DOI: 10.1590/S0004-27492004000600027
CARTAS AO EDITOR
Sr. Editor,
Em relação ao artigo publicado nos ABO vol 67 n 4 de jul/ago 2004 intitulado "Espectrofotometria de lentes oftálmicas orgânicas simples submetidas à radiação ultravioleta A, ultravioleta B e luz visível", parabenizamos aos autores pela relevância(1) do estudo e encaminhamos as seguintes ponderações.
Há duas questões a abordar: a primeira, quanto à extensão do espectro eletromagnético da radiação ultravioleta A, e a segunda, sobre a expressão 'lentes oftálmicas orgânicas simples' utilizada no título do trabalho em discussão.
Alguns autores(2) e diversas indústrias ópticas (desde fabricantes de lentes oftálmicas aos de alguns lensômetros automáticos com leitura espectrofotométrica) consideram que a banda da UVA se estende apenas até os 380 nm de comprimento de onda (l) enquanto outros mencionam 400 nm(3-4). Outros autores mencionam que a luz azul, o espectro seguinte ao da UVA, apresenta-se em 430 ± 30 nm(5).
No trabalho em discussão os autores informam que utilizaram um lensômetro cujo fotômetro tem leitura entre 290 e 700 nm. Como cada lente oftálmica apresenta transmitância característica dependendo do l pesquisado(4), falta-nos saber para qual espectro o fotômetro foi ajustado para a leitura: 380, 390 ou 400 nm. Esta informação não está informada nos 'métodos' pelos autores, embora a introdução do tema sugira que tenha sido 380 nm (pág. 571).
Para prescrevermos uma lente oftálmica com segurança no que tange à proteção solar e considerarmos a UVA com extensão até 380 nm de l, então precisaremos conhecer naquela lente oftálmica seu bloqueio para o espectro seguinte, em 400 nm: Afinal não faz sentido o fabricante afirmar que tal lente protege 100% de UVA, subentendido de sua parte os 380 nm, e ignorarmos que a proteção em 400nm é de 10% ou similar neste espectro(4).
Nossa atenção está na incrível redução do bloqueio UV entre 360 e 400 nm nas resinas comuns: enquanto que uma resina plástica padrão de CR-39 bloqueia 100% da UV até 360 nm, este bloqueio cai progressivamente, até um bloqueio de apenas 10%, na região dos 400nm. A proteção em 430 nm, para as lentes incolores disponíveis no mercado, também é mínima(4).
Isto é: por um lapso tecnológico ou por simples recurso de marketing do fabricante da lente oftálmica (com a devida anuência dos oftalmologistas), estaremos prescrevendo uma lente oftálmica com imaginários '99% de proteção UV' porém com nenhuma proteção significativa na faixa dos 400 nm, uma banda de alta energia e potencial lesivo ocular(5), seja ela inserida didaticamente na banda do AZUL ou da UVA. E para a banda de 430 ± 30 nm também não teremos proteção nas lentes incolores(4).
A segunda questão é sobre a aparente baixa transmissão de UVA (ou maior bloqueio da UV) nas lentes que pelos autores do trabalho acima foram chamadas de 'resinas simples'.
Como aqueles autores não definiram o termo 'resina simples', mas e apenas indicaram quais lentes orgânicas foram incluídas no estudo, o título do trabalho e os resultados podem levar a desentendimentos importantes. Lentes de CR-39 que receberam tratamentos especiais (filtro UV, película anti-reflexo) foram agrupadas no artigo com lentes de policarbonato, resina Trivex® (que não é uma resina simples!) e outras.
Em diversos testes realizados em nosso consultório com o fotoespectrômetro Quick AM-75 (Medidor Digital UV de 400 nm, Fabricante: Dong Yang; Distribuidor: Martinato Maq de Precisão Ltda, Caxias do Sul - RS; Certificado Inmetro 0876/2002 de 25/06/2002) verificamos que há grande variação no filtro UV das lentes CR-39 de um mesmo e de diversos fabricantes destas lentes disponíveis no mercado (transmitância UV em 400nm: de 50 a 95%). Isto se repetiu para as lentes de policarbonato (transmitância em 400nm: de 0 a 25%). As resinas Trivex® foram bem homogêneas em 400nm (todas com 0% de transmitância nesta banda). Estamos nos limitando a lentes incolores. As lentes que testamos não foram doadas a nós pelos fabricantes, ação que poderia interferir na qualidade (matéria prima ou tratamento químico prévio) dos produtos testados. Testamos lentes aviadas após nossa prescrição, sem informar aos pacientes que isto faríamos.
Assim, as distâncias se tornam enormes entre os dados apresentados neste trabalho e nossos achados, que são corroborados por outros autores (transmitância espectral x comprimento de onda, pág. 336, figura 12-4)(4). Esta grande divergência tem sua origem provável na delimitação da faixa da UVA (quando se considera o limite em 380 e não 400 nm ). Já abordamos isto previamente.
Pelo exposto, cumprimentamos mais uma vez os autores do artigo citado acima pela importância da pesquisa e apresentamos nossa preocupação com informações que podem levar a equívocos e ao aval dos médicos oftalmologistas para lentes oftálmicas de prescrição rotineira e que, de fato, não protegerão adequadamente os olhos de nossos pacientes da radiação UVA / azul.
REFERÊNCIAS
1. Toledo AR. Carta ao Editor. Arq Bras Oftalmol. 2004;67(4):690-1.
2. Oliveira PR. Atualização Continuada: A radiação ultravioleta e as lentes fotocrômicas. Arq Bras Oftalmol. 2001;64:163-5.
3. Ramos LFF, Fernandes LC, Cury LA. Espectrofotometria de lentes oftálmicas filtrantes coloridas sob radiação ultravioleta e luz visível. Arq Bras Oftalmol. 2003;66:334.
4. Absorptive Lenses. In: Brooks CW, Boris IM. System for ophthalmic dispensing. 2nd Edition, 1996. Ed. Butterworth-Heinemann. p. 329-341.
5. Sparrow JR, Miller AS, Zhou J. Blue light-absorbing intraocular lens and retinal pigment epithelium protection in vitro. J Cataract Refract Surg 2004;30(4):873-8.
Dr. Adriano R. Toledo*
Rio Verde - Go
[email protected]
* Declaro não ter interesse comercial ou industrial em matéria ou item desta discussão
Ao
Editor dos Arquivos Brasileiros de Oftalmologia
Resposta como autora do artigo: "Espectrofotometria de lentes oftálmicas orgânicas de visão simples submetidas à radiação ultravioleta A, ultravioleta B e luz visível".
Sobre o questionamento da subdivisão do comprimento de onda da radiação ultravioleta.
Resposta: Como citado pelo leitor em sua carta, existe sim uma grande variabilidade na literatura quanto ao espectro eletromagnético da radiação UVA. Nossa exposição baseia-se na referência bibliográfica pesquisada.
Sobre o questionamento de não termos optado por resina simples na definição.
Resposta: Como citado no título, referíamos às lentes oftálmicas orgânicas de visão simples. Procuramos estudar as diversas lentes orgânicas (resina) existentes no mercado nacional com suas diversas características (vide quadro), para melhor reproduzir as reais possibilidades de prescrição. E para manter a uniformidade da amostra e reproduzir as variáveis, todas as lentes eram incolores, de visão simples, sem poder dióptrico, como pode ser confirmado na metodologia do estudo (pág. 572).
Sobre o questionamento do fornecimento das lentes pelos fabricantes.
Resposta: Optamos por uma maior uniformidade da amostra, assim todas as lentes eram de visão simples. As lentes da rotina de consultório não demonstrariam esta uniformidade (não seriam todas planas). Queríamos também que os resultados expostos fossem reproduzíveis assim tivemos o cuidado de realizar a leitura em 20 exemplos de cada tipo de lente. Reafirmamos não ter interesse comercial nos resultados. As lentes fornecidas pelos fabricantes são equivalentes as que são utilizadas em laboratórios ópticos.
Sobre o questionamento do espectro do fotômetro utilizado e quanto à curva de transmitância.
Resposta: As lentes foram estudadas em toda a extensão de leitura do aparelho (290 a 700). Cada lente reproduziu uma curva de transmitância própria nesta faixa de leitura (290 a 700) conforme exposto na discussão não realizamos a documentação gráfica de todas as curvas, visualizávamos as curvas e anotávamos os resultados mais relevantes para a pesquisa em questão (bloqueio, UVA, UVB e transmitância à luz visível). Explicamos que dentro do espectro visível não pesquisamos individualmente a porção azul deletério (380 a 400 m), acreditando sem fonte para futuros trabalhos.
Sem mais pra o momento agradeço a oportunidade,
Dra. Mylene Leal Matsuhara