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Editorial

Facoemulsificação do primeiro e segundo olho: critérios de indicação e resultados

Phacoemulsification of first and second eye: indication criteria and results

Ana Catarina Delgado de Souza1; Rita Flávia Araújo Nicodemos2; Catarina Ventura1; João Eudes Tavares; Carlos Teixeira Brandt1

DOI: 10.1590/S0004-27492006000200007

RESUMO

OBJETIVO: Comparar critérios de indicação, complicações intra e pós-operatórias, resultados visuais obtidos e intervalo de tempo entre cirurgias do primeiro e segundo olho submetidos a facoemulsificação durante curva de aprendizado de um cirurgião. MÉTODOS: Estudo prospectivo de 96 olhos de pacientes submetidos à cirurgia de catarata bilateral, pela técnica de facoemulsificação, no período de abril/2001 a março/2002, de forma consecutiva, por residente do terceiro ano. A mesma técnica cirúrgica foi realizada em todos pacientes. Na análise estatística foram utilizados os testes: qui-quadrado, Mann-Whitney, Kruskal-Wallis, comparações múltiplas de Dunn e t de Student. Todos foram bicaudais e considerados significantes quando p<0,05. RESULTADOS: A indicação cirúrgica foi realizada mais precocemente no segundo olho (melhor acuidade visual) (p=0,016). O tempo médio de facoemulsificação do primeiro olho operado foi significantemente maior que o do segundo olho (p=0,026). Não houve diferença estatisticamente significante entre os grupos em relação ao grau de catarata, doença ocular prévia, acuidade visual final e equivalente esférico médio. As complicações intra e pós-operatórias apresentaram incidências menores no segundo olho, apesar de não alcançar significância estatística (p=0,07). O intervalo de tempo entre a cirurgia do primeiro e segundo olho foi significativamente menor ao longo dos trimestres (p<0,001). CONCLUSÕES: Ao longo dos trimestres, os pacientes foram submetidos à cirurgia do segundo olho mais precocemente (melhor acuidade visual e menor intervalo de tempo entre as cirurgias), apresentaram tempo de facoemulsificação menor e tendência a terem menores complicações intra e pós-operatórias.

Descritores: Extração de catarata; Facoemulsificação; Implante de lente intra-ocular; Cuidados pós-operatórios; Fatores de tempo

ABSTRACT

PURPOSE: To compare indication criteria, intra- and postoperative complications, visual outcomes and time interval between the first and second eye surgery (phacoemulsification). METHODS: Prospective study was done in 96 eyes of patients who underwent bilateral consecutive phacoemulsification surgery, performed by a third-year ophthalmology resident. An established protocol was filled out before, during and after the surgery. The same surgical technique was used. Chi-squared, Mann-Whitney, Kruskal-Wallis, Dunn multiple comparison and Student's t tests were used for statistical analysis. Bicaudal tests were used in all situations. p<0.05 rejected the null hypothesis. RESULTS: The indication for the second eye surgery was done earlier and with best correct visual acuity when compared with the first eye (p=0.016). The mean phacoemulsification ultrasound time (US time) of the first eye was significantly higher (p=0.026). There were no statistically significant differences between the two groups in relation to type of cataract, previous intraocular diseases, final visual acuity and mean spherical equivalent. The incidence of intra- and postoperative complications was smaller in the second eye, but was not statistically significant (p=0.07). Time interval between the first and second eye surgery was significantly lower along the trimesters. CONCLUSION: The patients underwent the second eye phacoemulsification surgery earlier (with better visual acuity and shorter time interval), had a shorter phacoemulsification time and tendency to be followed by less intra- and postoperative complications.

Keywords: Cataract extraction; Phacoemulsification; Lens implantation, intraocular; Postoperative care; Time factors


 

 

INTRODUÇÃO

A facoemulsificação e implante de lente intra-ocular têm aumentado rapidamente em popularidade entre os cirurgiões, inclusive nos países em desenvolvimento, como o Brasil(1-12).

Há diversos motivos que fazem da facoemulsificação a técnica mais utilizada em cirurgias de catarata no mundo, entre eles, pode-se citar a menor incisão, menos trauma ao olho, além de rapidez do ato cirúrgico e da recuperação visual(2,4,6).

Por outro lado, há necessidade de familiarização e aprendizado no manuseio do equipamento para o cirurgião iniciante, o que pode gerar complicações intra-operatórias nos primeiros casos(1-2,4,6-9,11-12).

Enquanto os benefícios da cirurgia de catarata no primeiro olho já estão bem estabelecidos e relatados em diversos estudos, os critérios de indicação da cirurgia no segundo olho variam consideravelmente(10).

Acredita-se que haja diferença entre o primeiro e o segundo olho operados em relação à intensidade da catarata, ao grau de acuidade visual e ao número de complicações à medida que o cirurgião vai obtendo mais experiência na técnica(10).

Assim, o objetivo deste estudo foi comparar os critérios de indicação, as complicações intra e pós-operatórias, os resultados visuais obtidos e o intervalo de tempo entre as cirurgias do primeiro e segundo olho, de pacientes submetidos a facoemulsificação durante a curva de aprendizado de um cirurgião iniciante.

 

MÉTODOS

Foi realizado estudo prospectivo de pacientes submetidos à cirurgia de catarata bilateral, pela técnica de facoemulsificação, no período de abril de 2001 a março de 2002, de forma consecutiva, por um mesmo residente do terceiro ano, em fase de aprendizado, em serviço de residência em oftalmologia no nordeste do Brasil.

Um formulário pré-estabelecido (contendo perguntas sobre acuidade visual pré e pós-operatórias no primeiro e segundo olho, doenças oculares prévias, classificação das cataratas, tempo de ultra-som utilizado, lente intra-ocular implantada e complicações pós-operatórias imediatas e tardias, em ambos os olhos) foi preenchido, pelo mesmo cirurgião antes da cirurgia, durante a cirurgia e nas visitas pós-operatórias. O período de acompanhamento máximo foi de 11 meses.

Foram excluídos do estudo os pacientes operados apenas uma vez pelo residente em questão, os submetidos a cirurgias combinadas (catarata e glaucoma) e os portadores de catarata traumática ou congênita ou cristalino subluxado.

Todos os pacientes assinaram um termo de consentimento livre e esclarecido declarando-se ciente da pesquisa e permitindo a divulgação de seus dados.

Os pacientes foram submetidos à anestesia peribulbar e à cirurgia pré-estabelecida de facoemulsificação. A técnica consistiu de incisão córneo-escleral tunelizada, capsulorrhexis, hidrodissecção, facoemulsificação pela técnica dividir e conquistar (parâmetros iniciais mantidos, com certa flexibilidade dependendo da catarata, utilizado o aparelho Universal II - Alcon), aspiração automatizada de massas corticais e implante de lente intra-ocular de acrílico, de 5,5 mm de zona óptica no saco capsular.

A melhor acuidade visual corrigida pré e pós-operatórias, os tipos de opacificação dos cristalinos e os tempos de ultra-som utilizados em cada cirurgia foram anotados, assim como as complicações intra e pós-operatórias dos dois olhos operados de cada paciente e o intervalo de tempo entre as cirurgias.

Na análise estatística foi utilizado o teste do qui-quadrado e o de Mann-Whitney para a comparação de variáveis categóricas. Utilizou-se ainda o teste de Kruskal-Wallis e o teste de comparações múltiplas de Dunn. Para observar possíveis diferenças entre as médias das variáveis contínuas foi utilizado o teste "t" de Student. Todos os testes foram bicaudais e considerados significantes quando p<0,05.

 

RESULTADOS

Do total de 112 pacientes (160 olhos) submetidos a facoemulsificação por um mesmo residente, no período de um ano, 96 olhos foram operados bilateralmente (60%) e incluídos neste estudo. A idade média destes 48 pacientes foi de 63,2 (desvio padrão: 7,6) e o gênero feminino representou 58% da população. Em relação à procedência, 74,8% moravam na região metropolitana do Recife e 25,2% eram do interior do Estado. O percentual de aposentados correspondeu a 35,3%; de trabalhadoras do lar a 41,8% e de profissionais liberais a 22,9%.

O olho direito foi o primeiro olho operado em 32 pacientes (66,7%).

Nos 96 olhos estudados observou-se pior acuidade visual corrigida no exame pré-operatório do primeiro olho (Gráfico 1). A acuidade visual pré-operatória foi pior ou igual a 20/200 em 45,8% dos casos no primeiro olho e em 27,1% no segundo olho. A indicação cirúrgica foi realizada com melhor acuidade visual no segundo olho do que no primeiro olho, com significância estatística (p=0,016).

 

 

Os olhos foram comparados em relação à presença de doenças oculares prévias à cirurgia, tais como: glaucoma, retinopatia hipertensiva e diabética, coroidose mióptica, lesão macular. Não houve diferença estatisticamente significante entre os dois grupos.

A classificação dos tipos de opacificações cristalinianas (grau da catarata, que foi subjetivamente classificada de acordo com o grau de densidade óptica dos núcleos, sendo a menor densidade descrita como núcleo-esclerose (NS) + e a maior, que impedia a observação das estruturas posteriores ao cristalino, como NS ++++, e as opacificações intermediárias correspondendo a graus progressivos de dificuldade de observar as estruturas posteriores ao cristalino, como NS de ++ e +++) foi similar nos dois grupos, não apresentando diferença estatística, conforme tabela 1.

 

 

Durante a cirurgia o tempo de ultra-som da facoemulsificação foi anotado e posteriormente calculado, observando-se que o tempo médio do primeiro olho operado foi significativamente maior que o tempo de facoemulsificação do segundo olho. (p=0,026) (Tabela 2).

 

 

A lente intra-ocular foi implantada na câmara posterior (no saco capsular) em todos os pacientes e apenas nos casos de perda da capsulorrexis a lente intra-ocular foi implantada no sulco capsular.

A presença de complicações intra-operatórias foi comparada entre os dois grupos (primeiro e segundo olho), observando-se que as piores complicações ocorreram no primeiro olho, tais como: ruptura capsular com perda vítrea, descolamento de Descemet e perda da rhexis e este resultado foi estatisticamente significante (Tabela 3).

 

 

As freqüências das complicações verificadas no período de pós-operatório imediato foram estatisticamente significantes e distribuídas na tabela 4. As complicações mais freqüentes foram edema central e estrias (duas vezes mais freqüente no primeiro olho que no segundo), hipertensão imediata e vítreo na câmara anterior só no primeiro olho e vazamento da incisão só no segundo olho operado (teste exato de Fisher, p=0,026). Dentre os olhos operados primeiro, foi observada a presença de 34 olhos (70,8%) sem qualquer tipo de problema pós-operatório e dentre os segundos olhos, 39 (81,2%) não apresentaram complicações.

 

 

O período médio de seguimento foi de 3,7 meses (erro padrão da média: 0,41). O exame pós-operatório mais recente foi utilizado para a análise estatística.

A acuidade visual corrigida, um mês após a cirurgia, foi distribuída segundo a tabela 5. Os segundos olhos apresentaram tendência para melhor acuidade visual, entretanto, este resultado não foi estatisticamente significante. Nove olhos, dentre os 48 operados pela segunda vez, não retornaram para o exame final e refração.

 

 

Em relação à refração final, não houve diferença estatisticamente significante entre os equivalentes esféricos médios do primeiro e segundo olho, sendo de: +0,26 com desvio padrão de 0,84 e +0,28 com desvio padrão de 1,12, respectivamente.

O resultado do teste de Kruskal-Wallis indica que as distribuições do tempo (em dias) das cirurgias do primeiro e segundo olho foram diferentes entre os trimestres (p<0,001). Assim, no primeiro trimestre o intervalo de tempo entre as cirurgias do primeiro e segundo olho de cada paciente foi de 132 dias, no segundo trimestre de 72 dias, no terceiro de 43 dias e no quarto de 36 dias. Entretanto, ao comparar o primeiro com o segundo trimestre, o segundo com o terceiro e o terceiro com o quarto trimestre, o teste de comparações múltiplas de Dunn revelou diferença estatisticamente significante apenas entre o segundo e o terceiro trimestre (p<0,05). O gráfico 2 demonstra a distribuição do tempo entre as cirurgias do primeiro e do segundo olho de acordo com os trimestres.

 

 

DISCUSSÃO

A cirurgia de catarata é o procedimento cirúrgico mais freqüente na terceira idade em países desenvolvidos, mesmo quando comparadas com outras cirurgias não oftalmológicas(10).

Entretanto, há grande variação em relação ao tipo de técnica utilizada, aos equipamentos e recursos financeiros disponíveis, às próprias características demográficas da população, etc. Além disto, há significante diferença nos critérios de indicação das cirurgias, dependendo da localização geográfica do país(10). Observou-se que países como Estados Unidos, Canadá e Dinamarca operam seus pacientes com acuidade visual corrigida pré-operatória muito melhor que em outros países como por exemplo Espanha (que apresentou baixa acuidade visual pré-operatória: 20/200 ou pior em 59,1% dos casos)(13). Neste estudo esta acuidade visual pré-operatória também foi melhor que a verificada na Espanha (45,8% dos casos no primeiro olho e 27,1% no segundo).

Adicionalmente a esta heterogenicidade nos critérios de indicação da cirurgia de catarata, também há variação entre os dois olhos dos pacientes: demonstrou-se neste estudo que a indicação cirúrgica do segundo olho é realizada quando o paciente tem acuidade visual melhor do que a que determinou a indicação cirúrgica para o primeiro olho. Este fato pode ser explicado pela maior exigência visual do paciente, após perceber a melhora da função visual do primeiro olho. Sabe-se que os benefícios para operar o primeiro olho em relação à acuidade visual e à função visual são bem estabelecidos, enquanto o mesmo não ocorre em relação ao segundo olho(10). Por outro lado, a melhora comprovada da função visual e a binocularidade (estereopsia) prevalecem quando se opera bilateralmente(10).

Houve registro de precocidade na indicação na cirurgia não só em relação à acuidade visual, como também em relação ao tempo entre as duas cirurgias. Quando se comparou o intervalo de tempo entre as cirurgias e os trimestres do ano em que foram realizadas, observou-se uma tendência do cirurgião a indicar a segunda cirurgia cada vez mais cedo (tempo médio do primeiro trimestre foi de 132 dias entre as cirurgias e do quarto trimestre foi de 36 dias).

Um fator que pode interferir na antecipação para realizar a segunda cirurgia pode ser a autoconfiança do cirurgião, ao longo da curva de aprendizado, que cada vez mais se sente seguro e habilitado para indicar a cirurgia após poucos dias da primeira. Outro fator importante que deve ser considerado é a precocidade da indicação na tentativa de evitar repetir os exames pré-operatórios, que normalmente vencem com três meses. Desta forma, o paciente se propõe a realizar a segunda cirurgia dentro deste prazo.

Estudo espanhol demonstrou, diferentemente destes resultados, um longo tempo entre as duas cirurgias, com média de 18,8 meses(10). Os autores espanhóis sugerem que 20 a 40% dos pacientes vão se submeter à cirurgia do segundo olho dentro de 12 meses após o primeiro olho, discordando dos resultados obtidos nesta investigação onde 60% foram operados bilateralmente em um ano de seguimento(10).

Os autores reconhecem que a pequena amostra de pacientes deste estudo não demonstrou poder suficiente para provar significância estatística em relação às complicações intra e pós-operatórias e à acuidade visual final entre o primeiro e o segundo olho. Desta forma, a análise destes dados estão sendo continuadas seguindo o mesmo protocolo, a fim de aumentar a casuística e a significância do estudo.

Apesar da classificação dos tipos de opacificações do cristalino ter sido similar nos dois grupos deste estudo, acredita-se que cataratas mais densas têm maior risco de complicações e são as operadas primeiro(5-6). O maior tempo de ultra-som utilizado na facoemulsificação do primeiro olho, além de significar menor experiência do cirurgião no início do treinamento, também sugere que a catarata estava mais madura que a do segundo olho.

 

CONCLUSÕES

Neste estudo, os pacientes foram submetidos à cirurgia do segundo olho mais precocemente (melhor acuidade visual e menor intervalo de tempo entre as duas cirurgias), apresentaram tempo de facoemulsificação menor e tendência a terem menores complicações intra e pós-operatórias.

 

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Endereço para correspondência:
Ana Catarina Delgado de Souza
R. Amaro Albino Pimentel, 85
Recife (PE)
CEP 51020-120
E-mail: [email protected]

Recebido para publicação em 25.08.2003
Versão revisada recebida em 19.09.2005
Aprovação em 02.12.2005

 

 

Trabalho realizado na Fundação Altino Ventura e SEOPE Zona Sul.
Nota Editorial: Depois de concluída a análise do artigo sob sigilo editorial e com a anuência do Dr. John Helal Jr. sobre a divulgação de seu nome como revisor, agradecemos sua participação neste processo.


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