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Editorial

Avaliação da qualidade de corte do microceratótomo Masyk® na confecção de lamela corneana pediculada em olhos porcinos

Evaluation of the cut quality of the Masyk® microkeratome in obtaining corneal flap from porcine eyes

Gustavo Victor1; Milton Ruiz Alves2; Walton Nosé3

DOI: 10.1590/S0004-27492006000100002

RESUMO

OBJETIVO: Avaliar a qualidade de corte do microceratótomo Masyk® na confecção de lamela corneana pediculada em olhos porcinos. MÉTODOS: Realizou-se estudo prospectivo na Eye Clinic Day Hospital (São Paulo, Brasil) em 31 olhos porcinos divididos em 2 grupos: 15 olhos nos quais se utilizou a plataforma de 160 µm e anel de sucção de 9,5 mm de diâmetro (Grupo 1) e 16 olhos, submetidos à plataforma de 140 µm e anel de sucção de 8,5 mm de diâmetro (Grupo 2). As espessuras efetivas das lamelas foram aferidas pelo paquímetro P55 (Paradigm, EUA) e os diâmetros verticais do leito estromal com compasso cirúrgico. RESULTADOS: Não ocorreram complicações durante a utilização do microceratótomo e não foram identificadas lamelas livres, perfuradas ou incompletas. No grupo 1, a média das espessuras efetiva foi de 146,33 ± 15,43 µm, com variação entre 127 e 186 µm. A média das medidas do diâmetro vertical do leito residual foi de 9,39 ± 0,26 mm, com variação entre 8,90 e 9,85 mm. No grupo 2, a média das espessuras efetiva foi de 128,75 ± 18,83 µm, com variação entre 71 e 178 µm. A média das medidas do diâmetro do leito residual foi de 8,27 ± 0,20 mm, com variação entre 7,95 e 8,65 mm. CONCLUSÃO: O microceratótomo Masyk® mostrou-se eficaz e seguro em confeccionar lamelas corneanas pediculadas de espessura e diâmetros adequados em olhos porcinos.

Descritores: Ceratomileuse assistida por excimer laser in situ; Ceratectomia fotorrefrativa por excimer laser; Córnea; Microcirurgia

ABSTRACT

PURPOSE: Evaluation of the cut quality of the Masyk® microkeratome in obtaining corneal flap from porcine eyes. METHODS: Prospective study with 31 porcine eyes divided into two groups: 15 eyes with programmed flap thickness of 160 µm and 9.5 mm diameter (Group 1), and 16 eyes with programmed flap thickness of 140 µm and 8.5 mm diameter (Group 2). Corneal thickness was calculated with a P55 pachymeter (Paradigm, USA) and the diameter with compass. RESULTS: No complications were observed during the use of the microkeratome. In group 1, the central corneal thickness mean was 146.33 ± 15.43 µm, range between 127 and 186 µm, and the vertical diameter mean was 9.39 ± 0.26 mm, range from 8.90 to 9.85 mm. In group 2, the central corneal thickness mean was 128.75 ± 18.83 µm, range from 71 to 178 µm, and the vertical diameter mean was 8.27 ± 0.20 mm, range from 7.95 to 8.65 mm. CONCLUSION: The Masyk® microkeratome showed to be effective and safe to produce corneal flaps with appropriate thickness and diameter in porcine eyes.

Keywords: Keratomileusis, laser in situ; Keratectomy, photorefractive, excimer laser; Cornea; Microsurgery


 

 

INTRODUÇÃO

Mudando a curvatura da córnea e seu poder refrativo, Barraquer desenvolveu a "keratomileusis" miópica(1). Ele usou um microceratótomo (MK) para criar uma lamela corneana livre e processá-la com o cryolato, após congelá-la. Duas décadas e meia após, Ruiz e Rowsey(2) modificaram este sistema, tornando automatizada a passagem da cabeça do MK sobre o anel de sucção. Isto proporcionou passagem à velocidade constante da cabeça do MK sobre a córnea, levando à confecção de superfícies mais regulares. Desta forma pode-se fazer uma lamela corneana livre e, em seguida, outra, com efeito refrativo, diretamente no leito residual corneano. Com o desenvolvimento do excimer laser, Pallikaris et al associaram a criação de lamela corneana à ablação refrativa pelo excimer laser no leito estromal corneano: "laser in situ keratomileusis" (LASIK)(3). Com o avanço na tecnologia de excimer laser para ablação corneana, o LASIK tornou-se mais acurado(4-7). Os MKs ganharam popularidade e o LASIK é atualmente a cirurgia refrativa mais praticada em todo o mundo para a correção de miopia baixa ou moderada, astigmatismo e hipermetropia(6-7). As principais complicações no LASIK ocorrem durante o uso dos MKs(8-10). Recentemente, um novo modelo de MK foi desenvolvido(11): o "micro automated system keratome" (Masyk®, Loktal, São Paulo, Brasil). O objetivo deste estudo é avaliar a reprodutibilidade da espessura e diâmetro da lamela corneana pediculada confeccionada com o MK Masyk®, assim como sua segurança em confeccioná-las.

 

MÉTODOS

Estudo realizado na Eye Clinic Day Hospital (São Paulo, Brasil), aprovado pelo Conselho de Ética da Faculdade de Medicina da Universidade Metropolitana de Santos, onde se avaliou a qualidade do corte feito pelo microceratótomo Masyk® (Figura 1). Este MK tem taxa de oscilação de 17.200 oscilações/minuto e o avanço da cabeça é de 3,4 mm/segundo. O ângulo de ataque é de 25°. Utilizou-se o MK para confecção de lamela corneana pediculada em 31 olhos porcinos frescos, divididos em 2 grupos: 15 olhos onde se utilizou a plataforma de 160 µm e anel de sucção de 9,5 mm de diâmetro (Grupo 1), e nos 16 olhos restantes, utilizou-se a plataforma de 140 µm e anel de sucção de 8,5 mm de diâmetro (Grupo 2).

 

 

Preparação dos olhos

Os olhos porcinos foram retirados imediatamente após os animais serem mortos em abatedouro. As ceratectomias foram realizadas em até 10 horas após a retirada dos olhos. O epitélio foi cuidadosamente checado, antes e após as cirurgias. Olhos com defeitos epiteliais foram excluídos do estudo para evitar viés na aferição da espessura das lamelas corneanas pediculadas. Os olhos foram colocados em um módulo cirúrgico para fixação. Este módulo é composto de um suporte plástico para o olho, preso a um outro suporte de madeira de 10 cm2. No fundo do suporte para os olhos, há, presa, uma agulha que se comunica com o humor vítreo, atravessando o nervo óptico. Esta agulha se comunica, externamente, a um sistema de infusão, para controle da pressão ocular (PO) (Figura 2). A PO foi mantida em 20 mmHg. Para aferição da espessura da lamela corneana pediculada, foram realizadas três medidas com o paquímetro P55 (Paradigm, EUA), subtraindo-se a espessura corneana central pré-operatória da espessura corneana central sem a lamela corneana pediculada, aferida logo após o término de cada procedimento. Para a medida do diâmetro vertical do leito estromal utilizou-se paquímetro digital Mitutoyo (São Paulo, Brasil), que tem alcance de 0 a 15 cm e resolução de 10 µm. Utilizou-se uma lâmina nova para cada procedimento (Bausch & Lomb, EUA). Todas as aferições foram feitas por um único examinador.

 

 

Técnica cirúrgica

As ceratectomias foram realizadas pelo mesmo cirurgião. As cirurgias foram realizadas como todos os olhos fossem olhos direitos, para reduzir o viés relativo à experiência e dominância do cirurgião. Após a preparação dos olhos, o MK foi posicionado sobre o olho e apertou-se o pedal de vácuo para a apreensão do anel de sucção ao olho. Em seguida, foi checada a PO com tonômetro de Barraquer. Colocou-se uma gota de solução salina balanceada (BSS®, Alcon) sobre a córnea, e apertou-se o pedal de avanço para a confecção da lamela corneana. Após o término da translação, e com o pedal de avanço pressionado, o motor do MK pára e inverte o sentido de rotação, e a cabeça do MK recua à posição original.

Para a análise dos resultados construiu-se um banco de dados com o Microsoft® Excel 2000.

 

RESULTADOS

O manuseio do MK foi fácil, não ocorrendo problemas durante a sua utilização. As translações foram uniformes. Não foram observadas lamelas livres, perfuradas ou incompletas. O cirurgião teve controle visual parcial da lamela enquanto esta estava sendo confeccionada.

No grupo 1, a média das espessuras efetiva foi de 146,33 ± 15,43 µm, com variação entre 127 e 186 µm. A média das medidas do diâmetro vertical do leito residual foi de 9,39 ± 0,26 mm, com variação entre 8,90 e 9,85 mm. No grupo 2, a média das espessuras efetiva foi de 128,75 ± 18,83 µm, com variação entre 71 e 178 µm. A média das medidas do diâmetro vertical do leito residual foi de 8,27 ± 0,20 mm, com variação entre 7,95 e 8,65 mm (Tabela 1). Não houve nenhuma complicação durante os procedimentos.

 

 

DISCUSSÃO

As principais complicações em LASIK são causadas durante o uso dos MKs(6,8-10).

Para evitar a maioria das complicações, é necessária alta reprodutibilidade da espessura e diâmetro da lamela corneana pediculada realizada pelo MK. Muitos estudos têm investigado as vantagens dos diferentes sistemas de MKs(12-17). O Masyk® tem algumas vantagens interessantes. Um maior número de plataformas de corte (130, 140, 160, 180, 200, 250, 300, 350, 400, 450 e 500 µm) possibilitando o uso deste aparelho em ceratomileusis mais profundas, onde se deseja remoção de opacidades estromais profundas, por exemplo. Associado ao fato de que o mesmo aparelho pode ser utilizado em uma câmara artificial desenvolvida e disponibilizado pelo mesmo fabricante, para confecção automática de lamelas corneanas doadoras de diversas espessuras. Outra vantagem é a possibilidade de regular o tamanho do pedículo da lamela corneana. Esta regulagem pode ser alterada por meio de um parafuso abaixo do eixo excêntrico, com ajustes de 0,16 mm ao tamanho do pedículo, até a programação de confecção de lamelas livres. Neste estudo, não houve nenhuma complicação do tipo de lamela corneana livre. A possibilidade de o cirurgião ver a lamela corneana que está sendo confeccionada sair por uma abertura logo atrás da plataforma de aplanação proporciona outra vantagem a este sistema se por ventura a máquina travar ou produzir uma lamela livre. Neste primeiro caso poderar-se-á deixar de pressionar o pedal de avanço da cabeça do aparelho, soltar o vácuo do anel de sucção e, observando a lamela, retirar cuidadosamente o aparelho do olho operado sem arrancar ou danificar a lamela. Outra vantagem é que o Masyk® não precisa de nenhum tipo de montagem sobre o olho, visto que o anel de sucção já está montado no aparelho. O cirurgião deve estar atento para que não haja movimento da mão no momento em que a cabeça do aparelho estiver passando sobre a córnea(11).

As variações da espessura da lamela corneana pediculada são importantes para correção de moderadas e altas ametropias, assim como em reoperações. Como a lamela não contribui para a estabilidade biomecânica da córnea e um leito estromal residual menor que 250 µm pode resultar em ectasia corneana progressiva(18-20), esta variabilidade da espessura da lamela pode interferir na segurança do LASIK. Em olhos porcinos, a variabilidade da espessura e diâmetro da lamela corneana pediculada com o Masyk® foi semelhante à encontrada na literatura(12,14,21-22) (Ver Quadro). Pode haver diferenças nas aferições entre estudos realizados in vivo ou in vitro, pela diferente elasticidade, tipos de colágeno e hidratação tecidual entre animais. Córneas de porco mostraram maior compressibilidade e elasticidade devido a ausência da camada de Bowman(23). Neste estudo, foi checada a PO com tonômetro de Barraquer antes da passagem do MK. Na literatura pesquisada não encontramos estudos correlacionando PO com tonômetro de Barraquer em olhos humanos e olhos porcinos.

Neste estudo, o corte do microceratótomo Masyk® mostrou-se reprodutível, previsível e seguro em confeccionar lamelas corneanas pediculadas de espessura e diâmetros adequados em olhos porcinos.

 

REFERÊNCIAS

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Endereço para correspondência:
Gustavo Victor
Av. República do Líbano 1034
São Paulo (SP)
CEP 04502-001
E-mail: [email protected]

Recebido para publicação em 01.04.2005
Versão revisada recebida em 11.07.2005
Aprovação em 16.08.2005

 

 

Trabalho realizado no Eye Clinic Day Hospital - São Paulo (SP) - Brasil.
Os autores não têm nenhum interesse comercial no produto em estudo.
Nota Editorial: Depois de concluída a análise do artigo sob sigilo editorial e com a anuência dos Drs. Fábio Henrique Cacho Casanova e Vinícius Coral Ghanem sobre a divulgação de seus nomes como revisores, agradecemos sua participação neste processo.


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