Open Access Peer-Reviewed
Editorial

Análise laboratorial das ceratites infecciosas secundárias à cirurgia refrativa

Laboratory analysis of infectious keratitis in patients following refractive surgery

Fernando Leal1; Ana Luisa Höfling-Lima1; Denise de Freitas1; Mauro Campos1

DOI: 10.1590/S0004-27492005000300014

RESUMO

OBJETIVO: Descrever os resultados laboratoriais de amostras de pacientes com ceratite infecciosa pós-cirurgia refrativa. MÉTODOS: Foram avaliados pacientes do Departamento de Oftalmologia da UNIFESP, que foram submetidos a tratamento para ceratite infecciosa, entre janeiro de 1988 e junho de 2001, e que haviam sido submetidos à ceratomia radial (CR), ceratotomia fotorrefrativa (PRK) ou laser in situ keratomileusis (LASIK). Previamente, as infecções foram classificadas como precoces, quando ocorreram até 30 dias após a cirurgia, e tardias quando diagnosticadas após 30 dias. RESULTADOS: Das 93 amostras, 39 eram de (42%) pacientes submetidos à ceratotomia radial, sendo 14 (36%) infecções precoces e 25 (64%) infecções tardias; 38 (41%) pacientes submetidos a LASIK, sendo 21 (55%) infecções precoces e 17 (45%) infecções tardias; 16 (17%) eram de pacientes submetidos à ceratotomia fotorrefrativa, sendo 10 (62,5%) infecções precoces e 6 (37,5%) infecções tardias. Oitenta e seis amostras de córnea coletadas foram submetidas a cultivo e esfregaço para bactérias, 43 cultivos (50%) e 43 esfregaços (50%) foram positivos. Setenta e duas amostras foram submetidas a cultivo e esfregaço para fungos, 2 cultivos (3%) e 4 esfregaços (6%) foram positivos. CONCLUSÃO: Os resultados obtidos revelam uma concordância de 80,2% entre cultivo e esfregaço para bactéria. Não houve relação estatisticamente significante entre o tipo de cirurgia e o tempo de manifestação da infecção.

Descritores: Erros de refração; Erros de refração; Ceratite; Ceratomileuse assistida por excimer laser in situ; Infecções oculares bacterianas; Staphylococcus aureus; Staphylococcus epidermidis

ABSTRACT

PURPOSE: To describe the laboratory findings in patients with infectious keratitis, who underwent refractive surgery, correlating the surgical procedure and the time of infection manifestation, and the results of culture and smears. METHODS: The previous samples were obtained from patients submitted to radial keratotomy (RK), photorefractive keratectomy (PRK) and laser in situ keratomileusis (LASIK) at the Ophthalmology Department of UNIFESP. The infections were classified as early, when they occurred up to 30 days after the surgery, and late when diagnosed after 30 days. RESULTS: In 93 samples, 39 (42%) came from patients submitted to radial keratotomy, 14 (36%) being early infections and 25 (64%) late; 38 (41%) of LASIK, 21 (55%) being early and 17 (45%) late; 16 (17%) of photorefractive keratectomy, 10 (62.5%) being early and 6 (37.5%) late. Eighty-six samples were submitted to culture and smears for bacteria, 43 cultures (50%) and 43 smears (50%) were positive. Seventy-two samples were submitted to culture and smears for fungi, 2 cultures (3%) and 4 smears (6%) were positive. CONCLUSION: The agreement between culture and smear results was 80.2%; regarding the type of surgery there was no statistically significant relationship between time of onset of infection and surgery.

Keywords: Refractive errors; Refractive errors; Keratitis; Keratomileusis, laser in situ; Eye infections, bacterial; Staphylococcus aureus; Staphylococcus epidermidis


 

 

INTRODUÇÃO

A infecção ocular é uma possível, porém rara, complicação da cirurgia refrativa, podendo levar a importante diminuição da acuidade visual(1). No entanto, um aumento nas taxas de infecções oculares, após procedimentos refrativos, tem sido observado nos últimos anos(2-3). Infecções corneanas foram descritas após cirurgias refrativas incisionais (ceratotomia radial, ceratotomia hexagonal e procedimento de Ruiz(4-5) e fotoablativas (ceratotomia fotorrefrativa(6-9) e laser in situ keratomileusis(1-3,10-13).

Entre 1975 e 1994, 42 casos de ceratite bacteriana, após ceratotomia radial (CR), foram descritos em 26 publicações(4-5). Na ceratotomia fotorrefrativa (PRK), a infecção está supostamente relacionada ao defeito epitelial e/ou ao uso de lentes de contato terapêuticas, sendo provocada principalmente por organismos gram-positivos(6-7). A infecção ocular, após laser in situ keratomileusis (LASIK), pode apresentar-se de forma endêmica ou epidêmica, podendo esta última ser causada por micobactérias(11,14).

O objetivo deste trabalho é avaliar os resultados laboratoriais de amostras obtidas de pacientes submetidos a tratamento para ceratite infecciosa pós-cirurgia refrativa, correlacionando os resultados do cultivo e da pesquisa direta de bactérias e fungos; como também, relacionar o tempo de pós-operatório, em que o processo infeccioso manifestou-se, com os tipos de procedimentos cirúrgicos realizados.

 

MÉTODOS

Foram avaliados, retrospectivamente, os resultados dos exames laboratoriais de 93 pacientes com diagnóstico de ceratite infecciosa pós-cirurgia refrativa (CR, PRK e LASIK) do Laboratório de Microbiologia do Departamento de Oftalmologia da Universidade Federal de São Paulo (LOFT-UNIFESP), durante o período de janeiro de 1988 a julho de 2001. As amostras de todos os pacientes foram submetidas a cultivo e esfregaço para pesquisa de bactérias e fungos.

Todas as amostras analisadas foram colhidas com espátula, raspando-se diretamente o local infiltrado. Nos casos de infiltrado localizado abaixo do disco corneano, a colheita foi realizada após o levantamento deste. O material foi processado, segundo a quantidade de disponível, na seguinte ordem:

1. Material abundante: primeira amostra semeada em ágar sangue; segunda amostra para esfregaço e fixação com o calor para a coloração pelo método de Gram; terceira e quarta amostras, semeada em ágar chocolate e ágar Sabouraud respectivamente e, última colheita, para esfregaço com coloração pelo método de Giemsa. Havendo material adicional duas outras amostras foram colhidas. A primeira foi colocada em lâmina para esfregaço, que foi reservada, quando necessário, para a utilização de alguma coloração especial; a segunda foi semeada em meio de transporte para posterior pesquisa de Acanthamoeba ou Herpes, ou Lowestein-Jensen para a pesquisa de micobactérias.

2. Material escasso: uma lâmina e um meio de cultivo líquido enriquecido (Tioglicolato ou BHI) e, quando possível, mais uma lâmina ou mais um Agar.

Segundo o tempo de início dos sintomas e diagnóstico clínico, as infecções foram classificadas como precoce, quando ocorreram até 30 dias após a cirurgia, e tardia quando ocorreram após 30 dias. O grau de concordância entre cultivo e esfregaço foi demonstrado por meio do Teste de McNemar. A análise da associação entre o tipo de cirurgia e tempo de manifestação da infecção foi feita pelo Teste de Partição do qüi-quadrado.

 

RESULTADOS

Das 93 amostras submetidas à análise laboratorial, 39 (42%) eram de pacientes submetidos à ceratotomia radial; 38 (41%) de pacientes submetidos a LASIK e 16 (17%) de pacientes submetidos à PRK. Observou-se que sinais clínicos de infecção foram diagnosticados em pacientes submetidos aos três tipos de cirurgia, tanto no período pós-operatório precoce, como no tardio (Tabela 1).

Das oitenta e seis amostras estudadas com solicitação de pesquisa para bactérias, 43 cultivos (50%) e 43 esfregaços (50%) foram positivos (Tabela 2). Setenta e duas amostras foram submetidas à pesquisa para fungos, sendo 2 cultivos (3%) e 4 esfregaços (6%) positivos (Tabela 3).

 

 

 

Pelos resultados de cultivos foram identificados 45 microrganismos, sendo 43 cepas de bactérias e 2 de fungos. As micobactérias foram o grupo com maior percentagem de isolamentos positivos (26,66%), sendo que 11 amostras (91,65%) eram de pacientes submetidos a LASIK e 11 (91,65%) diagnosticadas no período pós-operatório precoce. Staphylococcus aureus foi a segunda espécie bacteriana mais freqüente (24,44%) (Tabela 4).

 

DISCUSSÃO

A principal fonte de informação sobre os casos de infecção pós-cirurgia refrativa tem sido por relatos de casos(1-2,5-7,14-15) ou descrição de séries por epidemias(11). A infecção pode ocorrer precoce ou tardiamente em relação à cirurgia. A avaliação laboratorial é importante no diagnóstico, sendo realizado por meio de cultivo e esfregaço.

Neste estudo, considerando os pacientes com ceratite infecciosa após RK observou-se uma tendência das infecções ocorrerem no período tardio (64%). Esse achado coincide com os dados da literatura(4-5). Em um trabalho de ceratites infecciosas após RK, publicado em 1996, 42 casos de ceratite bacteriana foram descritos em 26 publicações reportadas, sendo que em 53% destes casos a infecção ocorreu no período pós-operatório tardio(4-5).

Nos pacientes submetidos à PRK o maior número de infecções foi no período precoce (62,5%). Tal fato pode ser explicado pelo desepitelização e pelo uso de lentes de contato(6). Tais lentes são usadas como um tratamento auxiliar, após PRK, visando a diminuir a dor causada pelo movimento das pálpebras sobre a córnea desepitelizada, no entanto, o seu uso pode aumentar o risco de infecção corneana(8). Alguns autores descreveram a ceratite infecciosa em 13 olhos de 12 pacientes, após PRK, sendo causada por Staphylococcus aureus em 5 olhos, incluindo um caso bilateral, por Staphylococcus epidermidis em quatro, Streptococcus pneumoniae em três e Streptococcus viridans em um olho, respectivamente(7).

Em 40,86% das amostras analisadas os pacientes foram submetidos a LASIK, sendo 556% infecções precoces e 44% infecções tardias. Nesses casos, o processo infeccioso é predominantemente estromal e acredita-se que a inoculação do agente infeccioso ocorre durante o ato cirúrgico(10).

Cultivos do infiltrado de córnea são importantes para confirmar o diagnóstico e determinar a sensibilidade in vitro dos antibióticos, propiciando medidas terapêuticas corretas. Neste estudo, a análise da correlação entre cultivo e esfregaço para bactérias mostrou uma concordância de 80,20%. A análise da correlação entre cultivo e esfregaço para fungos foi prejudicada pelo número de amostras e sua distribuição de resultados, não sendo possível a aplicação do Teste de McNemar. No entanto, a simples inspeção dos resultados mostra uma concordância de 97,20% entre os exames, não se excluindo, porém, a necessidade da realização de ambas as avaliações.

Em uma análise de 10.102 solicitações de exames laboratoriais que geraram 20.452 amostras no Laboratório de Doenças Externas Oculares da Universidade Federal de São Paulo, em um período de 15 anos não consecutivos, os resultados de exames diretos e cultivos mostraram concordância significante nos casos de ceratites(16).

A identificação dos microrganismos, após procedimentos, refrativos é descrita na literatura sobretudo após LASIK. Até o final de 1999, os microrganismos implicados incluíam: Staphylococcus aureus, Nocardia asteroides, Streptococcus pneumoniae, Mycobacterium chelonae e Streptococcus viridans (12). Em um trabalho de revisão de literatura de ceratites microbianas, após LASIK, até o ano de 2003, em 41 foram relatados casos de infecção por bactérias gram-positivas, micobactérias, fungos e vírus(17). No presente estudo os principais microrganismos identificados foram Micobactérias (26,66%), Staphylococcus aureus (24,44%) e Staphylococcus coagulase negativa (13,33%). Nesse caso a maior percentagem de micobactérias, ao contrário do relatado pela literatura, ocorreu em decorrência de uma epidemia provocada por Mycobaterium chelonae(11).

 

CONCLUSÃO

Os resultados obtidos revelam uma concordância de 80,2% entre os resultados dos cultivos e esfregaços para pesquisa de bactérias. Com relação ao estudo de associação entre o tipo de cirurgia e tempo de manifestação da infecção, tanto na ceratotomia radial como nas cirurgias fotoablativas ocorreram infecções nos períodos pós-operatórios precoce e tardio, porém, não houve associação significativa entre as variáveis envolvidas.

 

REFERÊNCIAS

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17. Pushker N, Dada T, Sony P, Ray M, Agarwal T, Vajpayee RB. Microbial keratitis after laser in situ keratomileusis. J Refract Surg. 2002;18(3):280-6.        

 

 

Endereço para correspondência
Fernando Leal
Av. Ibijaú, 331 - 4º andar
São Paulo (SP) CEP 04524-020
E-mail: [email protected]

Recebido para publicação em 28.05.2004
Versão revisada recebida em 26.01.2005
Aprovação em 22.02.2005

 

 

Trabalho realizado na Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP).


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