DOI: 10.1590/S0004-27492007000300032
CARTAS AO EDITOR
Caro Editor,
Em respeito ao compromisso ético relacionado à assistência à paciente, aos nossos leitores que tanto ganham com tamanha importância de nossas publicações e ao Serviço de Genética Médica do Hospital de Clínicas de Porto Alegre - RS, achamos por obrigação prestar alguns esclarecimentos sobre o caso em questão:
1) o caso sobre o qual nos referimos é de uma paciente que ao chegar em nosso serviço apresentava uso de medicação hipotensora ocular (Niolol®) no OE como tratamento de um possível glaucoma;
2) ao sabermos do diagnóstico bioquímico de MPS VI, realizado pelo estudo no qual o serviço de Porto Alegre faz parte e até hoje tem um importante papel de suporte da mesma, nos empenhamos no estudo mais profundo das possíveis alterações oftalmológicas que poderiam acometer tal paciente, chegando então à conclusão de um falso glaucoma (pseudo-glaucoma) ocasionado pelo acúmulo de glicosaminoglicanos no estroma da córnea o qual era responsável pela maior resistência da mesma à tonometria de aplanação;
3) a partir dos exames e conclusões obtidas em nosso serviço, decidimos pela suspensão da medicação hipotensora do OE e a realização do transplante penetrante ipsilateral;
4) foi feito um contato previamente à publicação do artigo entre um dos nossos autores com um dos integrantes do serviço de Porto Alegre, onde foram trocadas algumas informações sobre o caso para um melhor suporte à paciente.
Na certeza de um esclarecimento a altura do esperado pelos nossos leitores, em respeito a importância, também, do Serviço de Genética Médica do Hospital de Clínicas de Porto Alegre - RS nesse trabalho e no acompanhamento da paciente, e sobretudo, da continuação de uma relação transparente e acolhedora aos que de nosso serviço precisam, deixamos aqui os cumprimentos a todos, que como nós, preocupam-se em somar à oftamologia.
Miguel Canêdo
Luciano Porto Bellini
Pós-Graduando nível Doutorado pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS - Porto Alegre (RS) - Brasil
Porto Alegre, 23 de agosto de 2006
Prezado Editor,
Foi com grande interesse que li o relato de Paula et al.(1), descrevendo o caso de uma paciente HIV+ com endoftalmite por Aspergillus niger. Parabenizo os autores pelo artigo e lamento o fato de não terem obtido sucesso no tratamento da referida paciente em função do abandono do acompanhamento pela mesma.
Complementando o que já foi discutido pelos autores acima, chamo a atenção para um artigo recentemente publicado por Kramer et al.(2), no qual relatam o uso pioneiro de voriconazol intravítreo para o tratamento de endoftalmite por Aspergillus terreus.
O emprego oral de voriconazol para o tratamento de infecção corneana por Aspergillus flavus já havia sido descrito, como discutido por Freda, previamente(3). Contudo, não havia, na literatura, evidência consistente acerca da segurança do uso intravítreo deste triazólico de segunda geração em humanos, havendo apenas o indício de segurança por esta via em estudo com ratos(4). Assim, a novidade do artigo de Kramer e seus pares consiste em apresentar o uso intravítreo aparentemente seguro e eficaz deste antifúngico em humano. Deve-se salientar, porém, que o sucesso terapêutico neste caso talvez não possa ser atribuído exclusivamente ao voriconazol intravítreo, uma vez que este fármaco também foi usado por via sistêmica (endovenoso e oral). Finalizando, devemos ter em mente que ainda são poucas e fracas as evidências sobre a segurança do uso intravítreo do voriconazol, advogando-se cautela no seu uso por esta via.
REFERÊNCIAS
1. Paula JS, Bryk Junior A, Lauretti Filho A, Romão E. Secondary glaucoma associated with bilateral Aspergillus niger endophthalmitis in an HIV-positive patient: case report. Arq Bras Oftalmol. 2006;69(3):395-7.
2. Kramer M, Kramer MR, Blau H, Bishara J, Axer-Siegel R, Weinberger D. Intravitreal Voriconazole for the Treatment of Endogenous Aspergillus Endophthalmitis. Ophthalmology. 2006;113(7):1184-6.
3. Freda R. Use of oral voriconazole as adjunctive treatment of severe cornea fungal infection: case report. Arq Bras Oftalmol. 2006;69(3):431-4.
4. Gao H, Pennesi M, Shah K, Qiao X, Hariprasad SM, Mieler WF, et al. Safety of intravitreal voriconazole: eletroretinographic and histopathologic studies. Trans Am Ophthalmol Soc. 2003;101:183-9; discussion 189.
Diane MarinhoI; Ana Cecilia Mano AzevedoII, III; Samuel RymerI; Roberto GiuglianiII, IV; Ida Vanessa Deoderleim SchwartzII, IV
IServiço de Oftalmologia, Hospital de Clínicas de Porto Alegre - Porto Alegre (RS) - Brasil
IIServiço de Genética Médica, Hospital de Clínicas de Porto Alegre - Porto Alegre (RS) - Brasil
IIIPrograma de Pós-Graduação em Pediatria, Faculdade de Medicina, Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS - Porto Alegre (RS) - Brasil
IVDepartamento de Genética, UFRGS - Porto Alegre (RS) - Brasil
Caro Editor,
O Serviço de Genética Médica do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, Rio Grande do Sul, é um centro de referência internacional para o diagnóstico e tratamento das Mucopolissacaridoses (MPS), possuindo, desde 1998, uma equipe multidisciplinar altamente qualificada e especializada no manejo das complicações apresentadas por estes pacientes(1-4). Especificamente em relação às complicações oftalmológicas associadas às MPS, publicamos nesta revista, em 1997, no artigo "Manifestações oculares da síndrome de Scheie: Relato de cinco casos"(5). Em tal artigo, descrevemos a ocorrência de normalização da pressão intra-ocular pós-transplante de córnea em três pacientes com a forma atenuada da MPS I (síndrome de Scheie), e atribuímos este achado a um falso aumento da pressão intra-ocular pré-transplante em decorrência do aumento da espessura e da rigidez da córnea secundários ao acúmulo de glicosaminoglicanos no seu estroma. Causou-nos surpresa, portanto, a publicação, também nesta revista, do artigo "Pseudoglaucoma em mucopolissacaridose tipo VI: relato de caso"(6), no qual é descrita uma paciente com MPS VI diagnosticada, tratada e acompanhada pela nossa equipe, sem que tenha sido feita qualquer menção à nossa participação no caso ou ao artigo de Marinho et al. (1997)(5). Em prol da manutenção do compromisso ético envolvido na assistência à paciente, entendemos ser nossa obrigação prestar os seguintes esclarecimentos aos leitores:
1) o caso descrito por Canêdo et al. (2006)(6) trata-se de uma paciente que, em 1991, foi diagnosticada bioquimicamente pelo nosso Serviço como possuindo MPS VI;
2) apesar de a paciente ser procedente de outro estado brasileiro, realizou acompanhamento clínico (incluindo avaliações oftalmológicas) com a nossa equipe de 2001 a 2005. Foi este contato que possibilitou a sua inclusão em um estudo clínico fase II envolvendo terapia de reposição enzimática com N-acetilgalactosamina 4-sulfatase humana recombinante ou rhASB(7). Como parte deste estudo, do qual a nossa equipe fez parte, a paciente residiu nos Estados Unidos de maio/2002 a fevereiro/2003, e em Porto Alegre de fevereiro/2003 a janeiro/2005, quando o estudo foi finalizado e a mesma retornou ao seu estado de origem. Desde então, a paciente recebe as infusões de rhASB (nome comercial: Naglazyme®) como acesso expandido (o medicamento não possui registro na ANVISA, mas já foi aprovado para comercialização pelo FDA e EMEA);
3) o transplante de córnea do OD, citado e fotodocumentado por Canêdo et al. (2006)(6), foi realizado em nossa instituição, por nossa equipe, em 2003. Neste olho a pressão intra-ocular também baixou a níveis normais após o transplante. O transplante de córnea do OE não foi realizado em Porto Alegre devido à transferência da paciente para seu estado de origem. No laudo de encaminhamento aos seus médicos locais foi, inclusive, referido que, embora o nível pressórico intra-ocular estivesse elevado no OE, provavelmente não se tratasse de glaucoma, mas, sim, de um aumento da rigidez corneana (pseudoglaucoma). O colírio Niolol® já vinha sendo usado pela paciente quando iniciou acompanhamento com nossa equipe, sendo por nós sugerida a suspensão do mesmo.
Como o Brasil é um país de dimensões continentais, recomenda-se a existência de centros regionais de referência para o diagnóstico e tratamento de doenças raras. Entretanto, é nossa convicção que a comunicação entre os profissionais destes diversos centros deva ocorrer do modo mais transparente possível.
REFERÊNCIAS
1. Azevedo AC, Schwartz IV, Kalakun L, Brustolin S, Burin MG, Beheregaray AP, et al. Clinical and biochemical study of 28 patients with mucopolysaccharidosis type VI. Clin Genet. 2004;66(3):208-13.
2. Petry MF, Nonemacher K, Sebben JC, Schwartz IV, Azevedo AC, Burin MG, et al. Mucopolysaccharidosis type VI: Identification of novel mutations on the arylsulphatase B gene in South American patients. J Inherit Metab Dis. 2005;28(6):1027-34.
3. Swiedler SJ, Beck M, Bajbouj M, Giugliani R, Schwartz I, Harmatz P, et al. Threshold effect of urinary glycosaminoglycans and the walk test as indicators of disease progression in a survey of subjects with Mucopolysaccharidosis VI (Maroteaux-Lamy syndrome). Am J Med Genet A. 2005;134(2):144-50.
4. Harmatz P, Giugliani R, Schwartz I, Guffon N, Teles EL, Miranda MC, et al. Enzyme replacement therapy for mucopolysaccharidosis VI: a phase 3, randomized, double-blind, placebo-controlled, multinational study of recombinant human N-acetylgalactosamine 4-sulfatase (recombinant human arylsulfatase B or rhASB) and follow-on, open-label extension study. J Pediatr. 2006;148(4): 533-9.
5. Marinho DR, Cattani S, Marchiori J, Galia CR, Rymer S. Manifestações oculares da síndrome de Scheie: Relato de cinco casos. Arq Bras Oftalmol. 1997;60(5):458-62.
6. Canêdo MG, Almeida LNF, Silva RG, Almeida RN, Alessandri EF. Pseudoglaucoma em mucopolissacaridose tipo VI: relato de caso. Arq Bras Oftalmol. 2006;69(6):933-5.
7. Harmatz P, Ketteridge D, Giugliani R, Guffon N, Teles EL, Miranda MC, et al. Direct comparison of measures of endurance, mobility, and joint function during enzyme-replacement therapy of mucopolysaccharidosis VI (Maroteaux-Lamy syndrome): results after 48 weeks in a phase 2 open-label clinical study of recombinant human N-acetylgalactosamine 4-sulfatase. Pediatrics. 2005; 115(6):681-9.
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