Open Access Peer-Reviewed
Editorial

Microscopia confocal in vivo no diagnóstico de ceratite fúngica: relato de caso

In vivo confocal microscopy in the diagnosis of fungal keratitis: case report

Gustavo Victor1; Milton Ruiz Alves2; Walton Nosé3

DOI: 10.1590/S0004-27492006000300021

RESUMO

Os autores relatam um caso em que a microscopia confocal in vivo ajudou no diagnóstico e acompanhamento de ceratite fúngica. Realizou-se a microscopia confocal in vivo em paciente com úlcera corneana, que há 30 dias estava sendo tratada, sem obter melhora com uso de diversos medicamentos tópicos. O paciente também tinha se submetido à coleta de material corneano para análise laboratorial, com resultado negativo e inconclusivo. Foi observado à microscopia confocal, hifas e coleções infecciosas fúngicas. Dez dias após o diagnóstico confocal, o resultado de nova coleta de material corneano revelou crescimento de Fusarium sp.

Descritores: Microscopia confocal; Córnea; Ceratite; Infecções oculares fúngicas; Fusarium; Relatos de caso [tipo de publicação]

ABSTRACT

The authors describe a case of fungal keratitis that the in vivo confocal microscopy helped in the diagnosis and follow-up. Confocal microscopy was done in a patient's ulcer that did not improve with several topical medicines. Corneal scrapings were obtained and culture results were without conclusion. We observed hyphae and infectious collections on confocal microscopy. New corneal culture showed Fusarium sp ten days after confocal diagnosis.

Keywords: Microscopy, confocal; Córnea; Keratitis; Eye infections, fungal; Fusarium; Case reports [publication type]


 

 

INTRODUCÃO

A ceratite fúngica pode acometer as camadas corneanas profundas, seu tratamento é, geralmente, prolongado e as medicações utilizadas são tóxicas, fazendo com que o diagnóstico precoce seja importante(1).

A microscopia confocal é uma importante ferramenta clínica não invasiva para o estudo de todas camadas corneanas, ajudando no diagnóstico e acompanhamento das doenças corneanas(1-8). Descreveremos a seguir, um caso de ceratite fúngica em que a microscopia confocal in vivo ajudou no diagnóstico e acompanhamento do tratamento.

 

RELATO DO CASO

Um paciente de 52 anos, masculino, refere irritação corneana em OE há trinta dias. Tinha sido tratado com uso tópico de antibiótico e posteriormente com associação de antibiótico e corticosteróide tópicos, sem obter melhora. Foi avaliado e tratado em mais dois outros serviços com uso tópico de tobramicina, cefalotina e gentamicina fortificados por doze dias, sem obter resultados satisfatórios. Então foi submetido à coleta de material corneano para análise laboratorial, sem resultado conclusivo. Com piora do quadro e desenvolvimento de úlcera corneana, foi referido a este serviço. Estava em uso tópico de ofloxacino a 0,3% de 4 em 4 horas, biguamida a 0,01% de 1 em 1 hora e de neomicina a 0,5% de 3 em 3 horas, há um dia.

Antecedentes pessoais: submeteu-se a LASIK em ambos os olhos há dois anos, ficando com -1,00 dioptria (D) em olho esquerdo. Teve descolamento de retina em olho esquerdo, submetido à vitrectomia com uso de gás e endolaser há 10 meses. Era usuário de lente de contato (LC) gelatinosa hidrofílica em olho esquerdo para correção de erro refrativo residual há 5 meses. Negava trauma ocular.

O paciente apresentou-se, à inspeção, com dor ocular e fotofobia, que dificultava a abertura espontânea das pálpebras. O olho direito (OD) apresentava acuidade visual sem correção (AVSC) 20/25 e com correção (-0,50 D) 20/20. O olho esquerdo (OE) apresentava AVSC de conta dedos a 50 cm, sem melhora com correção. A motilidade ocular extrínseca estava sem alterações. A pressão intra-ocular (PIO) era 12 mmHg em OD (tonometria de aplanação) e a medida bidigital da PIO de ambos os olhos estavam semelhantes (14:00 h). À biomicroscopia o OD apresentava: córnea transparente, lamela corneana pediculada bem posicionada, sem outras alterações de interesse; o OE apresentava: hiperemia conjuntival difusa com injeção ciliar, úlcera corneana com infiltrado esbranquiçado, medindo 3,5 mm de diâmetro, ovalada, atingindo o eixo visual e acometendo estroma do leito residual corneano (Figura 1). Não foram observadas alterações nas pálpebras, íris, cristalino e câmara anterior. O exame fundoscópico apresentou-se sem alterações em ambos olhos.

Na primeira avaliação neste serviço foi realizado exame de microscopia confocal in vivo (MC) em OE e nova coleta de material corneano para pesquisa laboratorial.

O MC utilizado foi ConfoScan 2.0® (Nidek® USA), equipado com lente objetiva Achroplan 40/0,75 W ¥/0. O seu manuseio e funcionamento já foram descritos anteriormente(9-10).

O exame microscópico in vivo da lesão no estroma anterior e médio revelou os seguintes achados: vários filamentos brancos medindo entre 200 e 400 µm em comprimento e entre 4 e 8 µm em espessura, paralelos ou inclinados até 45° ao plano corneano, alguns ceratócitos ativados, aumento da refletividade do compartimento extra-celular (Figura 2) e coleções infecciosas com bordas bem definidas, contendo áreas de diferentes intensidades de refletividade em seu interior (Figura 3), não pertencentes à anatomia normal corneana à MC, além de edema corneano que dificultou a observação de algumas regiões da córnea. Estes achados se limitavam à localização da lesão corneana. O exame da córnea sadia não revelou alterações.

Com estes achados, semelhantes a outros relatados na literatura(1,3-6,8), associando-se o quadro clínico do paciente, foi iniciado tratamento para ceratite fúngica. Foi prescrito uso tópico de pirimetamina a 5% e uso oral de cetoconazol, 400 mg/dia. O resultado da investigação laboratorial foram os seguintes:

Citologia: incontáveis polimorfonucleares neutrófilos íntegros e degenerados. Raros mononucleares. Numerosas células epiteliais em queratinização e queratinizadas. Muco. Fibrina. Presença de grânulos de eosinófilos.

Bacterioscopia: ausência de bactérias.

Cultura para bactérias: negativa após 10 dias de incubação.

Cultura para fungos (resultado obtido após 10 dias - Figura 4): Fusarium sp.

O paciente foi submetido a avaliação biomicroscópica diária e a três exames com a MC (o inicial, após 15 dias e com 60 dias), ficando apenas com leucoma na região acometida, sem mais os achados da microscopia.

 

DISCUSSÃO

Estima-se que um terço das úlceras corneanas supostamente infecciosas têm cultura negativa(11-12). Cerca de um quarto das culturas para fungos apresentam-se positivas apenas depois de 2 semanas(13). Essa demora no diagnóstico e tratamento pode contribuir para piora do prognóstico, inclusive favorecendo a possibilidade de perda da visão(14-15). A MC, contribuindo com achados clínicos sugestivos que orientem o início do tratamento específico, pode evitar que muitos dos olhos com ceratite fúngica apresentem evolução desfavorável(2-3,14). O diagnóstico pela microscopia confocal é difícil, mesmo quando o exame e sua interpretação sejam realizados por um operador experiente, podendo, algumas vezes, ser inconclusivo.

Neste estudo, a MC detectou hifas e coleções fúngicas. Alguns autores relatam que, nos estágios mais tardios de infecção corneana fúngica, a MC mostrou-se ser mais útil em revelar a presença da infecção do que a cultura no meio Sabouraud e a biópsia corneana. Outras técnicas para diagnóstico destes tipos de infecção foram descritas(3). A "Polymerase chain reaction" (PCR) tem sido usada para o diagnóstico de ceratite fúngica, mas geralmente é muito demorada, tecnicamente difícil de ser realizada e nem sempre obtém resultados consistentes(16). Outros estudos relatam o uso de diferentes técnicas de cultura no diagnóstico de ceratites fúngicas como o uso de hidróxido de potássio e calcofluor(17-19). A sensibilidade das diferentes técnicas de cultura nestes estudos variou de 71 a 93%, nos casos de culturas positivas(17-19).

Neste estudo, como em outros semelhantes(1-6), a MC mostrou-se uma importante ferramenta no diagnóstico, seguimento e acompanhamento do tratamento da ceratite fúngica. Esta investigação sugere que esta técnica rápida, segura e não invasiva, poderá diminuir a morbidade associada a esta doença agressiva e seu tratamento potencialmente tóxico.

 

REFERÊNCIAS

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Endereço para correspondência:
Gustavo Victor
Av. República do Líbano, 1034
São Paulo (SP) CEP 04502-001
E-mail: [email protected]

Recebido para publicação em 04.10.2005
Versão revisada recebida em 04.12.2005
Aprovação em 23.12.2005

 

 

Trabalho realizado no Eye Clinic Day Hospital - São Paulo (SP) - Brasil.
Nota Editorial: Depois de concluída a análise do artigo sob sigilo editorial e com a anuência do Dr. André Romano sobre a divulgação de seu nome como revisor, agradecemos sua participação neste processo.


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