Edélcio Vieira1; Vinícius dos Santos Watzl Costa Lima1; Mírian da Silva Azevedo2; Wantuil Ferreira de Souza Júnior2; Roberto Reis Xavier dos Santos3; Ruiz Simonato Alonso4
DOI: 10.1590/S0004-27492004000600011
RESUMO
OBJETIVO: Descrever a técnica da retirada de sutura em córnea clara, evitando-se o contato da parte externa do fio com o meio intra-ocular e avaliar se esse procedimento evitaria infecções. MÉTODOS: Foi realizado estudo retrospectivo de 1.233 casos de retirada de sutura de mononylon 10.0 em córnea clara, utilizando-se laser de argônio para cortar o fio, no qual se avaliou a incidência de infecções. RESULTADOS: Em 1.071 olhos, um tiro foi suficiente para cortar o ponto. Em 162 olhos, o tiro do laser atingiu a parte epitelial da sutura, sendo necessários disparos extras para cortar a parte intra-estromal e, assim, retirá-la sem que a parte externa do fio passasse pelo interior da córnea. Não ocorreram complicações após a retirada da sutura. CONCLUSÕES: A técnica utilizada mostrou-se eficaz na remoção das suturas e possivelmente apresenta risco menor de infecção, uma vez que a parte do fio sobrejacente ao epitélio não entra em contato com as camadas mais internas da córnea, nem com a câmara anterior, não tendo sido observado nenhum caso de infecção nesta pesquisa.
Descritores: Sutura; Sutura; Laser; Facoemulsificação; Estudo retrospectivo
ABSTRACT
PURPOSE: To describe the technique of clear-cornea suture removal, that avoids the contact of the external part of the thread with the intraocular medium, and to evaluate whether this procedure would prevent infections. METHODS: A retrospective study of 1.233 cases of clear-cornea mononylon 10.0 suture removal, by the use of an argon laser to cut the thread, was performed. Incidence of infection was then assessed. RESULTS: In 1.071 eyes, one shot was enough to cut the stitch. In 162 eyes, the laser shot hit the epithelial part of the suture, making new shots necessary to cut the intrastromal part, and thus to remove it assuring that the outer part of the stitch would not come in to contact with the interior of the cornea. There were no complications after suture removal. CONCLUSIONS: The technique has shown to be effective in suture removal. And, possibly, presents a lower risk for infection, since the external part of the thread does not come in to contact with the innermost parts of the cornea, or with the anterior chamber. No cases of infection have been observed during this research.
Keywords: Suture; Cornea; Lasers; Phacoemulsification; Retrospective study
INTRODUÇÃO
Inúmeras vezes depara-se com a necessidade de suturar a córnea, seja devido a trauma corto-contuso, transplante corneano ou mais freqüentemente na cirurgia da catarata. Alguns trabalhos versam sobre endoftalmite após a facoemulsificação sem sutura(1-2). Segundo estudo de Cooper e colaboradores, a incisão em córnea clara nessa cirurgia, apresenta uma incidência três vezes maior desse tipo de complicação(3).
Se o ponto não for retirado, poderá induzir a complicações como: conjuntivite papilar gigante, úlcera corneana(4), conjuntivite tarsal, conjuntivite purulenta, ceratite filamentosa, vascularização corneana, erosão do epitélio corneano, ceratite supurativa(5), ou ceratite de aparecimento tardio, podendo levar a endoftalmite(6). Além das complicações acima, há relatos de alergia ao próprio nylon(7).
Foram evidenciados, em estudos científicos, depósitos de proteínas e bactérias na sutura da córnea(8-10).
Têm sido relatadas, embora raramente, complicações tais como úlcera de córnea e endoftalmite depois da retirada de ponto corneano(11-15) ou sua ruptura espontânea(16). Essas complicações ocorreram com vários tipos de cirurgias, inclusive cirurgia de catarata.
O presente trabalho foi idealizado com a finalidade de descrever a técnica da retirada de sutura em córnea clara, utilizando o laser de argônio, evitando-se o contato da parte externa do fio com o meio intra-ocular e avaliar se esse procedimento evitaria infecções.
MÉTODOS
Trata-se de um estudo retrospectivo realizado entre 1999 e 2003. Neste período foram feitas, na Clínica de Olhos Zona Oeste, 2.788 facectomias com facoemulsificação e implante de lente intra-ocular, utilizando-se um ponto na incisão. Destas, apenas 1.260 (45,1%) foram incluídas, por terem sido submetidas à retirada do ponto com laser de argônio (Figura 1 e Gráfico 1). Foram excluídas do estudo 1.528 facectomias, nas quais a remoção não foi efetuada com a utilização do laser.
Foram pesquisadas complicações per operatórias, como lesões no estroma corneano induzido pelo laser, e pós-operatórias como edema de córnea, úlcera de córnea e endoftalmite.
O disparo do laser foi feito na parte intra-estromal da sutura evitando a rotação da parte externa do fio para o interior da córnea, durante a sua remoção.
Todos os procedimentos foram feitos pelo mesmo médico (E.V.), a partir do 15º dia de pós-operatório, precedidos pelo uso de iodo povidona a 5%, adotando-se os seguintes parâmetros técnicos, no aparelho Visulas - Carl Zeiss® (Alemanha):
Posição do paciente:
O corte foi feito na parte interna da sutura próximo ao nó (Figura 1). Um disparo geralmente é suficiente (Figura 1), mesmo que o corte não seja total. O local fica esbranquiçado e frágil e o fio arrebenta facilmente quando tracionado. A movimentação do olho pelo paciente pode criar dificuldade durante o procedimento, fazendo com que o laser atinja a parte epitelial da sutura. Caso isso ocorra, deve-se proceder a nova tentativa para cortar o fio na parte intra-estromal também. Assim, ao invés de fazer uma retirada única, esse procedimento deve ser realizado duas vezes.
Após a aplicação do laser, a sutura foi extraída pela parte epitelial, utilizando uma pinça de córnea, esterilizada em autoclave.
Nota: Apesar de alguns autores preconizarem uma potência de 600 a 800 mW(17), observa-se que apenas 340 mW são suficientes para o corte da sutura, ocasionando um menor trauma para a córnea.
RESULTADOS
A técnica foi realizada com sucesso em todos os casos. Dos pacientes que não retiraram o ponto com laser, apenas um apresentou complicação: úlcera de córnea, seguida de endoftalmite, no segundo ano de pós-operatório. A ulceração corneana ocorreu no local em que o ponto rompeu-se por biodegradação. Outras complicações como, conjuntivite papilar gigante, conjuntivite tarsal, conjuntivite purulenta, ceratite filamentosa, vascularização corneana, erosão do epitélio corneano e ceratite supurativa, não foram observadas neste estudo.
Com a utilização desta técnica e com os parâmetros descritos, não se observou nenhum caso de edema de córnea, infecção corneana ou intra-ocular.
DISCUSSÃO
A infecção intra-ocular, após a retirada do ponto, é mais freqüente quando se tem vazamento da ferida mas pode ocorrer mesmo sem a presença deste(1). Outros fatores, como o uso de corticosteróides(14) e baixa imunidade(15) podem ter influenciado nas complicações da retirada de sutura com agulha mencionadas em outros trabalhos(14-15). Este procedimento tem uma importância crucial se a sutura transfixa toda a córnea ou quando existe parte da íris aderida ao fio(17), neste caso, corta-se a parte proximal e distal do fio junto à íris e retira-se o resto. Para prevenir este tipo de complicação, deve-se evitar transfixar toda a espessura corneana com a agulha de sutura(14).
Existe trabalho relatando não haver diferença entre a incidência de infecção na cirurgia de catarata com ou sem sutura(18), porém este foi feito baseado na incisão escleral e não em córnea clara. Possivelmente, na incisão em córnea clara a possibilidade de vazamento e enchimento por aspiração da câmara anterior quando o olho é submetido a uma pressão (o ato de coçar por exemplo) no pós-operatório imediato é maior do que na incisão escleral, recoberta pela conjuntiva.
A síntese da incisão (mesmo sendo auto-selante) é importante para evitar a infecção no pós-operatório da facoemulsificação em córnea clara(1-2), seja ela feita com sutura(19) ou cola orgânica(20). A utilização de cola orgânica ainda é um método caro, sendo a sutura uma boa alternativa(20).
Durante a sutura, ao rodar o nó, deve-se deixá-lo próximo ao orifício de saída da agulha (Figura 1). Pois se o nó ficar no meio do estroma, pode haver dificuldade na mira do laser.
CONCLUSÕES
O presente estudo mostrou que a remoção de sutura corneana pós-cirurgia de catarata, utilizando-se o laser de argônio é uma boa opção, não tendo sido observado nenhum caso de infecção ou qualquer outra complicação.
AGRADECIMENTO
A Paula Grativol, por sua colaboração na coleta de dados.
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Endereço para correspondência
Edélcio Vieira
Av. Min. Edgard Romero, 244/405
Rio de Janeiro (RJ) CEP 21360-200
E-mail: [email protected]
[email protected]
Recebido para publicação em 10.02.2004
Versão revisada recebida em 19.07.2004
Aprovação em 23.07.2004
Trabalho realizado na Clínica de Olhos Zona Oeste Ltda - Rio de Janeiro.
Os autores não tem interesse comercial nos produtos citados neste trabalho.
Nota Editorial: Pela análise deste trabalho e por sua anuência na divulgação desta nota, agradecemos aos Drs. Christiano Fausto Barsante e Paulo Ricardo de Oliveira.