Mônica Fialho Cronemberger1; Tomás Scalamandré Mendonça2; Harley Edison do Amaral Bicas3
DOI: 10.1590/S0004-27492006000400013
RESUMO
OBJETIVO: Avaliar a eficácia da toxina botulínica no tratamento de estrabismo horizontal em crianças com paralisia cerebral. MÉTODOS: Um grupo de 24 pacientes com paralisia cerebral e estrabismo horizontal (17 esotropias variando de 25delta a 45delta e 7 exotropias variando de 20delta a 45delta), com idades variando entre 6 a 156 meses, foram tratadas com toxina botulínica (34 músculos retos mediais e 14 retos laterais). As crianças foram submetidas a exame oftalmológico completo. A injeção de toxina, utilizando-se a pinça de Mendonça, foi realizada sob sedação. O seguimento foi realizado mediante avaliação aos 7 dias, 15 dias e a seguir mensalmente. O resultado foi considerado bom quando se obteve desvio < 10delta após seis meses de seguimento. Caso o resultado não fosse satisfatório uma segunda aplicação poderia ser realizada. RESULTADOS: No grupo das esotropias, no seguimento de dois anos (n=17) 47,1% tiveram bons resultados, com apenas uma aplicação de toxina botulínica. Todos estes pacientes tinham desvio prévio < 35delta. No grupo das exotropias, após a primeira aplicação, não foi encontrado qualquer resultado satisfatório no sexto mês de seguimento. Os efeitos colaterais foram: hemorragia subconjuntival em 4 pacientes (16,7%), desvio vertical transitório em 4 pacientes (16,7%) e blefaroptose transitória em 22 (91,7%). CONCLUSÕES: O uso da toxina botulínica pode ser considerado como boa alternativa de tratamento em crianças com diagnóstico de paralisia cerebral e esotropia.
Descritores: Toxina botulínica tipo A; Estrabismo; Paralisia cerebral; Músculos oculomotores; Esotropia; Blefaroptose
ABSTRACT
To evaluate the efficacy of botulinum toxin injection in the treatment of horizontal strabismus in children with cerebral palsy. METHODS: A group of 24 patients, age 6 - 156 months, with cerebral palsy and horizontal strabismus (17 esotropias ranging from 25 to 45 PD and 7 exotropias ranging from 20 to 45 PD) were treated with botulinum toxin (34 medial rectus and 14 lateral rectus muscles). The children underwent full ophthalmic examination. The injection treatment was performed after sedation using Mendonça's forceps. The follow-up was done after 7 days, 15 days and monthly. Deviation less or equal of 10 PD after 6 months of follow-up was considered successful. However, if patients did not achieve this result a second application could be performed. RESULTS: In the group of esotropia (n=17) 47.1% had successful results with only one application after two years of follow-up. All of these patients had previous deviation less than or equal to 35 PD. In the exotropia group a single injection was not sufficient to achieve successful result. The side effects included: subconjutival hemorrhage in 4 (16.7%) patients, transient vertical deviation in 4 (16.7%) and transient ptosis in 22 (91.7%). CONCLUSION: The use of botulinum toxin was a good alternative in the treatment of children with cerebral palsy and esotropia.
Keywords: Botulinum toxin type A; Strabismus; Cerebral palsy; Oculomotor muscles; Esotropia; Blepharoptosis
INTRODUÇÃO
O uso da toxina botulínica como alternativa terapêutica em estrabismo foi relatado pela primeira vez, em modelo primata, por Scott et al., em 1973. A toxina botulínica tipo A produziu enfraquecimento transitório da ação do músculo horizontal variando de duas semanas a oito meses e mudança permanente no alinhamento ocular dependendo da concentração da droga injetada(1).
Os estudos em humanos começaram nos Estados Unidos em 1977 sob supervisão do "Food and Drug Administration" (FDA). Em dezembro de 1989 o FDA aprovou o uso da toxina em adultos e crianças acima de 12 anos de idade para tratamento de estrabismo e blefaroespasmo(2-3).
No tratamento de estrabismo com toxina botulínica, a droga é injetada com uma agulha monopolar de calibre 27, comprimento 37 mm, funcionando como um eletrodo eletromiográfico, inserida diretamente no músculo apropriado. Em adultos é um procedimento ambulatorial usando apenas anestesia tópica. Em crianças é exigida anestesia com cetamina em um centro cirúrgico(3-4).
As indicações mais comuns para o uso da toxina botulínica em estrabismo são: estrabismo horizontal comitante com desvios de pequenos e médios ângulos, desvio residual ou consecutivo após cirurgia de estrabismo(5-8), desvio sensorial(6), desvio vertical comitante(5-6), paralisia aguda e crônica do III e VI nervos(5-8), estrabismo secundário a oftalmopatia de Graves(3), desvio após cirurgia de descolamento da retina(3,5-6) e em casos em que a cirurgia de estrabismo está contra-indicada ou foi rejeitada(6).
Os efeitos colaterais mais freqüentes causados pela toxina botulínica são: desvio vertical e blefaroptose, que ocorrem pela difusão da droga para outros músculos oculares externos adjacentes ou levantador da pálpebra, respectivamente. Também são relatados na literatura: hemorragia subconjuntival e menos freqüentemente, dilatação pupilar, perfuração escleral, hemorragia retrobulbar e efeito sistêmico(6,9-10).
Na literatura encontramos diversos trabalhos sobre o uso da toxina botulínica para correção de estrabismo em crianças(11-26), porém apenas um artigo recente sobre o uso da toxina botulínica para tratamento de estrabismo em crianças com lesão cerebral (desordens paroxísticas, prematuridade, idiopática, cromossômica, desordens cerebrovasculares e tumores cerebrais)(27). Foi um trabalho retrospectivo, composto de 30 pacientes, com idade média de 3,5 anos. A resposta com desvio residual < 10D foi encontrada em 44% dos casos, sendo 83,3% com apenas uma aplicação de toxina botulínica. Os autores consideram a toxina botulínica como primeira escolha de tratamento nesse grupo de pacientes.
OBJETIVO
Avaliar o resultado clínico na correção do estrabismo horizontal por meio de injeção de toxina botulínica em pacientes com diagnóstico de paralisia cerebral.
MÉTODOS
Estudo prospectivo em que vinte e quatro pacientes portadores de paralisia cerebral e com estrabismo horizontal, atendidos no setor de Oftalmologia-Ortóptica da Associação de Assistência à Criança Deficiente - AACD, na cidade de São Paulo, foram submetidos à injeção de toxina botulínica tipo A em músculo ocular externo, no período de junho de 2000 a junho de 2003. As crianças tinham idades que variavam de 6 meses a 13 anos (média 60,4 meses); 15 eram do sexo masculino e 9 do sexo feminino.
O diagnóstico de paralisia cerebral foi realizado por médicos fisiatras e neuropediatras da AACD e confirmado com imagem radiológica. A classificação da paralisia cerebral foi realizada conforme classificação sueca modificada(28), sendo encontrados 19 pacientes com paralisia cerebral do tipo espástica, 4 do tipo coreoatetóide e 1 com características dos dois grupos já citados.
As crianças também foram classificadas segundo a idade gestacional em que nasceram: 16 pré-termo (as nascidas com menos de 37 semanas) e 8 a termo (as nascidas com 37 semanas ou mais).
Todos os responsáveis pelas crianças assinaram termo de consentimento. Aos pais era dada opção entre tratamento cirúrgico e injeção com toxina botulínica. Todos os prós e contras de cada procedimento eram informados aos responsáveis.
Este trabalho foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Associação de Assistência à Criança Deficiente - AACD, projeto nº 26/2003 e pelo da Universidade Federal de São Paulo - UNIFESP, projeto nº 1137/03.
Foram excluídos pacientes com cirurgia oftalmológica prévia, desvio vertical (desvio vertical dissociado - DVD e/ou hiperfunção de músculos oblíquos) e os pacientes cujos pais optaram por tratamento cirúrgico.
Todas as crianças foram submetidas a exame oftalmológico completo.
Vários métodos foram utilizados para avaliar a acuidade visual, dependendo da idade e da colaboração da criança em cada teste. Adotaram-se para as crianças com ou acima de três anos os optotipos lineares "E" de Snellen e, para as crianças menores, os optotipos isolados do teste Light House. Os pacientes que não informavam a acuidade visual com os métodos já citados foram submetidos à avaliação do olhar preferencial com o teste dos Cartões de Acuidade de Teller. Os resultados dos diferentes métodos empregados na avaliação da acuidade visual foram convertidos em valor decimal e transformados em logMAR (Tabela 1).
Ambliopia foi determinada comparando-se a diferença interocular com normas já descritas para cada idade, nos cartões de acuidade de Teller(29-30). Para testes com optotipos e para crianças acima de 48 meses, uma diferença interocular maior que ou igual a 0,10 logMAR, nos cartões de acuidade de Teller, foi tomada para diagnóstico de ambliopia.
Para a medida da fenda palpebral, media-se à distância em milímetros entre as margens palpebrais superiores e inferiores centralmente, com o paciente olhando em frente. Mediu-se, também, distância margem-reflexo que é a distância entre a margem da pálpebra superior e o reflexo de um foco de luz na córnea, colocado na mesma altura dos olhos, a 33 cm de distância.
O ângulo do desvio foi medido com prismas pelo teste de cobertura alternado ou com o método de Krimsky quando houve impossibilidade de fixação. Para exame de refratometria todas as crianças foram submetidas à refração estática com uma gota de colírio de cloridrato de ciclopentolato a 1% (Cicloplégico®), após instilação de uma gota de cloridrato de proximetacaína a 0,5% (Anestalcon®).
Dos 24 pacientes estudados 17 tinham esotropia com ângulo de desvio básico variando de 25D a 45D (média 34,4D) e idades variando entre 6 a 92 meses (média 43,1 meses) e 7 exotropia com ângulo de desvio básico variando de 20D a 45D (média 32,1D) e idades variando entre 48 a 156 meses (média 102,6 meses).
Na tabela 1 observamos 3 pacientes com ambliopia (pacientes nos 12, 15 e 24) e 6 com ambliopia bilateral, acuidade visual baixíssima (> 0,70 logMAR) tomada com melhor correção óptica e afastadas lesões oftalmoscópicas (pacientes nos 5, 7, 19, 20, 21, 23). O astigmatismo hipermetrópico composto presente em 14 olhos e a hipermetropia também presente em 14 olhos, foram os achados refracionais mais freqüentes. Dos 24 pacientes apenas 3 apresentaram fator acomodativo (pacientes nos 6, 13 e 20).
Na oftalmoscopia binocular indireta encontramos 3 pacientes (nos 8, 16 e 17) com palidez temporal de papila em ambos os olhos, 1 paciente (nº 13) com palidez total de papila em ambos os olhos e 1 paciente (nº 3) com fundo miópico, também, em ambos os olhos.
A toxina botulínica tipo A utilizada neste estudo foi o Botox® (Allergan). O conteúdo do frasco-ampola foi diluído em 2 ml de solução salina sem conservantes, imediatamente antes do uso. A dose padrão de toxina botulínica injetada em cada músculo foi de 4 U. Esta dose foi diminuída em crianças de baixo peso e idade e aumentada em alguns casos de reaplicação (variando de 2 U a 6 U). Todos os pacientes receberam aplicação de toxina botulínica tipo A consecutivamente em ambos os músculos retos mediais ou retos laterais dependendo do diagnóstico de esotropia ou exotropia, respectivamente.
A injeção de toxina botulínica foi realizada utilizando-se a pinça "de Mendonça"(31) no lugar do eletromiógrafo. Pelo fato de o grupo estudado ser formado na sua totalidade por crianças com alteração neurológica, a aplicação foi sempre realizada sob narcose: inalação com sevoflurano (Sevorane®) a 4% ou 5%, no centro cirúrgico da AACD.
Os pacientes foram reavaliados no 7º dia, no 15º dia e depois mensalmente até completarem-se seis meses de aplicação. A partir de então eles eram seguidos trimestralmente. Foram considerados como obtendo bom resultado, os pacientes que ficaram sem desvio ou com desvio de até 10D. Os pacientes que não tiveram resultado satisfatório receberam uma segunda injeção de toxina botulínica tipo A. Em nenhum paciente o procedimento foi realizado pela terceira vez.
As avaliações deste trabalho são limitadas ao componente motor do estrabismo devido à dificuldade da avaliação sensorial em crianças com paralisia cerebral.
MÉTODO ESTATÍSTICO
Para avaliarmos possíveis diferenças entre os períodos pré-aplicação e pós-aplicação de toxina botulínica tanto para o olho direito quanto para o olho esquerdo para as variáveis fenda palpebral e distância margem reflexo usamos o teste não paramétrico para duas amostras não independentes de Wilcoxon.
O nível de rejeição para a hipótese de nulidade foi fixado sempre em um valor menor que ou igual a 0,05 (5%). Consideraram-se sempre testes monocaudais.
Quando a estatística calculada apresentou significância foi utilizado um asterisco (*) para caracterizá-la. Caso contrário, isto é, não significante, foi empregada a sigla N.S.
RESULTADOS
Na tabela 2 são apresentados os dados referentes as esotropias e na tabela 4 os referentes às exotropias, desvios "básicos". Também são mostrados os resultados referentes aos pacientes que sofreram reaplicação de toxina botulínica, por subcorreção nas esotropias (Tabela 3) e nas exotropias (Tabela 5). Nestas tabelas, para cálculo das médias, consideramos as esotropias com sinal positivo e as exotropias com sinal negativo.
No grupo das esotropias, nos primeiros seguimentos pós-aplicação de toxina botulínica, a medida dos ângulos dos desvios para perto geralmente era maior do que os ângulos dos desvios para longe (desvios "básicos"). No grupo das exotropias ocorreu o inverso; em alguns pacientes nos primeiros seguimentos os ângulos dos desvios encontrados para perto era menor do que os ângulos dos desvios para longe.
No grupo das esotropias, no seguimento de dois anos (n=10) tivemos bons resultados (80%) com apenas uma aplicação de toxina botulínica, enquanto que no grupo da exotropias não obtivemos qualquer resultado considerado bom, tanto na medida dos desvios para longe quanto para perto.
Quase todos os pacientes (n=22, 91,7%) tiveram blefaroptose. Em sete deles (31,8%) elas foram unilaterais e em 15 (68,2%) bilaterais. Todos os casos de blefaroptose foram transitórios. O tempo para a fenda palpebral voltar à sua medida original variou de um a três meses (média 2,1 meses).
As diferenças medidas em milímetros da fenda palpebral pré e pós-aplicação de 15 dias de toxina botulínica em olho direito (Zcalc = -3,932* p<0,001) e olho esquerdo (Zcalc = -3,643* p<0,001) são estatisticamente significantes.
Do mesmo modo, as diferenças medidas em milímetros da distância margem reflexo pré e pós-aplicação de 15 dias de toxina botulínica em olho direito (Zcalc = -3,982* p<0,001) e olho esquerdo (Zcalc = -3,669* p<0,001) são estatisticamente significantes.
Para avaliarmos a difusão da droga para outros músculos oculares externos adjacentes, observamos, nas tabelas 2 e 6, o aparecimento de desvio vertical até o 15º dia pós-aplicação de toxina botulínica. Tivemos quatro (16,7%) casos de desvio vertical transitório.
A hemorragia subconjuntival ocorreu em quatro casos. Em todos foi unilateral (pacientes nos 2, 16, 21 e 23).
Dos sete pacientes que receberam uma segunda aplicação de toxina botulínica, todos apresentaram blefaroptose bilateral, um (14,3%) apresentou desvio vertical e também apenas um apresentou hemorragia subconjuntival.
Em nenhum paciente ocorreu hemorragia retrobulbar, dilatação pupilar, perfuração escleral ou efeito sistêmico.
DISCUSSÃO
Os pacientes da Associação de Assistência à Criança Deficiente (AACD) com diagnóstico de paralisia cerebral, recebem um tratamento multidisciplinar. A toxina botulínica já era utilizada em algumas crianças, no ambulatório de fisiatria, quando decidimos usá-la em músculo ocular externo, com a finalidade de corrigir estrabismo horizontal. O emprego da toxina botulínica para correção de estrabismo em crianças já foi citado em diversos trabalhos(11,15,17,22).
Estrabismo é um achado comum em crianças com paralisia cerebral e um questionamento sobre a eficácia do tratamento cirúrgico nestas crianças, sempre existiu. Uma regressão espontânea do desvio que ocorre em alguns pacientes, tem sido razão para protelar esse procedimento(32). Alguns autores(33) avaliaram o emprego de correção cirúrgica para o tratamento de estrabismo comitante em crianças com alteração neurológica. No início (pós-operatório de duas semanas) 80,9% dos pacientes tiveram bom resultado (desvio < 10D). No seguimento de dois anos houve uma diminuição na porcentagem de sucesso para 53%. Os autores enfatizam a importância do tratamento cirúrgico neste grupo de crianças, pelo fato do estrabismo agravar a incapacidade do paciente de várias formas: sensorial, psicológica e social.
Resultados posicionais
Nas esotropias os resultados melhores ocorreram quando o desvio inicial foi menor que ou igual a 35D. Dos 13 pacientes com desvio menor que ou igual a 35D no sexto mês de seguimento tivemos 12 (92,3%) casos com resultados considerados bons. Na introdução deste trabalho, já foi citado que estrabismo horizontal de pequeno e médio ângulo é uma das indicações para o uso da toxina botulínica. No grupo das exotropias não logramos qualquer resultado considerado bom já no sexto mês de seguimento. Na literatura encontramos referências em que o resultado do procedimento é melhor nas esotropias do que nas exotropias(14-15,27).
Alguns autores ponderaram que a melhora do alinhamento ocular após a segunda injeção pode ocorrer pelo efeito cumulativo da droga; eles obtiveram melhor resultado do alinhamento ocular após a segunda injeção (62%), contra 35% da primeira aplicação. Nossos melhores resultados são com apenas uma aplicação(34). Outros autores obtiveram um bom alinhamento em 88% dos pacientes com apenas uma aplicação(22).
Não foi possível estudar pacientes pareados pela variável idade nos dois grupos. Isto causaria a perda de muitos pacientes com uma amostra já restrita. No grupo das esotropias a idade dos pacientes variou de 6 a 92 meses (média de 43,1 meses), menor que no grupo das exotropias em que variou de 48 a 156 meses (média de 102,6 meses). A idade pode ser um fator de insucesso. Mc Neer et al., afirmaram que a aplicação de toxina botulínica em ambos os músculos retos é um tratamento efetivo para crianças menores, com esotropia essencial e talvez em uma menor extensão para crianças mais velhas(17).
No grupo das esotropias todos os pacientes que evoluíram com resultado bom apresentaram supercorreção nas primeiras avaliações (7º e 15º dias) pós-aplicação de toxina botulínica. A maioria dos sucessos mecânicos ocorre após grandes supercorreções(14,17,22,35) .
No grupo das esotropias a média das medidas dos ângulos dos desvios, encontrada no sétimo e 15º dias de seguimento pós-aplicação de toxina botulínica, foi maior no desvio para perto que no desvio para longe. Isto pode ser explicado pela paralisia causada pela toxina botulínica no músculo reto medial. Esta paralisia impede a convergência fazendo com que a supercorreção (esotropia) seja maior na medida do desvio para perto do que para longe. Reforçando essa hipótese, no grupo das exotropias, ocorre o inverso.
Efeitos colaterais
A blefaroptose é o efeito colateral mais freqüente. Alguns autores demonstraram que 90% da estrutura do músculo elevador da pálpebra é constituída pela fibra monoinervada, altamente sensível à toxina, enquanto a porcentagem dessas fibras nos músculos retos é de 27%(36). A blefaroptose, neste trabalho, ocorreu em 91,7% dos pacientes. Esta proporção está acima da média observada por outros autores(17,34). Apesar dos trabalhos tidos como referência serem todos em crianças normais, não encontramos uma razão para a nossa alta porcentagem de blefaroptose.
Método utilizado
Em nosso trabalho, utilizamos um método novo para aplicação de toxina botulínica, a pinça Mendonça, enquanto a maioria dos trabalhos na literatura utiliza o eletromiógrafo(9). A grande vantagem do novo método, quando utilizado em criança, é a não necessidade de anestesia com cetamina, podendo ser realizada apenas uma sedação por inalação com sevoflurano. Alguns autores contra-indicam o uso do eletromiógrafo em crianças, pelo alto risco anestésico e por terem encontrado resultados similares sem o uso deste(24).
CONCLUSÃO
Em nosso estudo no grupo das esotropias, no seguimento de dois anos (n=10) tivemos bons resultados (80%) com apenas uma aplicação de toxina botulínica. Após análise dos resultados deste trabalho, nós indicaríamos o uso da toxina botulínica em crianças com paralisia cerebral, com mais segurança, quando houvesse diagnóstico de esotropia, desvio menor ou igual a 35D e, preferencialmente, idade menor que 48 meses.
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Endereço para correspondência:
Mônica Fialho Cronemberger
Rua Mirassol, 227 - Apto. 101
São Paulo (SP) Cep 04044-010
E-mail: [email protected]
Recebido para publicação em 07.06.2005
Versão revisada recebida em 11.12.2005
Aprovação em 07.03.2006
Trabalho baseado em Tese de Doutorado defendida e aprovada na Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP).
Trabalho realizado na Associação de Assistência à Criança Deficiente.
Nota Editorial: Depois de concluída a análise do artigo sob sigilo editorial e com a anuência da Dra. Maria de Lourdes Motta Moreira Villas Boas sobre a divulgação de seu nome como revisora, agradecemos sua participação neste processo.