Hugo Soares Maia1; Remo Turchetti1; Moysés Zajdenweber3; Oswaldo Ferreira Moura Brasil1
DOI: 10.1590/S0004-27492005000400027
RESUMO
Relatamos o uso da terapia fotodinâmica com verteporfirina em neovascularização coroidiana subfoveal secundária a coriorretinopatia serosa central. O paciente apresentou melhora da acuidade visual (0,5 para 1,0) 30 dias após a primeira sessão. Depois de 141 dias, apresentou reativação da membrana, sendo submetido a nova sessão, obtendo melhora da acuidade visual (0,5 para 1,0) após 30 dias. O quadro mantém-se inalterado há 20 meses. A terapia fotodinâmica pode ser eficiente no tratamento de neovascularização coroidiana secundária a coriorretinopatia serosa central.
Descritores: Doenças da coróide; Neovascularização coroidal; Neovascularização coroidal; Doenças retinianas; Descolamento retiniano; Fotoquimioterapia; Agentes fotossensibilizantes; Porfirinas
ABSTRACT
We report the use of photodynamic therapy with verteporfin for subfoveal choroidal neovacularization in central serous chorioretinopathy. Visual acuity improved (0.5 to 1.0) 30 days after the first session. After 141 days, the choroidal neovascularization reactivated and the patient was retreated. Again, visual acuity improved (0.5 to 1.0) 30 days afterwards. It remains stable after 20 months. Photodynamic therapy can be efficient in the treatment of choroidal neovascularization in central serous chorioretinopathy.
Keywords: Choroid diseases; Choroidal neovascularization; Choroidal neovascularization; Retinal diseases; Retinal detachment; Photochemotherapy; Photosensitizing agents; Porphyrins
INTRODUÇÃO
A coriorretinopatia serosa central (CRSC) é uma doença idiopática caracterizada pelo acúmulo de fluido na área macular, causando descolamento seroso da retina neurossensorial, do epitélio pigmentário da retina (EPR) ou de ambos. Seus aspectos clínicos foram descritos pela primeira vez em 1866 por von Graefe com o nome de "retinite sifilítica central recidivante"(1).
A CRSC atinge principalmente homens(2-3) (relação homem/mulher varia de 2,6 a 9) na faixa etária de 20 a 45 anos(4-5) com altos níveis de ansiedade e estresse emocional. Sua associação com o uso de corticosteróides(3,6) e hipercortisonismo endógeno já foi descrita(7).
O principal sintoma é a diminuição de acuidade visual, geralmente unilateral, podendo variar de 0,8 a 0,1, sendo possível a correção com lentes positivas(4). Encontramos ainda que com menor freqüência metamorfopsia, discromatopsia, micropsia e escotoma central. O sinal característico da CRSC é a elevação da retina neurossensorial na região macular com acúmulo de líquido transparente (90% dos casos) ou turvo (10% dos casos) no espaço sub-retiniano(8).
O diagnóstico clínico é feito através da biomicroscopia da região macular, utilizando lente de Goldmann, que nos possibilita observar área elevada em pólo posterior com coleção de líquido sub-retiniano, sendo que geralmente o reflexo foveal está alterado. Em alguns olhos observamos pequenas áreas amareladas e bem delimitadas situadas abaixo do descolamento da retina neurossensorial, correspondendo ao descolamento do EPR. O diagnóstico pode ser confirmado através de exames complementares como: angiofluoresceinografia, angiografia com indocianina verde e pela tomografia de coerência óptica (OCT).
A angiofluoresceinografia tem papel importante na avaliação e confirmação da CRSC, uma vez que pode excluir doenças que levam ao descolamento neurossensorial de retina(9). A angiografia com indocianina verde também pode auxiliar no diagnóstico da CRSC e afastar outras doenças, principalmente nos casos em que a angiografia fluoresceínica não for conclusiva(10). A OCT é um exame complementar não invasivo que produz imagens de corte seccional das estruturas oculares in vivo(11), útil na avaliação da CRSC(12-14), na medida que permite o monitoramento objetivo do curso clínico do descolamento seroso que ocorre nesta doença, e fundamental em casos de descolamentos planos, quando o diagnóstico pela biomicroscopia pode ser difícil e a angiofluoresceinografia pode não mostrar pontos de vazamento(15).
O prognóstico visual geralmente é bom, com ou sem o tratamento, no entanto um percentual pequeno dos pacientes pode permanecer com perda visual importante(16). A neovascularização sub-retiniana (NVSR) é uma possível complicação da CRSC que deve ser identificada e tratada precocemente já que pode causar perda visual central severa e irreversível(17). A perda da visão central ocorre devido ao extravasamento de sangue, lipídio, fluido e conseqüente formação de cicatriz disciforme na área macular. Entre as opções terapêuticas, a fotocoagulação com laser pode ser utilizada em NVSR quando esta não ultrapassa a zona avascular foveal, e inibindo seu crescimento até o centro da mácula, diminui o risco de perda visual central. Este efeito benéfico inicial pode ser perdido com o passar do tempo devido à recorrência da NVSR ou à ampliação progressiva de atrofia do EPR nas margens da área tratada, que pode atingir a zona avascular foveal e causar perda visual adicional.
A terapia fotodinâmica com verteporfirina vem demonstrando ser uma opção para o tratamento de neovascularização coroidiana subfoveal e justafoveal porque tem a capacidade de atingir seletivamente a membrana neovascular sem, no entanto, lesar a retina sobrejacente(18). O tratamento consiste na infusão endovenosa da verteporfirina, que é uma droga fotossensível, seguida da sua ativação com laser, ocasionando a obliteração dos neovasos coroidianos, especialmente quando estes são recentes e com proliferação ativa(19).
Relatamos neste estudo um paciente com CRSC idiopática complicada com membrana neovascular sub-retiniana foveal submetida à terapia fotodinâmica com verteporfirina (PDT).
MÉTODOS
Os autores avaliaram um paciente com suspeita clínica de CRSC realizando exame oftalmológico completo, acrescido de biomicroscopia posterior com lente de contato de Goldmann, tela de Amsler, angiofluoresceinografia e angiografia com indocianina verde.
O paciente foi tratado com duas sessões de PDT utilizando-se os seguintes parâmetros: 6 mg/m2 de área corpórea (dose de 12,2 mg) e mira de 1.600 mm, em intervalo de 141 dias.
RELATO DO CASO
L.J.C., branco, masculino, 48 anos, engenheiro, com queixa de baixa de visão no olho direito (OD) há três dias e metamorfopsia. A melhor acuidade visual corrigida (AVc) foi de 0,6 no OD e 1,0 no olho esquerdo (OE). A biomicroscopia do segmento anterior, pressão intra-ocular, reflexos pupilares e motilidade ocular extrínseca eram normais. Observamos à biomicroscopia posterior do OD com lente de contato de Goldmann descolamento bolhoso de retina na área macular, com coleção sub-retiniana de fluido transparente além da perda do reflexo foveal. A fundoscopia do OE não apresentava anormalidades. O paciente referiu distorções em ondas da tela de Amsler no OD. Diante deste quadro clínico foi feita a hipótese diagnóstica de CRSC, e realizado angiografia fluoresceínica que revelou área de vazamento de corante em "mancha de tinta" na região justafoveal nasal do OD, confirmando o diagnóstico. Optamos pela conduta expectante tendo em vista a localização desfavorável do ponto de vazamento.
Após dois meses, o paciente referiu nova piora na visão do OD, quando apresentava AVc OD de 0,5. Realizamos nova angiofluoresceinografia e angiografia com indocianina verde que evidenciaram neovascularização sub-retiniana subfoveal (figuras 1 e 2). Uma vez feito este diagnóstico, optamos pelo PDT e 30 dias após a primeira sessão o paciente apresentava AVc OD de 1,0 e a membrana neovascular mostrava-se inativa à angiografia fluoresceínica. Após 141 dias da primeira sessão de PDT, o paciente relatou piora da visão, apresentando novamente AVc OD de 0,5 e sinais angiográficos compatíveis com neovascularização sub-retiniana. Foi realizada a segunda sessão de PDT e 30 dias após, o paciente apresentava AVc OD de 1,0 e membrana neovascular inativa. O quadro manteve-se inalterado até a última consulta, 20 meses após a segunda sessão de PDT (figura 3).
DISCUSSÃO
Mostramos neste relato, um paciente com CRSC idiopática não submetido a fotocoagulação que apresentou uma rara complicação, a neovascularização sub-retiniana, tendo este apresentado uma boa evolução com o emprego de PDT(20).
Embora o diagnóstico da CRSC tenha sido clínico, a angiofluoresceinografia nos possibilitou excluir outros diagnósticos diferenciais e orientar a conduta inicial, já que mostrou com precisão o ponto de vazamento de corante no EPR.
A CRSC geralmente tem resolução espontânea(21), porém vários estudos(22-24) mostraram que a duração do descolamento seroso e sua recorrência podem ser abreviados com a fotocoagulação do ponto de vazamento. Embora a terapia com fotocoagulação seja segura e eficaz, complicações desta terapêutica são relatadas(25-26). O prognóstico visual geralmente é bom, com ou sem o tratamento, sendo que apenas poucos pacientes sofrem perda visual importante(16).
O PDT tem se mostrado efetivo na obliteração de neovascularização coroidiana tanto em modelos animais quanto em humanos(17). Trabalhos relatam que é uma opção terapêutica de resultados favoráveis, comprovados em estudos randomizados, em pacientes com neovascularização coroidiana secundária à degeneração macular relacionada à idade e miopia patológica(27-29). Outras causas incluem síndrome de Vogt-Koyanagi-Harada(30), estrias angióides(31) e, síndrome da histoplasmose ocular(32).
Este relato de caso mostra que a terapia fotodinâmica com a verteporfirina pode ser uma opção terapêutica eficiente com bom resultado funcional na NVSR secundária a CRSC. Devemos considerar como fatores limitantes deste estudo o relato de único caso, o tempo de acompanhamento curto e a falta de grupo controle, que nos impossibilita conclusões definitivas sobre o benefício visual do PDT nesta situação. Estudos controlados e randomizados devem ser realizados para uma melhor avaliação da terapia com verteporfirina.
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Endereço para correspondência
Instituto Brasileiro de Oftalmologia (IBOL)
Praia de Botafogo, 206
Rio de Janeiro (RJ) CEP 22250-040
E-mail: [email protected]
Recebido para publicação em 13.03.2003
Versão revisada recebida em 15.09.2004
Aprovação em 15.06.2005
Trabalho realizado no Setor de Retina e Vítreo do Instituto Brasileiro de Oftalmologia (IBOL). Rio de Janeiro (RJ).