Mônica Weyll1; Regina Cele Silveira2; Nilson Lopes da Fonseca Júnior3
DOI: 10.1590/S0004-27492005000400015
RESUMO
OBJETIVOS: Estudos em centros oftalmológicos têm sido realizados com a finalidade de decifrar as principais causas e características epidemiológicas do trauma ocular. Nestes estudos observa-se uma variação na distribuição epidemiológica do trauma ocular e uma carência na educação e conscientização da sociedade sobre as medidas preventivas no Brasil. O objetivo deste estudo é identificar a incidência do trauma ocular aberto no serviço de emergência do Complexo Hospitalar Padre Bento de Guarulhos. MÉTODOS: Este é um estudo transversal descritivo realizado no período de setembro de 2003 a abril de 2004. Foram incluídos no trabalho, todos os pacientes atendidos no PS de Oftalmologia com diagnóstico de trauma ocular aberto. Foram obtidos alguns dados sobre o paciente: idade, sexo, profissão, uso de equipamento de trabalho, uso de óculos, uso de cinto de segurança, tipo de acidente, olho acometido, tempo decorrido até o primeiro atendimento oftalmológico e qual o primeiro local de atendimento. RESULTADOS: A média de idade foi de 34,35 anos, sendo o sexo masculino o mais acometido (87%). O acidente automobilístico foi o mais freqüente. A baixa acuidade visual foi importante fator de procura precoce pelo serviço de emergência, sendo que 92,3% dos pacientes o fizeram em menos de 12 horas de decorrido o trauma. CONCLUSÃO: O trauma penetrante corneano foi o tipo de lesão ocular mais observado. Os pacientes mais acometidos são adultos jovens, do sexo masculino, vítimas de acidente automobilístico, sendo o olho direito o mais acometido. A complicação imediata mais observada foi a baixa acuidade visual.
Descritores: Ferimentos oculares penetrantes; Serviço hospitalar de emergência; Córnea; Acidentes de trânsito
ABSTRACT
PURPOSE: This study tends to identify the incidence of ocular open trauma at the emergency service of the "Complexo Hospitalar Padre Bento of Guarulhos, SP". METHODS: It is a descriptive transversal study performed in a period of four months at the "Complexo Hospitalar Padre Bento". All patients admitted at the emergency room with a diagnosis of open ocular trauma were included. After ophthalmologic examination, all patients hospitalized, with intravenous antibiotic therapy, occlusive tamper and preparation for surgery. RESULTS: Twenty-three patients with ocular perforating trauma were attended. Mean age was 34.35 years, with males representing 87.00% of all cases. Motor vehicle accidents were the most frequent type of trauma with 43.50% of the patients. Visual acuity loss was an important predictor of looking for early medical emergency service, with 92.30% of the patients doing this in less than twelve hours. CONCLUSION: Penetrating corneal trauma was the most frequent. Open ocular trauma was more frequent in young men, victims of automobile accident. The right eye was the most affected. Low vision was the mostly observed immediate complication.
Keywords: Eye injuries, penetrating; Emergency service, hospital; Cornea; Accidents, Traffic
INTRODUÇÃO
O trauma ocular aberto é definido como perda de continuidade da túnica externa ocular em toda a sua espessura(1-4). A túnica externa ocular é constituída pela córnea e esclera(1-3).
Estudos em centros oftalmológicos têm sido realizados com a finalidade de decifrar as principais causas do trauma ocular, bem como outras características epidemiológicas(2,4-29). De modo geral, tem sido detectada uma freqüência alta de trauma ocular aberto em adultos jovens e no sexo masculino(2,4-25).
Nos Estados Unidos, dois grandes sistemas de registro atualmente rastreiam a ocorrência do trauma ocular em quase todo o Estado: o NETS (National Eye Trauma System) e o USEIR (United States Eye Injury Registry)(5-7,10).
O NETS é um sistema que integra diversos centros de oftalmologia do Estado americano com a missão de melhorar o manejo dos pacientes com trauma ocular severo, bem como estimular a pesquisa neste assunto(2,5-6). O critério para entrar nesse sistema é que o trauma seja aberto, acometendo córnea e/ou esclera(2). O registro dos casos é feito voluntariamente pelo centro oftalmológico regional, que integra o consórcio NETS(2,5). Através deste sistema, é possível monitorar as causas e características do trauma elaborando um correto manejo do mesmo, através de tratamento adequado, bem como medidas educacionais voltadas para a sociedade(2,5-6).
O USEIR é um sistema de dados como o NETS; é englobado por 39 dos 50 estados americanos(7,9-11). O USEIR registra os dados do paciente no momento do atendimento e durante os seis meses de acompanhamento(10). Seu critério de inclusão é a presença de lesão ocular severa resultando em perda funcional e/ou anatômica permanente e significante(10). O estudo deste registro desde sua fundação em 1988 até 1998 tem revelado uma mudança na epidemiologia do trauma ocular, quanto ao local mais freqüente de ocorrência, no estado americano(10). Trabalhos realizados nos anos 80 demonstraram uma taxa de acidente de trabalho alta, comparado a outras categorias de local de acidente(7,9-11). Nos anos 90, começou a ocorrer uma substituição do trauma ocular por acidente de trabalho pelo trauma doméstico, como principal causa(10). Isso tem ocorrido nos Estados Unidos, devido ao uso de óculos de proteção durante o trabalho(10). Ao contrário de países subdesenvolvidos, como o Brasil, o acidente automobilístico não configura uma causa importante de trauma ocular aberto, provavelmente devido à conscientização da sociedade através de medidas preventivas e educacionais, como o uso do cinto de segurança(7,9-11).
O EIRA (The Eye Injury Registry of Alabama), sistema desenvolvido no estado do Alabama para uso dos centros oftalmológicos locais, tem como finalidade o registro dos casos de trauma ocular aberto severos(11). O USEIR surgiu deste sistema para então ser integrado aos demais estados americanos consorciados(10).
Outros estudos também foram realizados nos Estados Unidos com o objetivo de traçar o perfil epidemiológico do trauma ocular nestas regiões(7-9). Todos estes estudos americanos, incluindo também o EIRA, foram importantes para a criação dos sistemas de registro do trauma aberto nos Estados Unidos(2,5-6,10).
No período de 1989 a 1991 foram registrados todos os casos de perfuração ocular atendidos na região oeste da Suécia(26). Em Israel, foi realizado um estudo prospectivo de 1981 a 1983 no qual além de avaliar a epidemiologia de tais traumas, observaram o tempo de internamento hospitalar dispendido por estes pacientes(27).
Estudos do trauma ocular infantil mostram que a classe social na qual convive a criança e o nível de escolaridade dos pais influi na gravidade do trauma(29). A baixa idade está relacionada a um pior prognóstico visual final(4), sendo que de um modo geral, mais da metade das crianças com perfuração ocular evoluem com visão final maior ou igual a 20/200(4,28-29).
O trauma ocular aberto é um problema de saúde pública, acometendo, em sua maioria, adultos jovens(12-18,27). Conseqüentemente, as repercussões social e econômica são grandes já que está associado à incapacidade temporária ou mesmo permanente do olho acometido(12-15,27).
As causas de trauma ocular variam em sua freqüência de acordo com as regiões estudadas e a época em que houve implementação de medidas preventivas aos diversos tipos de acidentes(13-16), como, por exemplo, os acidentes automobilísticos e o uso do cinto de segurança.
No Brasil não existe um sistema unificado de registro de trauma ocular, como se pode inferir pela literatura nacional sobre o tema(12-17,19-25). Os estudos são realizados em diversos centros oftalmológicos com o objetivo de traçar o perfil epidemiológico do trauma ocular no país(12-17,19-25). Estes estudos mostraram uma variação quanto à distribuição epidemiológica do trauma ocular de acordo com o local do estudo e o ano em que o mesmo foi realizado(12-17,19-25). O que existe em comum entre eles é a constatação do quanto é carente a educação e conscientização da sociedade sobre as medidas preventivas relacionadas ao tema(12-17,19-25).
Estudos no Brasil, demonstraram uma alta taxa de trauma ocular aberto em pacientes que sofreram acidentes automobilísticos e não estavam usando o cinto de segurança, bem como em passageiros acomodados no banco dianteiro(21,23-24). O uso do cinto evita o choque do corpo com o pára-brisa no momento do impacto(21,23-24).
Embora a medicina tenha avançado nos últimos anos em termos de diagnóstico e tratamento, o trauma ocular continua sendo uma importante causa de cegueira(7-11,20). Medidas preventivas constituem um importante meio de ação na tentativa de reduzir a incidência de traumas oculares abertos(2,5-13,16,20,26-27). O mau prognóstico visual vai depender não apenas das medidas preventivas implementadas, como também da qualidade e tempo de atendimento do paciente, gravidade do trauma, complicações imediatas e seguimento nas consultas subseqüentes(7-11,14-16,20,26-27).
Existem alguns sinais, sugestivos ou diagnósticos, que vão guiar o oftalmologista no diagnóstico do trauma ocular aberto(3).
São considerados sinais oculares sugestivos de trauma aberto: laceração profunda de pálpebra, laceração conjuntival, hemorragia conjuntival importante pós-trauma, adesão localizada íris-corneana, câmara anterior rasa, defeito iriano, hipotonia, defeito em cápsula cristaliniana, opacidade cristaliniana aguda, hemorragia e/ou ruptura retiniana(3).
A exposição da úvea, vítreo e/ou retina, o teste de Seidel positivo, a observação direta de um corpo estranho intra-ocular e este visto no raio-X ou ultra-sonografia são considerados sinais diagnósticos de trauma ocular aberto(3).
Diversos autores observaram a necessidade de uma nomenclatura universal para o trauma ocular devido às variações na descrição e conceito de um mesmo tipo de trauma ocular(1,30). Houve a tentativa de desenvolver um score, porém este apresentava critérios insuficientes para tanto(30). Atualmente existe a classificação de BETT (Birmingham Eye Trauma Terminology) para classificar o trauma, porém ela ainda é controversa(1). O aperfeiçoamento deste sistema de classificação é importante para tornar o trauma ocular uma língua universal entre os oftalmologistas de todo o mundo(1). "The Birmingham Eye Trauma Terminology" (BETT) classifica o trauma ocular como aberto quando o globo ocular apresenta ferimento que atinge toda a espessura de sua parede. O trauma ocular aberto pode ser subclassificado em: (1) Ruptura: ferimento do globo ocular em toda a sua espessura, causado por objeto rombo, não cortante. O impacto resulta num aumento momentâneo da pressão intra-ocular (PIO) e um mecanismo de lesão de dentro para fora; (2) Laceração: ferimento do globo ocular em toda a sua espessura, normalmente causado por objeto cortante. O ferimento ocorre no sítio do impacto através de um mecanismo de lesão de fora para dentro; (3) Ferimento penetrante: laceração simples do globo ocular, usualmente causada por objeto cortante; (4) Ferimento com corpo estranho intra-ocular (CEIO): objeto estranho retido, causando laceração de entrada; (5) Ferimento perfurante: duas lacerações em toda a espessura (entrada e saída) do globo ocular, normalmente causada por um objeto cortante ou tipo míssil(1).
Este trabalho tem o objetivo de identificar algumas características do trauma ocular aberto no serviço de emergência do Complexo Hospitalar Padre Bento de Guarulhos.
MÉTODOS
Trata-se de um estudo descritivo transversal realizado no serviço de emergência do Complexo Hospitalar Padre Bento de Guarulhos/São Paulo, no período de setembro de 2003 a abril de 2004.
Foram inclusos na pesquisa, os pacientes atendidos no PS de oftalmologia com o diagnóstico de trauma ocular aberto que aderiram ao termo de consentimento.
O trabalho avaliou o paciente no momento do primeiro atendimento oftalmológico, não sendo considerado o retorno do mesmo ao serviço.
No momento da admissão foram obtidos alguns dados sobre o paciente: idade, sexo, profissão, uso de equipamento de proteção individual, uso de óculos, uso de cinto de segurança, tipo de acidente, olho acometido, tempo decorrido até o primeiro atendimento médico e qual o primeiro local de atendimento. A acuidade visual imediata foi avaliada através de tabela cortical. Procedeu-se então, ao exame oftalmológico detalhado de todas as estruturas do segmento anterior do olho acometido, na lâmpada de fenda, a fim de identificar a lesão ocular e suas complicações imediatas. Nos casos de pacientes com sinais sugestivos de trauma ocular aberto oculto, foram realizados tonometria com tonômetro de Goldman e mapeamento de retina para completar a investigação diagnóstica.
Após avaliação inicial, todos os pacientes foram submetidos à internação hospitalar, sendo prescrito antibioticoterapia endovenosa (gentamicina 80 mg 8/8 horas e cefalotina 1 g 12/12 horas), curativo oclusivo não-compressivo do olho acometido e avaliação pré-operatória para cirurgia sob anestesia geral.
RESULTADOS
Foram atendidos 30 pacientes com trauma ocular aberto com idade variando entre 14 e 84 anos (média de 34,35 anos). A distribuição do trauma pela faixa etária pode ser observada no gráfico 1.
Vinte e cinco (83,3%) pacientes eram do sexo masculino e 5 (16,7%) do sexo feminino. Doze (40%) eram da raça branca, 9 (30%) da raça parda e 9 (30%) da raça negra.
O tempo decorrido entre o acidente até o primeiro atendimento médico não especializado variou de 15 minutos a 3 dias, e o tempo até o atendimento médico oftalmológico no CHPB variou entre 2 horas e 10 dias (Tabela 1).
Os tipos de acidente mais freqüentes foram o automobilístico (40%) e o ocupacional (36,7%) (Tabela 2).
Dentre os pacientes que sofreram acidente automobilístico apenas 3 (25%) usavam o cinto de segurança.
Onze casos (36,7%) decorreram de acidente de trabalho, sendo que nenhum dos pacientes estava em uso de equipamento de proteção individual (EPI) no momento do trauma.
Dos 30 pacientes estudados, 15 (50%) apresentaram trauma ocular por objeto pontiagudo, 1 (3,3%) por arma de fogo e 1 (3,3%) por agressão física.
Apenas em dois pacientes (6,7%) observou-se uso de óculos no momento do trauma.
O olho mais freqüentemente acometido foi o direito, em 17 pacientes (53,1%), seguido pelo esquerdo em 11 casos (34,4%) e por ambos os olhos em 2 casos (6,3%).
O tipo de trauma mais freqüente, pela classificação de BETT, foi o penetrante, correspondendo a 53,1% dos mesmos (Tabela 3).
Corpo estranho intra-ocular foi identificado apenas nos traumas por acidente de trabalho e automobilístico.
No exame oftalmológico, 12 (37,5%) pacientes com lesão córneo-escleral evoluíram com acuidade visual menor que 20/200, seguidos de 9 (28,1%) com lesão corneana e 5 (15,6%) com lesão escleral. Oitenta e quatro por cento dos pacientes avaliados evoluíram imediatamente com visão menor que 20/200 (Tabela 4).
Quanto ao tipo de trauma no tecido ocular, observou-se que 13 pacientes (40,6%) apresentaram laceração córneo-escleral, 12 (37,5%) laceração apenas corneana e 7 (21,9%) laceração escleral. A maioria das lesões acometeu o segmento posterior, correspondendo a 63% casos.
Através do teste exato de Fisher, observamos que há associação entre a catarata traumática e o tempo de atendimento. As maiores porcentagens de catarata estão em menos de 12 horas e entre 13 a 24 horas de atendimento (Tabela 5). Não houve significância estatística entre baixa acuidade visual (BAV) e tipo do trauma pela classificação de BETT.
Observamos que há associação entre a extensão de corpo uveal e vítreo e a classificação de BETT. As maiores porcentagens desta complicação estão nos casos de ruptura do globo ocular (Tabela 6).
DISCUSSÃO
Este foi o primeiro trabalho realizado no Complexo Hospitalar Padre Bento com o intuito de traçar o perfil do trauma ocular aberto nos pacientes admitidos neste serviço.
O presente estudo apresentou como faixa etária mais freqüentemente acometida pelo trauma aberto entre 20 e 39 anos, e o sexo masculino o mais afetado, o que não difere da literatura(2,29). Outros estudos mostram uma maior freqüência do trauma ocular aberto no sexo masculino com média etária de 33 anos(26). Observou-se neste estudo que não existiram pacientes com menos 14 anos. Isto ocorreu porque o Complexo Hospitalar Padre Bento não apresenta ala pediátrica, podendo ser um viés de aferição do trabalho, já que estes pacientes provavelmente foram encaminhados a uma unidade pediátrica com serviço de oftalmologia.
O tipo de trauma mais comum neste estudo foi o automobilístico, seguido do ocupacional. Neste último, nenhum paciente estava em uso de equipamento de proteção individual (EPI). Analisando-se os estudos nacionais observa-se que a incidência de perfuração ocular em cidades grandes é aparentemente maior que em cidades de pequeno porte(12-13,15-17,19-20,24). Nas cidades menores predominam o trauma ocular secundário a atividades de lazer(13) ou doméstico(15), e nos grandes centros, acidentes automobilísticos e a violência(12). A literatura também mostra grande freqüência de trauma doméstico nos EUA(2,7-11). Existe relação entre o tipo de trauma ocular, a atividade profissional exercida pelo paciente e o estilo de vida da região onde vive(15).
Em estudos sobre acidentes automobilísticos, o que se observa é a falta de conscientização quanto ao uso do cinto de segurança pela população(20-21,23), e, atualmente, mesmo com campanhas em massa realizadas pelo governo federal e estadual pelo uso do cinto de segurança e com implementação de multas pela falta de uso do mesmo, encontrou-se, neste estudo, uma alta taxa de acidente automobilístico. Esse dado não diferiu de outros encontrados em estudos realizados há dez anos no Brasil(5,20-21,23). O que pode ter contribuído para a alta taxa de pacientes com acidente automobilístico é o Complexo Hospitalar Padre Bento ser referência regional em politrauma e oftalmologia.
De um modo geral, a literatura tem mostrado uma acuidade visual inicial menor que 20/200 na maioria dos pacientes(2,8,10-11,15-16,18), o que não difere deste trabalho, cuja visão menor que 20/200 corresponde a 84% dos pacientes atendidos. Estes estudos sugerem o quanto é necessário um atendimento específico adequado e intervenção cirúrgica rápida para tentar melhorar o prognóstico visual final destes pacientes. O tempo decorrido entre o acidente e a retirada do corpo estranho intra-ocular foi fundamental para um prognóstico visual melhor(12). No levantamento atual constataram-se apenas três casos com CEIO, e em todos eles a visão foi menor que 20/200.
Este trabalho associou o trauma à esclera como o mais freqüentemente relacionado à acuidade visual imediata menor que 20/200. Outros estudos têm mostrado que o tipo de tecido está relacionado à gravidade da lesão(2), e que existe relação entre acuidade visual final e o local da lesão, sendo de pior prognóstico lesões acometendo esclera(16) e de melhor prognóstico lesões corneanas(8). Porém, como o presente estudo descritivo, não se pode inferir que o trauma corneano tenha prognóstico melhor, pois na primeira avaliação este também esteve associado à baixa acuidade visual imediata e não foi avaliada acuidade visual final.
Observou-se que a baixa acuidade visual esteve implicada numa procura mais precoce pelo serviço de emergência, porém nenhum destes trabalhos analisa o tempo de atendimento após o trauma com o prognóstico visual. Um estudo retrospectivo brasileiro de 768 pacientes com perfuração ocular atendidos em São Paulo, observou-se que 40% dos casos foram atendidos em serviço de oftalmologia nas primeiras seis horas do trauma e 14% após dois dias(24). Neste trabalho, 56,5% dos pacientes foram atendidos em até 12 horas decorridos do trauma, podendo-se inferir que a baixa acuidade precoce leva o paciente mais cedo ao serviço especializado de emergência.
O diagnóstico precoce e prognóstico visual pobre são medidas acuradas para determinar a severidade da lesão(11). Existe uma melhora no prognóstico visual de pacientes que foram submetidos a exame e intervenção clínico-cirúrgica rapidamente(10). O mesmo não se observa nos casos de lesões muito graves do globo ocular, sendo estas medidas tomadas no intuito de prevenir outras complicações severas decorrentes do trauma(10).
A alta freqüência de atendimento primário em serviços de saúde não especializado, principalmente em pronto atendimento foi também um achado importante deste estudo. Isto mostra o quanto é importante o médico plantonista de serviço de saúde não especializado saber encaminhar rapidamente o paciente com história de trauma ocular a um serviço especializado para um correto manejo do caso.
CONCLUSÃO
O trauma penetrante corneano foi o tipo de lesão ocular mais observado. Os pacientes mais acometidos são adultos jovens, do sexo masculino, vítimas de acidente automobilístico, sendo o olho direito o mais acometido. A complicação imediata mais observada foi a baixa acuidade visual.
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Endereço para correspondência
Mônica Weyll
Rua Afonso Celso, 1000 - Apto. 54
São Paulo (SP) CEP 04119-060
E-mail: [email protected]
Recebido para publicação em 02.08.2004
Versão revisada recebida em 26.02.2005
Aprovação em 12.04.2005
Trabalho realizado no Departamento de Oftalmologia Setor de Órbita do Complexo Hospitalar Padre Bento (CHPB) de Guarulhos (SP).
Nota Editorial: Após concluída a análise do artigo sob sigilo editorial e com a anuência do Dr. Christiano Fausto Barsante sobre a divulgação de seu nome como revisor, agradecemos sua participação neste processo.