Maria Helena Mandello Carvalhaes1; Rubens Belfort Jr2; Norma Helen Medina2; Cristiane Rolim1; João Antonio Prata Jr1
DOI: 10.1590/S0004-27492000000400008
RESUMO
Objetivo: Comparar os índices globais e o tempo do exame de campo visual computadorizado entre pacientes de mais de 70 anos e abaixo de 60 anos de idade. Método: Foram realizados exames de campo visual (Humphrey 24-2) em 56 pacientes com mais de 70 anos (88 olhos) e em 23 pacientes com idade inferior a 60 anos (46 olhos). Comparou-se entre os grupos os índices globais, tempo de exame e confiabilidade, para o olho direito e esquerdo. Entre os pacientes com mais de 70 anos comparou-se exames confiáveis e não-confiáveis. Dos pacientes com exame confiável bilateral foi realizada comparação entre os índices globais e tempo de exame entre olho direito e esquerdo. Resultados: A média de idade dos pacientes de mais de 70 anos foi 77,7 ± 5 anos e dos abaixo de 60 anos de 50,0 ± 5 anos. Houve diferença estatística do "Pattern Standard Deviation" (OD p = 0,02 e OE p = 0,03), "Corrected Pattern Standard Deviation" (OD p = 0,02 e OE p = 0,44). Os pacientes de mais de 70 anos de idade necessitaram de um maior tempo para realização do exame (t acima de 70 anos OD= 11,8 ± 1,8min - t abaixo 60=11,1 ± 1,9min p = 0,04; t acima de 70 anos OE=11,4 ± 1,4 min - t abaixo 60 OE = 10,8 ± 1,8 min p = 0,009). Nos pacientes de mais de 70 anos de idade, os campos não-confiáveis apresentaram maiores valores de PSD e CPSD de forma estatisticamente significante. A comparação em casos dos pacientes com mais de 70 anos de idade com exames bilaterais não evidenciaram diferenças estatísticas para os todos índices globais e para o tempo de exame (pMD = 0,4; pPSD = 0,9; pSF = 0,68; pCPSD = 0,92; p tempo = 0,11). Conclusão: Observou-se um maior tempo de exame entre os pacientes com mais de 70 anos de idade e valores de PSD e CPSD estatisticamente mais elevados sugerindo uma maior variação da sensibilidade no campo visual destes pacientes.
Descritores: Perímetro automático Humphrey; Idade; Campo visual
ABSTRACT
Purpose: To compare global indices and duration of automated visual field tests in geriatric patients and in patients below 60 years old. Methods: 24-2 Humphrey visual field examinations were performed in 56 patients from the Geriatrics Department of UNIFESP-EPM and in 23 subjects aged below 60 years. Test reliability, duration and global indices were compared between groups for the right and left eyes. Among geriatric patients the same variables were studied between reliable and nonreliable fields and in those with bilateral reliable tests (OD x OS). Results: Mean age of geriatric patients was 77.7 ± 5.0 years and 50.0 ± 5.0 years in those below 60 years (p<0.001). PSD and CPSD differed statistically between geriatric and nongeriatric patients (PSDOD p = 0.02 and OS p =0.03; CPSDOD p =0.02 and OS p =0.44). Geriatric patients spent statistically more time to perform the test (t geriatrics OD= 11.8 ± 1.8min ¾ t below 60=11.1 ± 1.9min p = 0.04; t ge-riatric OS=11.4 ± 1.4 min - t below 60 OS = 10.8 ± 1.8 min p = 0.009). In geriatric patients, nonreliable exams had statistically higher PSD and CPSD values than reliable fields. In those geriatric cases with bilateral exams, there were no statistical differences in global indices or test duration (pMD = 0.4; pPSD = 0.9; pSF = 0.68; pCPSD = 0.92; p duration = 0.11). Conclusion: Geriatric patientes spent statistically more time to perform the test and had higher PSD and CPSD values, suggesting higher visual field variability.
Keywords: Humphrey perimeter; Age; Visual Field
INTRODUÇÃO
A grande vantagem do exame de campo visual computadorizado, peça importante na propedêutica oftalmológica, é eliminar a subjetividade do examinador.1-3.
Vários equipamentos estão disponíveis, mas o mais difundido é o perímetro Humphrey, que fornece um programa estatístico de análise dos resultados das médias obtidas através dos vários pontos testados (STAPAC) 4. São fornecidos os índices globais para melhor compreensão dos resultados. O "Mean Deviation" (MD) é o desvio médio da sensibilidade do paciente se comparado com a sensibilidade média normal. O "Pattern Standard Deviation" (PSD) corresponde ao desvio padrão do gráfico "pattern deviation" e quando alterado sugere uma perda localizada de sensibilidade 4. O "Short Term Fluctuation" (SF) sugere a confiabilidade das respostas do paciente durante o teste. O "Corrected Pattern Standard Deviation" (CPSD) indica a correção do PSD considerando no cálculo o valor da flutuação das respostas do paciente 5.
Entretanto o exame é subjetivo e passível de influências de fatores como fadiga, colaboração, compreensão do exame, artefatos técnicos (lente corretora, pilocarpina), alterações oculares (catarata, glaucoma) e refração inadequada. Vários desses, inclusive a colaboração do paciente tendem a se agravar com a idade 6.
A confiabilidade do teste pode ser observada pela análise dos índices de confiabilidade testados pelo equipamento, ou seja, fixação, respostas falso negativo e positivo. Além desses, o tempo de duração e flutuação a curto prazo elevados sugerem baixa confiabilidade, mesmo na presença de índices de confiabilidade aceitáveis 6.
Bernardi e cols. 7 referem que dentre aproximadamente 250 exames, 64,5% dos não confiáveis foram devido a perda de fixação. Katz e Sommer 9 relatam que o excesso de perda de fixação (67% em pacientes normais e 41% em pacientes glaucomatosos) como o principal responsável pela não confiabilidade dos exames. Keltner e col. 11 estudaram o efeito de campos visuais não confiáveis no recrutamento de pacientes hipertensos oculares e encontraram, entre 10647 campos avaliados, 283 não confiáveis, sendo 73,9% destes devidos à perda de fixação.
O objetivo deste trabalho é avaliar as variações nos índices globais e tempo de exame no teste de campo visual computadorizado, nos pacientes de mais de 70 anos de idade em comparação com pacientes com menos de 60 anos de idade.
MATERIAL E MÉTODO
Foi realizado um estudo dos exames de campo visual dos pacientes com mais de 70 anos e pacientes com idade inferior a 60 anos atendidos no Departamento de Oftalmologia do Hospital São Paulo (EPM-UNIFESP). Para a inclusão no estudo, os pacientes deveriam apresentar acuidade visual maior ou igual a 20/40. Foram examinados 56 pacientes acima de 70 anos de idade, 34 mulheres e 22 homens, (88 olhos) e 23 pacientes com idade inferior a 60 anos (46 olhos). Foram excluídos pacientes com acuidade visual menor que 20/40 ou alterações oculares que pudessem ter repercussão no campo visual, sejam alterações difusas ou localizadas (maculopatia, glaucoma). campo visual com alterações.
O campo visual foi realizado com o perímetro computadorizado Humphrey, modelo 630, com o programa 24-2, estímulo III branco. Os campos foram realizados com a refração atualizada de cada paciente.
A leitura e interpretação dos resultados dos testes foram avaliados pelo pacote de análise estatística ( STAPAC "Statistical Package"), comparando os limiares de sensibilidade do paciente e os limiares obtidos numa população normal, na mesma idade 7-8.
Considerou-se como exame não-confiável a presença de perdas de fixação superiores a 20%, respostas falso-positivas superiores a 33% e respostas falso-negativas superiores a 33% 9, 10.
Para comparação entre os grupos selecionou-se aleatoriamente 1 olho de cada paciente. Analisou-se o tempo do exame e os índices globais pelo teste de Mann-Whitney. Dentro do grupo de pacientes com idade acima de 70 anos, procedeu-se à comparação do tempo de exame e índices globais entre exames confiáveis e não-confiáveis pelo teste de Mann-Whitney, empregando-se 1 olho de cada paciente escolhido ao acaso. Entre os exames confiáveis bilaterais deste grupo foi procedido a mesma comparação pelo teste de Wilcoxon.
RESULTADOS
Foram selecionados 56 pacientes acima de 70 anos e 23 pacientes com idade inferior a 60 anos. A mediana das idades dos pacientes acima de 70 foi 77 anos, média 77,7 ± 5 variando entre 71 a 88 anos. Destes pacientes, 42 apresentaram exames confiáveis e 14 apresentaram exames não confiáveis. Todos pacientes com idade inferior a 60 anos (23 indivíduos) apresentaram campo visual confiável e apresentaram idade média de 50 ± 5 anos.
Observou-se que os pacientes do grupo acima de 70 anos necessitaram de um tempo estatisticamente maior para a realização do teste tanto para o olho direito quanto para o esquerdo (t geriatria OD = 11,8 ± 1,8 minutos, OE = 11,4 ± 1,4 minutos, t menores de 60 anos OD = 11,1 ± 1,9 minutos, OE = 10,8 ± 1,8 minutos, p OD = 0,04 e p OE = 0,009).
A comparação dos índices globais revelou diferença estatisticamente significante para o índice PSD em ambos os olhos (PSD geriátrico OD = 2,8 ± 1,2, OE = 2,7 ± 1,3, PSD menores de 60 anos OD = 2,0 ± 0,5, OE = 2,2 ± 1,0, p OD = 0,002 e p OE = 0,03). Nos olhos esquerdos o índice SF apresentou diferença estatisticamente marginal (p = 0,09) e nos olhos direitos observou-se significância para a comparação do CPSD (p =0,02). Não houve diferença para a comparação do MD (Tabela 1).
A principal razão para o exame não-confiável foi a perda de fixação. Entre os grupos de pacientes da geriatria com campo visual confiável e não-confiável houve diferença estatística no MD (p = 0,02), PSD (p = 0,002) e CPSD (p = 0,002) (Tabela 2).
Os pacientes do grupo confiáveis apresentaram a média de idade de 77,9 ± 4,8 anos e do grupo não-confiáveis 78,9 ± 4,5 anos.
Não houve diferença estatística no MD (p = 0,4), PSD (p = 0,9), SF (p = 0,7), CPSD (p = 0,9) e no tempo (p = 0,1), quando se comparou os olhos direito e esquerdo dos testes confiáveis dos pacientes da geriatria.
DISCUSSÃO E CONCLUSÕES
Foi aplicado o programa 24-2 para tentar reduzir o fator cansaço, que poderia vir a alterar os índices de confiabilidade, levando em consideração a faixa etária dos pacientes. Observou-se um tempo maior para a realização do exame em pacientes da geriatria. Isto pode ser explicado pela influência de fatores como aumento da dificuldade de compreensão do exame e fadiga que tendem a se agravar com a idade 6.
O MD não mostrou diferença estatística entre o grupo da geriatria e o grupo de pacientes com idade inferior a 60 anos como era de se esperar, tendo em vista que há uma correção dos valores de sensibilidade visual para cada faixa etária 4. Já a diferença estatística do PSD e CPSD entre os dois grupos sugere uma maior variação de sensibilidade nos pacientes da geriatria. Este achado sugere maior diferença de sensibilidade no campo visual pesquisado, o que talvez possa ser explicado em alterações senis.
Foram comparados os exames bilaterais dos olhos dos pacientes da geriatria para se afastar a possibilidade do efeito fadiga no 2º olho examinado. Como foi utilizado apenas 1 olho de cada paciente para a comparação com o grupo de pacientes com menos de 60 anos, existia possibilidade que fossem incluídos os 2º olhos, com piora dos resultados devido a fadiga do 2º olho 4. Pela análise dos resultados, tal efeito pôde ser afastado. Observou-se um maior tempo de duração do exame em pacientes da geriatria e valores de PSD e CPSD estatisticamente elevados sugerindo uma maior variação de sensibilidade no campo visual.
Neste estudo, o fator mais freqüente encontrado em exames não-confiáveis foi o excesso de perda de fixação (85,7%), o que é concordante com o apresentado por Bernardi e cols. e Katz e Sommer que referem (65% e 67% respectivamente) 7, 11. Ainda, foi observado uma média de tempo em exames confiáveis de 11,25 minutos. Bernardi 7 e cols. estudaram 214 campos visuais de pacientes com exame confiável e encontraram a média de tempo de 15,04 minutos. Entretanto, incluímos apenas pacientes com acuidade visual ³ 20/40, sem glaucoma ou qualquer alteração grave de retina.
Observou-se nos pacientes acima de 70 anos de idade, um maior tempo de exame e valores de PSD e CPSD estatisticamente mais elevados, sugerindo uma maior variação da sensibilidade no campo visual destes pacientes.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Estudo realizado no Departamento de Oftalmologia da Universidade Federal de São Paulo Escola Paulista de Medicina (EPM UNIFESP). Apoio da FAPESP.
1 Médico Estagiário do Setor de Glaucoma do Depto. de Oftalmologia, UNIFESP-EPM.
2 Prof. Titular do Depto. de Oftalmologia, UNIFESP-EPM.
3 Mestre e Doutor em Oftalmologia do Depto. de Oftalmologia, UNIFESP-EPM.
4 Mestre em Oftalmologia e Médico do Setor de Glaucoma do Departamento de Oftalmologia na UNIFESP-EPM.
5 Mestre, Doutor e Chefe do Setor de Glaucoma do Depto. de Oftalmologia UNIFESP. Professor orientador do Curso de Pós-graduação em Oftalmologia UNIFESP-EPM.
Endereço para correspondência: Dra. Maria Helena Mandello Carvalhaes. R. Jaci, 90 apto 83, Bloco 1. São Paulo (SP). CEP 04140-080. Telefax: (011) 5717320. E- mail: [email protected]