Richard Yudi Hida1; Maria Cristina Nishiwaki-Dantas2; Milton Massato Hida; Kazuo Tsubota4
DOI: 10.1590/S0004-27492005000400004
RESUMO
OBJETIVO: Determinar parâmetros normais do teste de fenol vermelho na população brasileira, e comparar entre diferentes raças, idade e sexo. MÉTODOS: Foram avaliados, com o teste de fenol vermelho, 280 indivíduos (560 olhos) da raça branca e 280 indivíduos (560 olhos) da raça não branca, que foram divididos de acordo com a idade e o sexo. Foram excluídos indivíduos com qualquer doença ocular, usuários de lente de contato e que usavam medicação ocular. RESULTADOS: Dos 1.120 olhos avaliados, o resultado médio foi de 19,77±7,90 mm. CONCLUSÃO: O resultado médio encontrado foi um valor intermediário entre as duas populações previamente estudadas (japonesa e norte-americana).
Descritores: Córnea; Fenolsulfonaftaleína; Síndromes do olho seco; Lágrimas; Concentração osmolar; Técnicas de diagnóstico oftalmológico; Comparação transcultural; Estudo comparativo
ABSTRACT
PURPOSE: To detect normal values of red phenol thread test in the Brazilian population and compare it between different races, age and sex. METHODS: 280 white individuals (560 eyes) and 280 non-white individuals (560 eyes) were analyzed regarding sex and age, and analyzed using the Phenol Red test. Individuals with ocular diseases, contact lens or ocular drug users were excluded from this study. RESULTS: Of the 1,120 evaluated eyes, the mean ± standard deviation result was 19,77±7,90 mm. CONCLUSIONS: The mean result found in this study was an intermediate value compared to the previously studied populations (Japanese and American).
Keywords: Cornea; Phenolsulfonphthalein; Dry eye syndromes; Tears; Osmolar concentration; Diagnostic techniques, ophthalmological; Cross-cultural comparison; Comparative study
INTRODUÇÃO
A ceratoconjuntivite seca provoca um complexo de sintomas causados pela anormalidade da película lacrimal pré-corneal e conjuntival. Vários são os testes clínicos disponíveis para anormalidades do filme lacrimal, porém nenhum pode ser considerado inteiramente eficiente. Entre os testes diagnósticos quantitativos, o mais usado é o teste de Schirmer (I, II e basal). Trata-se de um teste fácil e de baixo custo, porém a colocação das fitas de papel causa desconforto, que pode ser minimizado com a utilização de anestésico tópico (apenas Schirmer basal e II). Após a instilação do colírio, deve-se remover o excesso de líquido que poderia eventualmente umedecer o papel. Além disso, o atrito do papel causa discreta lesão na conjuntiva e na córnea, que inviabiliza a realização imediata do teste de coloração com rosa bengala, pois essas áreas podem sofrer impregnação pelo corante(1-3). Para o teste de Schirmer I, um papel de filtro padronizado (Whatman 41) de 5 mm de largura e 35 mm de comprimento, com uma dobra a 5 mm da extremidade, é colocado no terço lateral da borda palpebral inferior por 5 minutos. Esse método mede a secreção basal e a reflexa da lágrima. No teste de Schirmer com anestesia, instila-se colírio anestésico e o mesmo papel filtro é utilizado. A leitura é feita após 5 minutos. Este método mede a secreção basal da lágrima. O teste de Schirmer II mede o máximo de secreção lacrimal reflexa, através da estimulação da mucosa nasal com uma extremidade de um filamento de algodão. Não há diferença nos valores do teste de Schirmer se os olhos ficarem abertos ou fechados.
O teste do fenol vermelho (RPT ou "Red Phenol Test") (Showa Yakuhin Kako Co., Ltd, Tokyo, Japan & Menicon USA Inc., Clovis, CA, USA), para quantificar a lágrima, foi descrito por Hamano, com o objetivo de contornar as possíveis desvantagens do teste de Schirmer, como variabilidade dos resultados, baixa sensibilidade na detecção de olho seco, desconforto quando realizado sem anestésico tópico e necessidade da instilação prévia de colírio anestésico para medir a secreção basal(4-6). O RPT utiliza um cordão especial de algodão, de aproximadamente 75 mm de comprimento, banhado em fenol vermelho (fenolsulfonaftaleína), indicador sensível de pH. Sua borda superior é dobrada a 3 mm da extremidade, para facilitar sua fixação na borda palpebral inferior (Figura 1). Quando em contato com a lágrima, a porção umedecida do cordão passa do amarelo para o vermelho-alaranjado, devido à natureza alcalina da lágrima. A quantidade de lágrima que umedeceu o cordão é medida em milímetros após 15 segundos(4-6).
Estudos demonstram que o teste de fenol vermelho causa pouca sensação de desconforto e pode ser realizado sem anestesia tópica, inclusive com as lentes de contato(6). Apresenta menos variação individual que outros testes e pode ser repetida várias vezes, sem alterar o resultado(6). A pequena dimensão e espessura do fio colocado no fundo de saco conjuntival sugere mínima ou nenhuma injúria à superfície corneal e conjuntival, o que permite a realização da coloração com rosa bengala logo a seguir. Além disso, o teste dura apenas 15 segundos, tempo suficiente para evitar estimulação do lacrimejamento reflexo, enquanto o teste de Schirmer dura 5 minutos(6).
Hamano determinou que a média do RPT para olhos normais no Japão é de 18,8 mm(7) e Sakamoto constatou que a média do RPT para olhos normais nos Estados Unidos é de 23,9 mm(6-8). Nas condições do estudo (temperatura e umidade semelhantes para ambas as populações), a diferença entre a população japonesa e americana foi considerada estatisticamente significante, porém não havia nenhum estudo realizado na população miscigenada brasileira.
Este estudo tem como objetivo, analisar e comparar a quantidade de lágrima nas diferentes raças, idade e sexo, pelo teste de fenol vermelho e determinar seus parâmetros normais na população brasileira.
MÉTODOS
Este estudo foi realizado no Departamento de Oftalmologia da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo.
Foram estudados com o teste de fenol vermelho, 280 indivíduos (560 olhos) da raça branca e 280 indivíduos (560 olhos) das raças não branca, que foram divididos de acordo com a idade e o sexo (Tabela 1). Foram incluídos os indivíduos que vieram para o nosso serviço para consulta de rotina. Foram excluídos os indivíduos com qualquer doença ocular, usuários de lente de contato e que usavam qualquer medicação ocular.
Foram considerados da raça branca, todos os indivíduos com descendência européia de pele branca (sem descendência da raça amarela ou negra). E foram considerados da raça não branca, todos os indivíduos com descendência da raça negra e vermelha (sem descendência da raça amarela).
O teste foi feito em ambiente fechado, com ausência de vento. A umidade média do ar foi de 65% e a temperatura média de 23ºC nas salas dos ambulatórios.
Para evitar variabilidade do resultado, três médicos foram treinados antes da realização do estudo.
Foi preenchido um protocolo para cada paciente em que constava o nome, endereço, profissão, raça, idade e questionário sobre queixas oculares, como sensação de olho seco, olho vermelho, fadiga ocular, lacrimejamento freqüente, fotofobia, incômodo e dor. Foi realizado consentimento verbal em todos os indivíduos.
Os cordões, banhados em fenol vermelho, vêm esterilizados num envelope de alumínio. A porção dobrada era então aberta num ângulo que possibilitasse fácil colocação na conjuntiva palpebral, mais especificamente no terço lateral da pálpebra inferior. Os pacientes eram orientados a manter os olhos abertos em posição primária do olhar e piscando normalmente (Figura 2).
Após 15 segundos, medidos com cronômetro digital, o cordão era retirado delicadamente e depois medida a parte alaranjada em milímetros a partir da ponta do cordão. Foi avaliado um olho de cada vez.
Os resultados foram submetidos a testes estatísticos de Kruskal-Wallis para todas as amostras e Mann-Whitney (comparações múltiplas) para comparar as amostras dos grupos etários e raciais e avaliadas suas significâncias (p<0,05).
RESULTADOS
Dos 1.120 olhos avaliados com o teste do fenol vermelho, o resultado médio foi de 19,77±7,90 mm.
A população masculina branca (280 olhos) apresentou resultado médio e desvio padrão de 20,07±7,82 mm (Tabela 2), e foi estatisticamente significante (p=0,0001). No teste de comparações múltiplas, embora os grupos etários mais jovens (de 0 a 9; 10 a 19; e 20 a 29 anos) tenham apresentado quantidade de lágrima maior que os grupos maiores de 60 anos, a diferença não foi estatisticamente significante.
A população feminina branca (280 olhos) apresentou resultado médio de 18,93±7,84 mm (Tabela 2), valor estatisticamente significante (p=0,0001). No teste de comparações múltiplas, observou-se que a faixa etária de 10 a 19 anos apresentou maior quantidade de lágrima e que os valores foram diminuindo nas faixas etárias mais avançadas, mas os valores não foram estatisticamente significantes.
A população masculina não branca (280 olhos) apresentou resultado médio de 20,75±7,91 mm (Tabela 2), valor estatisticamente significante (p=0,0063). No teste de comparações múltiplas, verificou-se que a faixa etária de 0 a 9 anos, 10 a 19 anos e 20 a 29 anos apresentou maior quantidade de lágrima que os grupos de 30 a 39 anos, 40 a 49 anos e 50 a 59 anos, mas os valores não foram estatisticamente significante.
A população feminina não branca (280 olhos) apresentou resultado médio de 19,34±7,95 mm (Tabela 2), valor também estatisticamente significante (p=0,0000). No teste de comparações múltiplas, observamos que os grupos etários de 0 a 9 anos, 10 a 19 anos, 20 a 29 anos e 30 a 39 anos apresentaram maior quantidade de lágrima que os grupos de 40 a 49 anos, 50 a 59 anos e maiores de 60 anos, mas os valores não foram estatisticamente significantes.
Comparando-se as quantidades de lágrima entre o sexo feminino e masculino, nos diversos grupos etários, não houve, de modo geral, diferença estatisticamente significante, exceto no grupo masculino não branco, na faixa de 40 a 49 anos, que apresentou maior quantidade de lágrima que as mulheres não brancas na mesma faixa etária.
Não houve diferenças estatisticamente significantes entre as raças branca e não branca.
DISCUSSÃO
Com este estudo, comparamos o resultado médio do teste do fenol vermelho da população brasileira com os da população japonesa e norte-americana (Tabela 3)(6, 8).
Os testes de Schirmer e do tempo de rotura do filme lacrimal têm sido aplicados universalmente, ou seja, os mesmos valores são considerados nas diferentes populações. O estudo comparativo do teste do fenol vermelho, entretanto, demonstrou diferença significante entre os japoneses (apenas de origem asiática) e os norte-americanos brancos, para temperatura e umidade ambiental semelhantes. Nosso estudo foi realizado em condições semelhantes de temperatura e umidade e o resultado médio encontrado foi um valor intermediário (mais próximo da japonesa) entre as duas populações previamente estudadas. Sakamoto sugeriu que a diferença anatômica da margem palpebral (menor) ou o menor fundo de saco conjuntival poderiam resultar em um menor menisco lacrimal nos japoneses e uma vez que o teste do fenol vermelho mede basicamente o filme lacrimal residual existente primariamente no fundo de saco conjuntival inferior (com mínimo efeito na secreção reflexa), o menor valor do teste em japoneses estaria explicado(8).
Nossa população foi dividida em brancos e não brancos (não foram estudados os de origem oriental), o que não justificaria o valor mais próximo ao dos japoneses, contrariando a teoria de Sakamoto. Poderíamos esclarecer melhor esta variável se comparássemos a população oriental brasileira com nossos achados.
Em geral, sabemos que a produção de lágrima diminui com a idade(2,8), porém em nosso estudo, embora os valores do teste encontrados nas faixas etárias mais avançadas tenham sido menores, a diferença entre as idades não foi considerada estatisticamente significante. Levantamos, assim a hipótese de que talvez a drenagem de lágrima deva diminuir com a idade para manter os níveis de lágrima discretamente diminuídos como os encontrados neste estudo (Gráfico 1).
Assim como em estudos anteriores, os dados não indicam diferença estatisticamente significante dos resultados entre os sexos, exceto no grupo masculino não branco, entre 40 e 49 anos, que apresentou maior quantidade de lágrima que o feminino não branco(8).
Devemos esclarecer que o diagnóstico de olho seco não deve se basear em um único exame. Embora os valores do teste de Schirmer e de fenol vermelho não correspondam, o fenol vermelho poderia ser utilizado como alternativa ao Schirmer. Outros testes seriam de grande valor na complementação diagnóstica, como a pesquisa do tempo de rotura do filme lacrimal, a coloração com rosa bengala, o teste de Schirmer II, para avaliação do funcionamento da glândula lacrimal. O diagnóstico é feito da correta interpretação destes exames em conjunto(3).
Alguns autores demonstraram que o teste do fenol vermelho é um teste útil para a análise do filme lacrimal em portadores de olho seco(9). Uma vez que os nossos resultados em não portadores de olho seco foram semelhantes aos da população americana, também não portadora de olho seco, poderíamos utilizar os valores encontrados nos estudos americanos de olho seco em nossos pacientes com olho seco. Importante salientar que valores abaixo de 10 mm são considerados anormais(10).
Apesar da controvérsia de seu uso na literatura oftalmológica, estudos recentes revelam que o RPT é considerado uma avaliação quantitativa direta da lágrima no saco conjuntival e mostrou-se sensível para diagnosticar olho seco(11). Outros autores sugerem que este tipo de teste pode estar associado com a quantificação volumétrica do filme lacrimal ou apenas caracterização de absorção do papel ou do fio(12). A reprodutibilidade e repetitividade destes testes questiona sua validade diagnóstica, mas estudos atuais, mostram relação direta com a validade diagnóstica do corante de fluoresceína, o teste de Schirmer e da meniscometria(12).
CONCLUSÃO
Subseqüentes estudos estão sendo realizados para correlacionar o teste de RPT com outros testes quantitativos da lágrima na população brasileira.
Com os resultados obtidos e a praticidade do exame, esperamos que este estudo seja útil no uso clínico para investigação de anormalidades do filme lacrimal.
REFERÊNCIAS
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2. Mendes LE, Santos PM, Parente FSP, Gonçalves JOR, Belfort Jr R. Olho seco em pessoas com idade superior a 40 anos selecionadas em 3 cidades brasileiras. Arq Bras Oftalmol. 1995;62(1):10-5.
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8. Sakamoto R, Bennett ES, Henry VA, Paragina S, Narumi T, Izumi Y, et al. The phenol red thread tear test: a cross-cultural study. Invest Ophthalmol Vis Sci. 1993;34(13):3510-4.
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11. Nichols KK, Nichols JJ, Lynn Mitchell G. The relation between tear film tests in patients with dry eye disease. Ophthalmic Physiol Opt. 2003;23(6):553-60.
12. Tomlinson A, Blades KJ, Pearce EI. What does the phenol red thread test actually measure? Optom Vis Sci. 2001;78(3):142-6.
Endereço para correspondência
Richard Yudi Hida
Rua Afonso de Freitas, 488 apto. 61
CEP 04006-052 - São Paulo (SP)
E-mail: [email protected]
Recebido para publicação em 26.11.2004
Versão revisada recebida em 23.03.2005
Aprovação em 15.04.2005
Trabalho realizado no Departamento de Oftalmologia do Hospital Central da Irmandade da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo.
Cada autor declara que não possui interesse financeiro no desenvolvimento ou marketing dos produtos referidos no estudo.