com catarata unilateral operados, em 42,8% dos casos o resultado da acuidade visual foi igual ou melhor que 20/200.
REFERÊNCIAS
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Endereço para correspondência:
Adriana M. D. Brandão
Rua Diógenes Malacarne, 150/304
Vila Velha (ES) CEP 29101-210
E-mail: [email protected]
Recebido para publicação em 23.06.2006
Última versão recebida em 01.10.2007
Aprovação em 22.11.2007
Trabalho realizado no ambulatório de Catarata Congênita do Departamento de Oftalmologia da Universidade Federal de São Paulo - UNIFESP.
Nota Editorial: Depois de concluída a análise do artigo sob sigilo editorial e com a anuência do Dr. Mauro Waiswol sobre a divulgação de seu nome como revisor, agradecemos sua participação neste processo.