Gustavo Bueno de Camargo1; Wilson Takashi Hida2; Mauro Goldchmit3; Carlos Fumiaki Uesugui4; Carlos Ramos de Souza-Dias5
DOI: 10.1590/S0004-27492007000400005
RESUMO
OBJETIVO: Avaliar a incidência, etiologia e evolução dos estrabismos paralíticos ou paréticos. MÉTODOS: Foram selecionados retrospectivamente 519 prontuários de pacientes com paresia ou paralisia isolada dos músculos inervados pelos III, IV ou VI nervos cranianos, a partir de 11.000 prontuários da Seção de Motilidade Extrínseca Ocular do Departamento de Oftalmologia da Santa Casa de São Paulo de janeiro de 1980 a outubro de 2004. Foram estudados: o nervo craniano acometido, o olho acometido, o sexo, os fatores etiológicos e a evolução desses pacientes. RESULTADOS: Dos 519 pacientes, 17,1% foram casos congênitos e 82,9% foram adquiridos. O nervo craniano mais afetado foi o VI (49,7%). Os pacientes do sexo masculino foram mais acometidos, com 58,1% dos casos. A etiologia traumática foi a mais freqüente nos casos de paresia ou paralisia de III (43,0%), IV (52,4%) e VI (48,8%) nervos cranianos. Os pacientes evoluíram mais freqüentemente para cirurgia nos três grupos: III nervo (42,9%), IV nervo (73,2%) e VI nervo (43,2%). CONCLUSÃO: O VI nervo craniano foi o mais freqüentemente acometido e o fator etiológico mais importante foi o traumatismo, dados esses que coincidem com os encontrados na literatura.
Descritores: Estrabismo; Estrabismo; Nervos cranianos
ABSTRACT
PURPOSE: To describe the incidence, etiologies and follow-up of patients with paralytic strabismus. METHODS: Retrospective study of 519 strabismic patients with isolated III, IV or VI cranial nerve palsy of 11,000 charts of the Ocular Motility Section of the Department of Ophthalmology of "Faculdade de Ciências Médicas Santa Casa de São Paulo", Brazil, between January 1980 and October 2004. This study analyzed: the injured cranial nerve, affected eye, sex distribution, etiology and follow-up. RESULTS: It was found that 17.1% of the cases were congenital and 82.9% acquired. The VI cranial nerve was the most frequently affected (49.7%). The incidence was higher in males (58.1%). Traumatism was the most common cause of III (43.0%), IV (52.4%) and VI (48.8%) nerve palsy. Surgery was performed in the three groups: third nerve (42.9%), fourth nerve (73.2%) and sixth nerve (43.2%). CONCLUSIONS:The sixth cranial nerve was the most frequently affected and the most common cause was traumatism, the same as observed in the literature.
Keywords: Strabismus; Strabismus; Cranial nerves
INTRODUÇÃO
Os estrabismos paralíticos e paréticos são quadros caracterizados pela fraqueza de um ou mais músculos oculomotores inervados pelo(s) nervo(s) craniano(s) afetado(s), que resulta em um desvio incomitante que pode necessitar de tratamento clínico, cirúrgico ou apresentar regressão espontânea.
Muitos estudos foram realizados com a finalidade de analisar as paralisias ou paresias dos III, IV e VI nervos cranianos e alguns se tornaram clássicos(1-3). Na literatura, o nervo craniano mais acometido é o VI, como observado diversos estudos, com freqüência de 40,9% a 55%(1-4).
Com relação ao sexo dos pacientes com estrabismo parético ou paralítico, em outro estudo encontrou 54,3% do sexo masculino e 45,7% do feminino(5).
Alguns estudos encontraram 45,1% de casos com o olho direito afetado, 46,7% com o olho esquerdo e 8,2% com comprometimento bilateral(5).
Este estudo retrospectivo analisa a incidência, etiologia e evolução dos estrabismos paralíticos ou paréticos em pacientes atendidos na Seção de Motilidade Extrínseca Ocular do Departamento de Oftalmologia da Santa Casa de São Paulo.
MÉTODOS
Analisaram-se os prontuários de 11.000 pacientes portadores de estrabismo, atendidos na Seção de Motilidade Extrínseca Ocular do Departamento de Oftalmologia da Santa Casa de São Paulo, no período de janeiro de 1980 a outubro de 2004. Selecionaram-se 519 pacientes com paresia ou paralisia isolada dos músculos inervados pelos III, IV ou VI nervos cranianos, o que corresponde a 4,7% dos pacientes.
Os fatores etiológicos dos casos adquiridos foram reunidos em 5 grupos: traumatismo, neoplasia, anomalia vascular (incluídas doenças sistêmicas, como hipertensão arterial, diabetes mellitus e aneurisma cerebral), indeterminado (em que não se encontrou nenhuma causa após a investigação diagnóstica) e outros. Esse agrupamento visou facilitar a comparação de nossos dados com os da literatura, uma vez que a maioria dos autores adotam tal divisão. Os casos congênitos formaram um grupo à parte.
A evolução também foi dividida em 5 grupos: regressão espontânea, cirurgia (paciente submetido a cirurgia), sem seguimento (perdeu-se o seguimento do paciente), ainda em acompanhamento e alta curado ou a pedido.
Analisaram-se os dados relativos ao sexo, ao nervo acometido, ao olho afetado, à etiologia e à evolução dos casos de paresia e paralisia isolada adquirida. A idade de início do quadro clínico do grupo portador de estrabismo paralítico ou parético adquirido variou entre 1 e 81 anos. Os casos congênitos foram estudados separadamente.
RESULTADOS
Dos 519 pacientes analisados, 89 (17,1%) eram casos congênitos e 430 (82,9%) eram adquiridos (Tabela 1).
Os dados referentes a sexo e olho afetado, etiologia e evolução estão relacionados nas tabelas 2, 3, 4 respectivamente.
Entre as outras causas de paralisia do III nervo craniano, encontraram-se: infecção do sistema nervoso central em 9 casos, esclerose múltipla em 1 caso, 2 casos ocorridos após cirurgia de sinusite e 1 caso após cirurgia de derivação ventrículo peritoneal (hidrocefalia).
Quanto à paralisia de IV nervo craniano, as outras causas corresponderam a 3 casos de infecção do sistema nervoso central e 1 caso de tumor de pálpebra (região medial).
As outras causas de paralisia do músculo do reto lateral foram: 2 casos de infecção do sistema nervoso central, 1 caso após cirurgia de descolamento de retina e 1 após cirugia de sinusite.
DISCUSSÃO
Entre as paresias e paralisias isoladas adquiridas, observou-se que o nervo craniano mais acometido foi o VI (46,3%), seguido pelo III (34,7%) e por último o IV (19,0%). Estes dados coicidem com os da literatura, em que se encontrou o VI nervo como o mais acometido, como na revisão literária analisada(1-2), com freqüência de 40,9% e 51,1%, em outros estudos(3) de 41,9% e 55,0%(4). Em uma clínica particular referência em estrabismo(6), encontrou uma freqüência de 62,2% de acometimento do IV nervo craniano, provavelmente por ser um serviço de referência diferenciado, o que influencia sua amostra.
Em relação ao sexo dos pacientes, encontraram-se 58,1% do masculino e 41,9% do feminino, o que coincide com o encontrado na literatura. Esse ligeiro predomínio do sexo masculino pode ser explicado pelo fato das causas traumáticas predominarem na amostra estudada.
Não houve discordância, quanto aos dados relativos ao olho afetado, entre nossa amostra e as da literatura, pois encontramos 49,5% de comprometimento do olho direito, 41,9% do olho esquerdo e 8,6% de comprometimento bilateral.
Em relação à paresia ou paralisia adquirida do III nervo craniano, 49% eram de etiologia traumática e 17,4% de causa indeterminada. Pesquisas realizadas(7), apontaram 45,5% de casos congênitos. Já outros estudos(5), encontraram maior frequência de casos indeterminados (23,7%), seguidos de causa vascular (19,8%). Outros estudos(8), relataram freqüência de 40,5% de causa indeterminada e 29,2% de etiologia vascular. Essas diferenças podem ser explicadas pelo fato de ser muito grande o número de acidentes automobilísticos e agressões físicas no nosso país. A baixa ocorrência da etiologia vascular (17,5%) é, provavelmente, devida à falta de diagnóstico ou de encaminhamento desses pacientes ao nosso Departamento.
Os casos de paresia ou paralisia adquirida do IV nervo craniano tiveram como causa mais freqüentes o traumatismo (52,4%); os casos de causa indeterminada foram 30,5%. Na literatura analisada encontraram(6), entre os fatores etiológicos mais freqüentes, o traumatismo (25,7%) e o vascular (15,7%); os fatores indeterminados somaram 28,3%. Outros estudos(9) relataram freqüência de 43,5% de casos congênitos, 38,8% de causa indeterminada e 7,6% de origem traumática. Outra pesquisa(10), observou 39,5% de casos congênitos, 34,0% de causa traumática e 23,2% de origem indeterminada. Entre crianças, uma pesquisa(11) constatou que 57,3% dos seus casos eram de causa indeterminada e 13,6% provenientes de traumatismo. O traumatismo adquire importância em nossa amostra, pelo mesmo motivo apresentado anteriormente.
Os pacientes portadores de paralisia do VI nervo craniano apresentaram fatores etiológicos com a seguinte frequência: traumatismo 48,8%, indeterminados 23,1% e vascular 17,7%, como as principais. Encontramos, na nossa amostra, 3 casos congênitos (1,5%), o que é muito raro na literatura. Segundo a literatura analisada(12), "toda paralisia congênita de VI nervo craniano deve ser considerada Síndrome de Duane até prova em contrário". Entretanto, esses pacientes não apresentaram nenhuma característica clínica desta síndrome. Na amostra da revisão literária analisada(5), a maioria dos casos tiveram causa indeterminada (26,1%), seguidos das neoplasias (21,3%) e dos traumatismos (14,8%). Já outros trabalhos(8), encontraram 41,2% de casos de origem indeterminada, 29,8% de causa vascular e 15,6% traumáticos. Essas discrepâncias são provavelmente devidas às diferenças de cunho social e das dificuldades no processo de encaminhamento dos pacientes, assim como ocorreu nos casos das outras paralisias estudadas.
Neste estudo, observamos que 18,6% dos casos adquiridos apresentaram regressão espontânea do quadro, 48,8% foram submetidos a cirurgia e 18,6% dos casos ficaram sem seguimento. Na literatura(3,8), observa-se que a regressão espontânea tem índice maior, pesquisas relataram uma freqüência de 48,3% e 66,6%. Nesses estudos, os casos de etiologia vascular apresentaram o maior índice de regressão espontânea, grupo esse que apresentou baixa freqüência em nossa amostra. Além disso, o fato de termos perdido o seguimento de tantos pacientes, fato comum nos hospitais públicos, pode ter causado baixa da freqüência dessa regressão.
REFERÊNCIAS
1. Rucker CW. Paralysis of the third, fourth and sixth cranial nerves. Am J Ophthalmol. 1958;46(6):787-94.
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5. Richard BW, Jones FR Jr, Younge BR. Causes and prognosis in 4,278 cases of paralysis of the oculomotor, trochlear, and abducens cranial nerves. Am J Ophthalmol. 1992;113(5):489-96.
6. Prieto-Diaz J, Souza-Dias C. In: Estrabismo 3ª ed. São Paulo: Roca; 1996; p.377-442.
7. Avó DS, Gurgel DPA, Salomão SR. Estrabismo paralítico: Um estudo de 168 casos. Bol Bras Ortóp. 1986;12:28-34.
8. Abreu FJQ, Abreu Filho JMPQ, Abreu JMPQ. Paresias e paralisias dos nervos oculomotores. Estudo retrospectivo e prospectivo - período de 30 anos. Rev Bras Oftalmol. 1993;52(4):19-25.
9. Sydnor CF, Seaber JH, Buckley EG. Traumatic superior oblique palsies. Ophthalmology. 1982;89(2):134-8.
10. Von Noorden GK, Murray E, Wong SY. Superior oblique paralysis. A review of 270 cases. Arch Ophthalmol. 1986;104(12):1771-6.
11. Robb RM. Idiopathic superior oblique palsies in children. J Pedriatr Ophthalmol Strabismus. 1990;27(2):66-9.
12. Souza-Dias C. Congenital IV nerve palsy in Duane's syndrome until disproven. Binocular Vision Q. 1992;7(2):70-7.
Endereço para correspondência:
Wilson Takashi Hida
Rua Afonso de Freitas, 488 - Apto. 61
São Paulo (SP) CEP 04006-052
E-mail: [email protected]
Recebido para publicação em 05.01.2007
Aprovação em 22.03.2007
Trabalho realizado no Departamento de Oftalmologia da Santa Casa de São Paulo - São Paulo (SP) - Brasil.