Bráulio Folco Telles de Oliveira1; Silvane Bigolin; Murilo Barreto Souza; Mariza Polati2
DOI: 10.1590/S0004-27492006000100014
RESUMO
OBJETIVO: Avaliar os prontuários dos pacientes com estrabismo sensorial em aspectos variados, como etiologia, tipo e medida do desvio, correlação do tipo do desvio com a idade de aparecimento da doença de base, e resultado cirúrgico dos casos operados. MÉTODOS: Avaliação dos prontuários médicos dos pacientes com estrabismo sensorial atendidos no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo - USP - no setor de Motilidade Ocular Extrínseca, no período de setembro de 1990 a julho de 2002. RESULTADOS: Foram avaliados 84 pacientes masculinos e 107 femininos; o diagnóstico mais freqüente para baixa visual foi coriorretinite atrófica em 49 casos. Oitenta e sete pacientes tinham exotropia e 97 tinham esotropia. Oitenta e dois pacientes tiveram cirurgia indicada, e 50 foram operados. Em 42 deles, foi constatado sucesso cirúrgico de 90,5% (desvio longe e perto menor ou igual a 15 dioptrias prismáticas). CONCLUSÕES: O bom resultado cirúrgico observado neste e em outros estudos reforça a necessidade da correção cirúrgica nesses casos.
Descritores: Esotropia; Percepção de profundidade; Estrabismo; Acuidade visual; Resultado de tratamento
ABSTRACT
PURPOSE: To evaluate the charts of patients with sensorial strabismus regarding range of different aspects, such as etiology, the type and the amount of deviation, relationship between the type of deviation and the patient's age when the disease occurred and the surgical outcome. METHODS: A retrospective analysis of data charts of 191 patients seen at the section of Ophthalmology at the University of São Paulo, from September 1990 to July 2002. RESULTS: There were 84 male and 107 female patients. The most frequent diagnosis responsible for low vision in the squinted eye was atrophic chorioretinitis in 49 patients. Eighty-seven were exotropes and 97 were esotropes. Fifty patients were operated on, but 8 of them were lost to follow-up. In 90.5% the surgical outcome was successful: less than 15 prismatic diopters of hyper or undercorrection after surgery. CONCLUSIONS: The good surgical outcome seen in this and other studies enhances and justifies the need for surgical correction of this type of strabismus.
Keywords: Esotropia; Depth perception; Strabismus; Visual acuity; Treatment outcome
INTRODUÇÃO
Estrabismo sensorial é aquele secundário à baixa visão em um ou ambos os olhos, excluindo ambliopia estrabísmica e refracional simétrica. A etiologia desse tipo de estrabismo é variada. Vários autores têm relatado os benefícios obtidos com a correção cirúrgica desse tipo de estrabismo(1-2), que não estão relacionados ao tratamento da diplopia, de desvios intermitentes ou com a criação de melhores condições para fusão e estereopsia, mas podem contribuir, em vários aspectos, para melhorar a qualidade de vida dos pacientes(3-5). Não há, na literatura, trabalhos que demonstrem especificamente os resultados da cirurgia para o estrabismo sensorial.
Esse estudo tem como objetivo avaliar as características dos pacientes portadores de estrabismo sensorial, e os resultados obtidos com o tratamento cirúrgico.
MÉTODOS
Foram avaliados retrospectivamente os prontuários médicos de todos os pacientes com diagnóstico de estrabismo sensorial, atendidos no setor de Motilidade Ocular Extrínseca do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HCFMUSP), no período de setembro de 1990 a julho de 2002.
Os parâmetros avaliados foram: idade, sexo, diagnóstico, tipo e valor dos desvios, cirurgia indicada, tempo para indicação cirúrgica e resultados cirúrgicos. Os critérios de sucesso cirúrgico adotados foram: desvio final entre menor ou igual a 15 dioptrias prismáticas (DP) longe e perto, e tempo mínimo de seguimento pós-operatório de 6 meses.
Para análise estatística foi utilizado o teste de Mann-Whitney, e adotado o nível de significância de 95%.
RESULTADOS
Foram selecionados 191 prontuários dos 3.591 pacientes atendidos no período definido, o que corresponde a 5,3% dos casos. A idade dos pacientes variou entre 7 meses e 66 anos (média de 15,5 anos, com desvio padrão (dp) de 14,2 anos); 84 (44%) pacientes eram do sexo masculino e 107 (56%) do sexo feminino. Os diagnósticos mais freqüentes estão listados na tabela 1.
No exame da motilidade ocular extrínseca, foi medida a magnitude do desvio pelo método de Krimsky (original e/ou modificado), para longe (L) e para perto (P), sem e com correção, quando o paciente usava óculos. Foi feita a avaliação das rotações binoculares e a observação da existência ou não de variações alfabéticas pelo reflexo de luz na córnea. O tipo de desvio e o número de pacientes em cada grupo estão relatados na tabela 2. Os gráficos 1 e 2 mostram a distribuição da magnitude dos desvios, nas esotropias (ET) e nas exotropias (XT), respectivamente.
Comparando-se a idade de aparecimento da doença, observamos que a média da idade dos portadores de ET sensorial é menor que a dos portadores de XT sensorial, em níveis estatisticamente significantes (p<0,001). Considerando os valores dos desvios observados nas XT como negativos, e os observados nas ET como positivos, e criando-se um gráfico com os valores dos desvios representados no eixo das ordenadas e a idade dos pacientes no eixo das abscissas, foi calculada reta de regressão linear para estudo da relação entre a idade e o tipo de desvio observado. Esta reta apresentou coeficiente angular de -0,49, sugerindo uma tendência à esotropia em idades mais precoces e à exotropia em idades mais avançadas. Isso se explica pela grande influência da acomodação em idades mais precoces, que facilita a convergência, enquanto que mais tardiamente, com a diminuição do poder acomodativo, há uma progressiva tendência à divergência.
A acuidade visual no pior olho variou entre 0,2 e ausência de percepção luminosa (SPL).
Dos 191 pacientes atendidos, 82 (43%) tiveram cirurgia indicada durante a evolução de seu acompanhamento, e o tempo médio entre o início do tratamento e a indicação cirúrgica foi de 10 meses (dp=19,24 meses). Desses pacientes, 23 perderam o seguimento, 9 não foram operados até o momento, e 50 foram submetidos à cirurgia de correção.
A cirurgia foi realizada no olho não fixador com exceção de 2 casos de XT, com desvios com valores de 60 e 80 DP, em que a cirurgia foi bilateral. Entre os 50 pacientes operados, todos aqueles com diferença nos desvios longe-perto de no máximo 10 DP (45 pacientes) foram submetidos à cirurgia com ajuste no per-operatório.
Dos 50 pacientes operados, 4 perderam seguimento e 4 ainda não tiveram 6 meses de seguimento pós-operatório, tendo sido excluídos da análise. Tomando como parâmetro de sucesso os critérios mencionados anteriormente, em 38 casos (90,5%) o resultado cirúrgico foi satisfatório: 22 pacientes ficaram com desvio de até 10 DP e 16 entre 10 e 15 DP.
Houve apenas um caso de hipercorreção: o paciente tinha no pré-operatório XT de 50 DP para longe e 60 DP para perto, tendo sido submetido a retrocesso do reto lateral de 7 mm e ressecção do reto medial de 8 mm. No 6º mês pós-operatório apresentava ET de 20 DP para longe e perto. As hipocorreções estão listadas na tabela 3.
DISCUSSÃO
Vários obstáculos são colocados à correção cirúrgica do estrabismo em pacientes sem prognóstico de binocularidade, ou que não necessitem de alívio de sintomas como diplopia ou os secundários a desvios intermitentes, havendo a tendência de classificá-la como cirurgia estética. No entanto, muito há na literatura sobre as vantagens e os benefícios trazidos para esses pacientes.
Kushner relata expansão do campo visual bilateral em 34 de 35 pacientes adultos portadores de ET congênita, após a correção cirúrgica. Outro trabalho(3) cita esses resultados de Kushner e tenta estabelecer relação com casos de degeneração macular relacionada à idade, sugerindo que pacientes portadores dessa doença e com ET também poderiam se beneficiar da expansão de campo visual após a correção do estrabismo. Da mesma forma, pacientes com desvios secundários a outras doenças poderiam obter os mesmos resultados(6).
Alguns autores argumentam que o estrabismo não significa apenas um comprometimento da estética ou uma variação do normal, e sim uma anormalidade(1,4), chegando até a classificá-lo como uma deformidade, como é a polidactilia ou uma massa tumoral benigna na face(1).
Os efeitos psicossociais do estrabismo sobre o ser humano são bem conhecidos: auto-estima pobre e dificuldade no contato interpessoal, que podem interferir no sucesso profissional, e até mesmo acarretar diminuição das oportunidades de emprego e ascensão no mercado de trabalho(1,3-4). Um estudo sobre o impacto da cirurgia de estrabismo em adultos demonstrou a baixa auto-estima desses pacientes, e também a melhora significativa desse aspecto após a cirurgia(5).
Não há na literatura artigos específicos sobre os resultados da correção do estrabismo sensorial. Alguns autores mostraram que a ambliopia não tratada, na esotropia infantil, é fator que talvez colabore para o insucesso da cirurgia(7). Deste modo, o fato de no estrabismo sensorial sempre haver pelo menos um olho com acuidade visual comprometida pode indicar prognóstico não satisfatório para o sucesso cirúrgico. Entretanto, baseando-se nos resultados desse estudo, observa-se que o sucesso da cirurgia foi maior que 90%, mesmo nos casos com desvios maiores de 50 DP. Acredita-se que a boa avaliação pré-operatória de cada paciente, associada aos avanços da cirurgia do estrabismo (fios absorvíveis, suturas ajustáveis, anestesia, etc.), propiciem melhores resultados(4), principalmente em pacientes com esotropia de grande ângulo com perda visual unilateral(2).
CONCLUSÃO
De acordo com os índices de sucesso cirúrgico observados neste e em outros estudos, concluímos que a correção do estrabismo sensorial é fortemente justificada.
REFERÊNCIAS
1. Hunter DG. Benefits of strabismus surgery in patients with one blind eye [letter]. Arch Ophthalmol. 1995;113(4):404. Comment in: Arch Ophthalmol. 1994;112(5):599-600.
2. Meireles-Teixeira JA, Cunha RP, Mendonça TS. Resultados da correção cirúrgica de esotropias de grande ângulo em portadores de baixa de acuidade visual unilateral. Arq Bras Oftalmol. 2000;63(5):365-8.
3. Baker JD. The value of adult strabismus correction to the patient. J AAPOS. 2002;6(3):136-40.
4. Helveston EM. The value of strabismus surgery. Ophthalmic Surg. 1990; 21(5):311-7.
5. Burke JP, Leach CM, Davis H. Psychosocial implications of strabismus surgery in adults. J Pediatr Ophthalmol Strabismus. 1997;34(3):159-64.
6. Kushner BJ. Binocular field expansion in adults after surgery for esotropia. Arch Ophthalmol. 1994;112(5):639-43. Comment in: Arch Ophthalmol. 1994;112(5): 599-600.
7. Trigler L, Siatkowski RM. Factors associated with horizontal reoperation in infantile esotropia. J AAPOS. 2002;6(1):15-20.
Endereço para correspondência:
Bráulio Falco Telles de Oliveira
Av. Paes de Barros, 470 - Apto. 71
São Paulo (SP) CEP 03114-000
E-mail: [email protected]
Recebido para publicação em 14.04.2004
Versão revisada recebida em 16.05.2005
Aprovação em 22.07.2005
Trabalho realizado no Serviço de Motilidade Ocular Extrínseca, Disciplina de Oftalmologia, Departamento de Oftalmologia e Otorrinolaringologia. Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo - USP - São Paulo (SP) - Brasil.
Nota Editorial: Depois de concluída a análise do artigo sob sigilo editorial e com a anuência do Dr. Ronaldo Boaventura Barcellos sobre a divulgação de seu nome como revisor, agradecemos sua participação neste processo.