Filipe de Oliveira1; Cristina Muccioli2; Yara Cristina Lopes2; Eduardo Sone Soriano2; Rubens Belfort Jr.2
DOI: 10.1590/S0004-27492004000600008
RESUMO
OBJETIVO: Comparar a precisão e reprodutibilidade de dois biômetros ultra-sônicos convencionais e um biômetro óptico para o cálculo da lente intra-ocular (LIO) acomodativa. MÉTODOS: Pacientes com catarata foram submetidos aos exames em 3 biômetros distintos (IOLMaster®, Axis II® e Humphrey Mod. 820®), antes da cirurgia para implantação da lente intra-ocular acomodativa de silicone (C&C Vision AT-45). No biômetro Humphrey Mod. 820 utilizou-se a técnica de contato e o Axis II foi usado para as técnicas de contato e imersão. O método de interferometria óptica foi realizado pelo IOLMaster. O comprimento axial (AL), profundidade da câmara anterior (ACD) e a ceratometria corneana (K) foram os parâmetros oculares analisados. RESULTADOS: Foram submetidos aos exames 34 pacientes com média de idade de 70,6 anos e idade variando entre 53 e 90 anos. A menor média do comprimento axial (23,12 mm), foi obtida no Axis II (contato) e maior (23,21 mm) no Humphrey Mod. 820 (contato). A maior média da profundidade da câmara anterior (3,10 mm) no IOLMaster e a menor (2,97 mm) no Humphrey Mod. 820 (contato). A reprodutibilidade para os dados de comprimento axial foi significativamente grande para todos os biômetros [3,02%, 3,07 % e 3,19% respectivamente para Humphrey Mod. 820 e Axis II (imersão), Axis II (contato) e IOLMaster]. Os biômetros foram extremamente concordantes nas medidas dos parâmetros analisados (99,01% e 94,77% respectivamente para o comprimento axial e ceratometria corneana). Os coeficientes de Pearson (r) demonstraram alta correlação entre os aparelhos nas medidas do comprimento axial e profundidade da câmara anterior. CONCLUSÃO: Os métodos do estudo para o cálculo da lente intra-ocular acomodativa, demonstraram que houve precisão e reprodutibilidade dos resultados, podendo evitar insatisfação visual do paciente no pós-operatório da cirurgia de catarata decorrente de erros no cálculo da lente intra-ocular.
Descritores: Biometria; Interferometria; Cristalino; Catarata; Reprodutibilidade de resultados
ABSTRACT
PURPOSE: To compare reproducibility, level of agreement and correlation of two ultrasonic biometers and one optical biometer for the calculation of accommodative intraocular lens. METHODS: Cataract patients were submitted to the examination with 3 different biometers (IOLMaster, Axis II and Humphrey Mod. 820) before the implant of the C&C Vision AT-45 accommodative silicone intraocular lens. The Axis II biometer was used for both contact and immersion biometry. Axial length, anterior chamber depth and keratometry were the analyzed biometric parameters. RESULTS: Thirty-four patients from 53 to 90 years old (mean 70.6 y) were submitted to the examination with the three different biometers. The lowest mean axial length (23.12 mm) was obtained with the Axis II/contact and the highest (23.21 mm) with the Humphrey biometer. The lowest mean anterior chamber depth (2.97mm) was obtained with the Humphrey and the highest (3.10mm) with the IOLMaster. Reproducibility for axial length was high for all the biometers tested (coefficient of variation: 3.02% for Humphrey and Axis II / immersion; 3.07 % for Axis II/contact and 3.19% for IOLMaster). All biometers presented nearly equal results of the analyzed parameters (99.01% for axial length and 94.77% for anterior chamber depth). Pearson's coefficient showed a high correlation between the biometers, regarding the axial length and anterior chamber depth measurements. CONCLUSION: The devices used in this study showed excellent reproducibility and high level of agreement and of the axial length, anterior chamber depth and keratometry measurements, making it possible to reduce errors of intraocular lens calculation and visual insatisfaction after cataract surgery.
Keywords: Biometry; Interferometry; Lens; Lens; Lens; Cataract; Reproducibility of results
INTRODUÇÃO
Há muitas causas de erros refracionais nos pós-operatórios de cirurgia de catarata, incluindo desde erros na medida do comprimento axial ântero-posterior ("axial length"-AL) e na medida correta da curvatura corneana ou ceratometria (K) nos meridianos principais, bem como o erro na escolha da fórmula do cálculo do poder dióptrico da lente intra-ocular (LIO). Atualmente, 54% de todas as falhas no cálculo da LIO resultam de erros na medida do AL(1).
Geralmente, o método estabelecido para determinar a medida do comprimento axial é a biometria ultra-sônica (BUS) que está sendo continuamente aperfeiçoada desde o início de sua utilização em 1956(2). No entanto, o maior inconveniente da BUS é o contato entre a sonda e o olho, requerendo assim o uso de anestesia tópica local e cuidados especiais para evitar abrasão epitelial da córnea e infecção secundária. Usando um transdutor de 10 MHz, a resolução do ultra-som é limitada a 200 mm(3-4) e a precisão é estimada em 100 a 120 mm. Por exemplo, um erro de 100 mm no AL, resultará em um erro de 0,28 dioptrias (D) na refração pós-operatória em um olho médio(1-6).
Atualmente, métodos de biometria óptica não invasiva, baseados no princípio da interferometria de coerência parcial (ICP) estão sendo desenvolvidos(7). A vantagem da biometria óptica pelo método ICP, é que este não requer anestesia local e não representa risco de infecção, uma vez que não há contato entre o equipamento e o olho(8). Sendo assim, esse método elimina uma fonte adicional de erro na medida do AL: a indentação da córnea(9).
A dilatação pupilar não é necessária na biometria óptica pelo método ICP, que tem alta resolução longitudinal e transversal(8). Em diversas publicações, a precisão é citada entre 5 mm e 30 mm(8-9,10-12). A principal desvantagem do método ICP limita-se aos casos de instabilidade da fixação ocular e cataratas avançadas(7,9).
Considerando as propriedades inerentes a cada técnica usada e modelo de biômetro empregado, o objetivo deste estudo foi comparar os dados de AL, ACD e K obtidos em um biômetro óptico e em dois modelos distintos de biômetros ultra-sônicos convencionais e avaliar sua precisão e reprodutibilidade para o cálculo da LIO acomodativa C&C Vision®.
MÉTODOS
Trinta e quatro pacientes foram submetidos ao exame de biometria, em 3 biômetros distintos (IOLMaster - Carl Zeiss®, Axis II - Quantel Medical® e Biômetro Modelo 820 - Allergan Humphrey®). Dos 34 pacientes, a média de idade foi de 70,6 anos, variando entre 53 e 90 anos. Todos os pacientes foram incluídos em um estudo multicêntrico para avaliação da segurança e eficácia de uma lente intra-ocular acomodativa (AT-45 / C&C Vision®), e assinaram um termo de consentimento livre e esclarecido aprovado pelo Comitê de Ética da UNIFESP/ EPM e de acordo com a Declaração de Helsinki(13).
Inicialmente os pacientes foram submetidos à biometria óptica IOLMaster, posteriormente à biometria ultra-sônica de contato no Axis II e no Humphrey Mod. 820 respectivamente, e à biometria ultra-sônica de imersão no Axis II. Todos os exames foram realizados por um tecnólogo oftálmico treinado para utilização dos três aparelhos.
O IOLMaster é um equipamento que mede o AL (comprimento axial), a ACD (profundidade da câmara anterior) e a K (ceratometria), parâmetros oculares necessários para o cálculo da LIO, sucessivamente em uma sessão. Embora a ACD e a K sejam medidas baseadas na análise da imagem corneana, a determinação do AL é baseada no método de interferometria óptica, conhecido como ICP. Utiliza dois feixes de luz coaxiais que incidem sobre a superfície anterior da córnea e sobre o epitélio pigmentário da retina, eliminando a influência dos movimentos longitudinais do olho. Como o paciente mantém o olhar fixo a uma mira, a medida é realizada até a área macular. Este biômetro possui um índice que mede a qualidade da medida do AL, denominado SNR (signal-to-noise ratio), que torna o exame impossível se o índice for menor que 1,6, resultado duvidoso se estiver entre 1,6 e 2,0 e confiável se maior que 2,0.
O Axis II e o Modelo 820 foram os biômetros ultra-sônicos empregados neste estudo, ambos contêm um cristal pizoelétrico que emite pulsos ultra-sônicos da ordem de 10 MHz. O aparelho calcula o tempo que o feixe sonoro se propaga através das estruturas oculares e retorna ao probe, usando valores padronizados de velocidade do som nos diferentes segmentos do olho, para obter os valores do AL e ACD. O valor da K não é obtido por estes aparelhos, sendo um dado que deve ser previamente inserido nos mesmos para que possibilite o cálculo da LIO. Neste estudo, utilizou-se o ceratômetro manual Topcon Mod. OM-4.
A biometria de imersão foi realizada no Axis II utizando-se o modo "imersão" e utilizou-se a cuba Prager Immersion Shell. Este procedimento foi realizado por último por tratar-se de um método mais demorado e que exige cuidados para evitar abrasão corneana durante a colocação e retirada da cuba do olho.
A reprodutibilidade das medidas do AL e da ACD obtidas pelos 4 métodos empregados neste estudo, foi caracterizada pela porcentagem do coeficiente de variação (COV), definido como COV = 100 x desvio-padrão / média.
A concordância dos 4 métodos foi obtida pelo coeficiente de correlação intraclasse para cada parâmetro analisado (AL, ACD e K horizontal e vertical). O coeficiente de Pearson (r) foi calculado para verificar o nível de correlação dos métodos entre si. Utilizou-se o software Microsoft Excel® para criar os gráficos de dispersão.
RESULTADOS
Os valores das médias e desvio-padrão encontrados para o AL e o ACD nos biômetros usados são apresentados na tabela 1.
A análise do coeficiente de variação (COV) permitiu concluir que a reprodutibilidade das medidas do AL foi considerada alta para os 4 métodos usados. Quanto à ACD, a reprodutibilidade encontrada foi menor (Tabela 2).
Os valores de K nos meridianos principais (horizontal e vertical) obtidos no ceratômetro manual Topcon OM-4 e no IOLMaster são apresentados na tabela 3.
Os coeficientes de correlação intraclasse para os quatro métodos usados para medir o AL e a ACD foram respectivamente 99,01% e 95%, evidenciando grande concordância entre eles. As medidas de K (horizontal) e K (vertical) obtidas pelos 2 métodos usados, também indicaram alta concordância: 95,99% e 94,77% respectivamente (Tabela 4).
Os coeficientes de correlação de Pearson (r) (p<0,001) dos 4 métodos correlacionados entre si são apresentados nas tabelas 5 e 6.
DISCUSSÃO
Embora alguns autores tenham observado que a biometria ultra-sônica de aplanação possa subestimar o AL verdadeiro; devido ao contato da sonda com a superfície anterior da córnea; podendo assim indentá-la, este estudo demonstrou que isto ocorreu no biômetro Axis II (método de contato) ao passo que o Humphrey Mod. 820 apresentou a maior média de AL (Tabela 1) discordando assim desta hipótese. Uma outra possível explicação para este fenômeno seria a reflexão da luz, que na biometria ultra-sônica ocorre na membrana limitante interna da retina e na biometria óptica ocorre no epitélio pigmentário. Isto resultaria em uma diferença de 130 mm, e pode aumentar se a luz não estiver diretamente sobre a fóvea(14).
No entanto, a análise da ACD permitiu deduzir que ambos os biômetros apresentaram as menores médias para este parâmetro, de acordo com o que fora sugerido por outros autores.
Na biometria óptica, as medidas são realizadas paralelamente ao eixo visual, devido ao fato de o paciente fixar um feixe luminoso, diferentemente da biometria ultra-sônica, em que as medidas ocorrem pelo eixo óptico ou anatômico do olho. A biometria óptica não pode substituir totalmente a biometria ultra-sônica, principalmente em casos de baixa de acuidade visual por catarata densa e outras patologias associadas à opacidade de meios, onde nestes a biometria ultra-sônica seria indicada(15).
Németh num trabalho recente analisou o COV do AL e da ACD de 208 olhos submetidos à biometria óptica e ultra-sônica(16), encontrando alta reprodutibilidade para ambos os parâmetros, conforme o que fora encontrado no presente estudo.
A correlação existente entre os métodos usados neste estudo para medir o AL demonstrou que a mesma foi alta para o IOLMaster com o Axis II nas técnicas de contato e imersão (r=0,98). O menor índice de correlação foi entre o Axis II (imersão) e o Mod. 820 (contato) (r=0,93), embora este índice também seja considerado elevado.
Quanto ao ACD, a correlação foi maior entre o IOLMaster e o Axis II (contato) (r=0,96) e a menor ocorreu entre o Axis II (imersão) e o Mod. 820 (contato) (r=0,76) revelando uma correlação moderada. Isto condiz com o que foi recentemente observado num estudo multicêntrico(17).
A análise do coeficiente de correlação intraclasse usado neste estudo, demonstrou que os aparelhos usados para medir AL, ACD e K são extremamente concordantes com nível de confiabilidade de 95%.
CONCLUSÃO
A precisão da biometria é crucial para reduzir os erros de cálculo do poder dióptrico da LIO, e considerando este aspecto, torna-se importante aplicar um método preciso e adequado para calcular com exatidão o poder da LIO, para evitar resultados refracionais indesejados no pós-operatório.
O presente estudo revelou que os parâmetros oculares usados para o cálculo da lente intra-ocular obtidos pelos biômetros IOLMaster, Axis II e Humphrey Mod. 820, apesar de se apresentarem extremamente concordantes, evidenciaram discreta variação nos índices de correlação do AL. Essa variação pode ser considerada estatisticamente insignificante (teste t), porém pode ser clinicamente importante, uma vez que erros de 100 µm na medida do AL de um olho médio, passariam a ocasionar 0,28 D de erro na refração pós-operatória, conforme citado anteriormente por outros autores. Neste estudo, a maior correlação foi entre o IOLMaster e o Axis II tanto na técnica de contato quanto na de imersão, o que demonstra maior coerência das medidas obtidas nestes modelos.
Os métodos usados neste estudo para o cálculo LIO acomodativa, demonstraram que houve precisão e reprodutibilidade dos resultados, podendo evitar a insatisfação visual do paciente no pós-operatório da cirurgia de catarata decorrente de erros no cálculo da LIO.
REFERÊNCIAS
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Endereço para Correspondência
Filipe de Oliveira
Departamento de Oftalmologia / UNIFESP
R. Botucatu, 822 - São Paulo (SP)
CEP 04023-062
E-mail: [email protected]
Recebido para publicação em 19.11.2003
Versão revisada recebida em 12.04.2004
Aprovação em 17.05.2004
Nota Editorial: Pela análise deste trabalho e por sua anuência na divulgação desta nota, agradecemos aos Drs. Wagner Zacharias e José Carlos Eudes Carani.