Open Access Peer-Reviewed
Editorial

Implantes de polietileno gel e poroso em cavidade anoftálmica de coelhos

Gel and porous polyethylene implants in the rabbit anophthalmic cavity

Lucieni Cristina Barbarini Ferraz1; Silvana Artioli Schellini2; Sheila Lordelo Wludarski3; Carlos Roberto Padovani4

DOI: 10.1590/S0004-27492006000300004

RESUMO

OBJETIVO: Comparar implantes de polietileno poroso no estado sólido e gel em cavidades enucleadas. MÉTODOS: Trinta e seis coelhos albinos foram submetidos à enucleação do olho direito, recebendo esferas de polietileno poroso (18 animais) ou gel (18 animais), de 12 mm de diâmetro. Os animais foram avaliados semanalmente por exame clínico e mensalmente por ultra-sonografia modo B, realizada 30, 60 e 90 dias após a cirurgia, tendo sido os animais sacrificados aos 90 dias. Após o sacrifício, o conteúdo orbitário foi removido e examinado histologicamente. RESULTADOS: Cinco animais (27,2%) que receberam os implantes de polietileno poroso tiveram extrusão do implante. Houve extrusão em 94,4% dos animais que receberam a esfera de polietileno gel, tendo-se observado que o diâmetro das esferas gel extruídas encontrava-se aumentado em relação ao diâmetro da esfera implantada. A ultra-sonografia mostrou que o implante de polietileno poroso se vascularizou e que o gel não, o que foi confirmado pelo exame histológico. CONCLUSÃO: Esferas de polietileno no estado gel sofrem hidratação e aumentam de volume, sendo necessário conhecer o seu tamanho final antes da implantação. A ultra-sonografia permite conhecer a vascularização do implante, podendo ser usada na avaliação da integração esfera-hospedeiro.

Descritores: Polietilenos; Implantes orbitários; Coelhos; Ultra-sonografia

ABSTRACT

PURPOSE: To evaluate porous polyethylene implants as compared to solid and gel spheres in anophthalmic cavities. METHODS: Thirty-six white rabbits underwent a right eye enucleation with placement of 12 mm of porous (18 animals) or gel (18 animals) polyethylene spheres. The animals were submitted to weekly clinical evaluation. Ultrasound examinations were done 30, 60 and 90 days after surgery and the animals were sacrificed on the day 90th. Then, the orbit content was removed and submitted to light microscopy. RESULTS: Five animals (27.2%) which received porous polyethylene spheres presented sphere extrusion. With the gel polyethylene spheres, the extrusions happened in 94.4% of the animals and it was observed that the expelled gel spheres had higher diameter then the implanted ones. Ultrasound evaluation showed that the porous polyethylene implant becomes vascularized but the gel not, as confirmed by histological examination. CONCLUSION: Spheres of material in the gel state hydrate and increase in volume making it necessary to know the final size before the implantation. Ultrasound examination allows the evaluation of the implant-tissue integration.

Keywords: Polyethylenes; Orbital implants; Rabbits; Ultrasonography


 

 

INTRODUÇÃO

Os implantes são utilizados para reposição do conteúdo orbitário em cavidades anoftálmicas. Existem diversos tipos de implantes, tendo sido sugerido o uso de esferas integradas (hidroxiapatita, polietileno poroso), a partir da década de 80 do século passado(1).

Com qualquer dos implantes integrados existentes, há possibilidade de se desenvolver deiscência conjuntival(2-3). Várias são as causas para as deiscências, uma delas poderia ser ao fato de que os implantes se movimentam em conjunto com o conteúdo orbitário e as próteses externas poderiam ocasionar traumas repetidos para a superfície conjuntival(4).

Esferas que não fossem constituídas de materiais rígidos poderiam ter vantagens neste sentido. Assim, idealizou-se uma esfera composta por uma substância no estado gelatinoso, composta de polietileno gel, o que deixaria o contato entre a mucosa conjuntival e a prótese externa menos traumático.

Os implantes integrados sofrem vascularização progressiva, resultando na integração entre a esfera e o hospedeiro. A avaliação desta integração foi sugerida utilizando-se métodos de custo elevado, como a tomografia computadorizada ou a ressonância magnética(5-7). Em estudo prévio, foi possível constatar que há possibilidade de se avaliar a integração das esferas por meio de exames ultra-sonográficos(8).

Desta forma, o objetivo deste estudo foi observar a resposta à implantação de esferas de polietileno poroso no estado sólido e gelatinoso ou gel em cavidades enucleadas de coelhos, pesquisando a integração esfera-hospedeiro por meio de ultra-sonografia modo B.

 

MÉTODOS

Trinta e seis coelhos foram submetidos a enucleação do olho direito, tendo sido implantadas esferas de polietileno poroso (Polipore - Homus Biotecnologia-SP, Brasil) em 18 animais (Grupo PP) e polietileno gel (Polietigel - Homus Biotecnologia-SP, Brasil) em 18 animais (Grupo PG). Todas as esferas eram de 12 mm de diâmetro, tendo sido feitas pelo mesmo profissional e eram constituídas basicamente pela mesma substância química. No entanto, diferiam pelo estado da substância, uma vez que as esferas de polietileno gel apresentavam a substância no estado gel, contida no formato desejado por estar envolta por uma membrana que a circundava em 360 graus.

Os coelhos foram submetidos a avaliações clínicas semanais, exame ultra-sonográfico modo B 30, 60 e 90 dias após o procedimento cirúrgico, tendo sido sacrificados aos 90 dias após a cirurgia. Após o sacrifício, o conteúdo orbitário foi removido e preparado para exame histológico, usando a coloração de hematoxilina e eosina.

Os resultados obtidos foram avaliados segundo estatística descritiva, usando a técnica da Freqüência de Ocorrência(9).

 

RESULTADOS

Avaliação clínica

Grupo PP: houve extrusão da esfera de PP em cinco animais (27,2%) que receberam implantes de polietileno poroso, o que ocorreu 30 dias após a cirurgia. Havia deiscência conjuntival prévia em 2 deles (11,1%). Um dos coelhos deste grupo foi excluído por apresentar infecção sistêmica, não relacionada com o procedimento.

Grupo PG: houve extrusão da esfera de PG em 94,4% dos animais que a receberam, ou seja, apenas uma esfera permaneceu na cavidade até os 90 dias. As extrusões ocorreram nos primeiros dias após a cirurgia, sendo o período de maior freqüência de ocorrência por volta de 20 dias. Observou-se que, embora as esferas de Polietigel implantadas tivessem 12 mm de diâmetro, no momento da extrusão apresentavam diâmetro ao redor de 20 mm. Inflamação ou infecção orbitária não foram observadas nos animais que apresentaram extrusão da esfera.

Avaliação ultra-sonográfica

A avaliação pelo ultra-som modo B mostrou:

Grupo PP: vascularização dentro das esferas, com resposta do hospedeiro preenchendo os poros da esfera até a região central aos 30 dias após a cirurgia, com moderada refletividade (40-60%). A refletividade se manteve até os 90 dias após a cirurgia, época em que a imagem se mostrou mais eco-densa, com estrutura interna do implante irregular e com atenuação acústica (Figura 1).

 

 

Grupo PG: as esferas de PG não se vascularizaram durante o período de seguimento. Houve baixa refletividade no interior das esferas e alta refletividade na porção posterior ao implante até os 90 dias após a cirurgia (Figura 2).

 

 

Avaliação histológica

Grupo PP: a avaliação histológica das esferas de PP mostrou fibroblastos e células inflamatórias no interior das esferas, de forma que, nos animais de 30 dias, estas células encontravam-se mais na periferia do implante, mas já alcançavam a área central. Nos de 60 dias, a esfera já possuía resposta fibrovascular em todo o seu interior e aos 90, a reação tecidual era mais densa. As esferas eram circundadas por uma pseudocápsula constituída por fibroblastos (Figura 3).

 

 

Grupo PG: houve somente uma esfera que chegou ao final do período idealizado para estudo. O exame histológico desta esfera mostrou material inerte, sem reação fibrovascular no seu interior. Ao redor desta esfera, observou-se pseudocápsula constituída por fibroblastos (Figura 4).

 

 

DISCUSSÃO

Este estudo comparou esferas de polietileno poroso no estado sólido e esferas de polietileno em sua forma gelatinosa. Embora as esferas possuíssem a mesma estrutura química, as esferas de PG eram envoltas por uma membrana lisa, usada para conter o polietileno gel. Este implante não é rígido, como o polietileno poroso, tendo sido idealizado partindo-se do pressuposto de que as esferas rígidas poderiam ter um contato mais traumático com a prótese externa, o que favoreceria as deiscências e extrusões.

Porém, a avaliação clínica já mostrou que este tipo de implante deve sofrer modificações, uma vez que 94,4% das esferas sofreram extrusão, sem que houvessem sinais flogísticos. Além disso, as esferas apresentavam-se com diâmetro bastante aumentado no momento da expulsão. Desta forma, considerou-se que a principal causa da extrusão do implante no estado gel foi o aumento de volume da esfera após a implantação, ocorrido, provavelmente, pela hidratação do material.

O implante aumentou em tamanho, pressionando e causando deiscência da sutura por força mecânica, o que resultou na expulsão do mesmo. Outro fato que reforça esta hipótese seria o período em que ocorreram as extrusões – logo nos primeiros dias após a implantação, sem que houvesse tempo para "rejeição" do material por fenômenos imunes.

Se o material se hidrata após a colocação, poderiam ser implantadas esferas menores. A colocação de esferas de diâmetro menor seria tecnicamente mais fácil, com necessidade de incisões menores. Porém, há necessidade de se conhecer o grau de hidratação da substância para que se tenha um controle do tamanho final que a esfera vai atingir quando estiver no seu estado definitivo.

A integração dos implantes com o hospedeiro pode ser atestada pelo grau de vascularização das esferas, comprovado por meio de métodos histológicos(10-12) ou exames de imagem, como a tomografia ou a ressonância magnética(5-7).

Por outro lado, pouco se comenta sobre a possibilidade de observar a vascularização no interior das esferas usando métodos não invasivos, como a ultra-sonografia, método já sugerido por outros(8).

A vascularização do implante de polietileno poroso ocorre no primeiro mês de implantação(12-13) e, por causa disso, no presente estudo optou-se por iniciar a avaliação ultra-sonográfica com 30 dias. Confirmando a eficiência do método, o uso desta técnica possibilitaria obter informações a respeito da esfera para estudos in vivo.

O implante de polietileno poroso, quando vascularizado, mostrou picos de refletividade baixa, semelhantes ao sangue(14), permitindo conhecer que o Polipore® recebe aumento gradual de neovasos e o Polietigel® não se vasculariza. Portanto, este é um exame que pode ser incorporado às pesquisas como um dos indicativos de que o implante está recebendo vascularização, ou seja, está se integrando ao hospedeiro.

A avaliação histológica confirmou que o material recebe a resposta fibrovascular do hospedeiro e que existe a integração com as esferas de PP. A única esfera de PG estudada, não se vascularizou. A causa para isso poderia ser a membrana usada como envoltório da esfera gel que não foi efetiva para impedir sua hidratação, mas que impediu a integração tecidual que ocorre por células maiores e que não conseguiram transpor aquela membrana.

 

CONCLUSÕES

Esferas em estado gel podem sofrer hidratação e aumentar de volume. Mais estudos devem ser feitos para determinar o volume final das esferas que se hidratam, para que se conheça qual seria o volume ideal da esfera a ser utilizada. A ultra-sonografia pode ser utilizada como método indicativo da vascularização da esfera.

 

REFERÊNCIAS

1. Karesh JW, Dresner SC. High-density porous polyethylene (Medpor) as a successful anophthalmic socket implant. Ophthalmology. 1994;101(10):1688-95; discussion 1695-6.        

2. Shields CL, Shields JA, De Potter P. Hydroxyapatite orbital implant after enucleation. Experience with initial 100 consecutive cases. Arch Opthalmol. 1992;110(3):333-8.        

3. Shields CL, Shields JA, De Potter P, Singh AD. Problems with the hydroxyapatite orbital implant: experience with 250 consecutive cases. Br J Ophthalmol. 1994;78(9):702-6.        

4. Schellini SA, Xavier AP, Hoyama E, Rossa R, Pellizon C, Marques ME, Padovani CR. Gelatinous polyethylene in the treatment of the anophthalmic cavity. Orbit. 2002;21(3):189-93.        

5. Ainbinder DJ, Haik BG, Mazzoli RA. Anophthalmic socket and orbital implants. Role of CT and MR imaging. Radiol Clin North Am. 1998;36(6):1133-47, xi.        

6. De Potter P, Duprez T, Cosnard G. Postcontrast magnetic resonance imaging assessment of porous polyethylene orbital implant (Medpor). Ophthalmology. 2000;107(9):1656-60.        

7. Flanders AE, De Potter P, Rao VM, Tom BM, Shields CL, Shields JA. MRI of orbital hydroxyapatite implants. Neuroradiology. 1996;38(3):273-7.        

8. Yamamoto ES, Hoyama E, Schellini SA, Padovani CR. Avaliação ultra-sonográfica do implante orbitário em cavidade anoftalmica. Rev Bras Oftalmol. 2001;60(9):637-42.        

9. Norman GR, Streiner DL. Biostatistics: the bare essentials. St. Louis: Mosby; 1994.        

10. Mawn LA, Jordan DR, Gilberg S. Proliferation of human fibroblasts in vitro after exposure to orbital implants. Can J Ophthalmol. 2001;36(5):245-51.        

11. Rubin PA, Popham JK, Bilyk JR, Shore JW. Comparison of fibrovascular ingrowth into hydroxyapatite and porous polyethylene orbital implants. Ophthal Plast Reconstr Surg. 1994;10(2):96-103.        

12. Schellini SA, Marques ME, Padovani CR, Taga EM, Rossa R. Comparison of synthetic hydroxyapatite and porous polyethylene implants in eviscerated rabbit eyes. Ophthal Plast Reconstr Surg. 2003;19(2):136-9.        

13. Murray TG, Cicciarelli NL, Croft BH, Garonzik S, Voigt M, Hernandez E. Design of a magnetically integrated microporous implant. Arch Ophthalmol. 2000;118(9):1259-62.        

14. Byrne SF, Green RL. Examination techniques for the orbit. In: Byrne SF, Green RL. Ultrasound of the eye and the orbit. St. Louis: Mosby; 2002. p.15-45;273-89.        

 

 

Endereço para correspondência:
Silvana Artioli Schellini
Departamento de OFT/ORL/CCP
Faculdade de Medicina de Botucatu - UNESP
Botucatu (SP)
Cep 18618-970
E-mail: [email protected]

Recebido para publicação em 27.06.2005
Aprovação em 11.07.2005

 

 

Este trabalho é parte da Dissertação de Mestrado da autora e recebeu auxílio da CAPES para sua execução.
Nota Editorial: Depois de concluída a análise do artigo sob sigilo editorial e com a anuência da Dra. Ana Estela Besteti Pires Ponce Sant'Anna sobre a divulgação de seu nome como revisora, agradecemos sua participação neste processo.


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