João Luiz Pacini Costa1; Valter Resende de Paiva1; Frederico Nobre Baleeiro1; Luciana Fernandes Barreto1
DOI: 10.1590/S0004-27492004000500024
RESUMO
OBJETIVO: Relatar um caso de um acidente perfurante por arame que fixava material de propaganda política exposto nas ruas do DF. MÉTODO: Relato de caso de um adolescente, sexo masculino, 16 anos, vítima de traumatismo perfurante no olho esquerdo por arame exposto que fixava propaganda eleitoral. RESULTADO: Acuidade visual de 20/25 foi obtida por implante secundário no sulco ciliar e capsulotomia posterior cirúrgica 90 dias após a perfuração ocular. CONCLUSÃO: Atentamos para a gravidade e o risco a que os cidadãos estão expostos em período de eleições devido à má fiscalização da propaganda política no Distrito Federal e a importância de leis mais rígidas na prevenção destes acidentes.
Descritores: Ferimentos perfurantes; Traumatismos oculares; Propaganda; Adolescente; Masculino; Relato de caso
ABSTRACT
PURPOSE: Report a case of ocular penetrating wound caused by a wire attached to a political propaganda poster on the streets of the DF (BR). METHODS: Case report of a teenager, male, 16-year-old. RESULTS: Visual acuity of 20/25 was obtained with a secondary intraocular lens implantation in the ciliary sulcus and a posterior surgical capsulotomy 90 days after the ocular perforation. CONCLUSION: We alert the readers about the severity and the risk that citizens are exposed to in this period of elections due to lack of safety inspection measures in the Federal District and the importance of stricter laws to prevent such accidents.
Keywords: Wounds; stab; Eye injuries; Propaganda; Adolescent; Male; Case report
INTRODUÇÃO
O estudo das lesões perfurantes causadas por trauma ocular é um assunto hoje bastante explorado pela sua alta incidência nos serviços de emergência oftalmológica do mundo todo e por provocar incapacidade funcional temporária ou permanente. Estudos recentes realizados também indicam o trauma ocular como importante causa de cegueira unilateral, sendo mais freqüente em crianças e adultos jovens (69,1% abaixo de 30 anos)(1-2).
Um estudo epidemiológico realizado entre julho de 1987 e janeiro de 1999 no EUA demonstrou o predomínio do sexo masculino (80%) nos acidentes perfurantes, sendo a média de idade mais acometida a de 29 anos. As complicações mais comuns foram a catarata traumática e a infecção(3).
O mau prognóstico deste tipo de acidente é também devido à formação de cicatrizes corneanas, dificultando a correção por meio de lentes devido à superfície corneana irregular(4-5).
Dentre os diversos objetos causadores, o objeto metálico é o mais fre-qüente com 40,54%, sendo mais freqüente a perfuração córneo-escleral 46,75%. A gravidade desses traumas é constatada pelo elevado número de cegos (AV menos que 0,1) no final do tratamento(6).
Com relação à prevenção dos acidentes perfurantes, medidas eficazes têm sido tomadas como a obrigatoriedade do uso do cinto de segurança (nova legislação do trânsito), uso dos óculos de proteção na indústria e realização de campanhas na prevenção do acidente doméstico. Isto foi decorrente, principalmente, do importante trabalho do Conselho Brasileiro de Oftalmologia (CBO), Sociedade Brasileira de Oftalmologia (SOB) e outras sociedades no sentido de orientar e alertar a população sobre a gravidade deste tipo de acidente. Entretanto a legislação sobre a propaganda eleitoral é atualmente falha e omissa em alguns pontos deixando a população exposta aos acidentes oculares.
MÉTODOS
Um paciente de 16 anos foi admitido no serviço de emergência do Instituto de Saúde de Olhos - Brasília com história de traumatismo ocular e perfuração do olho esquerdo por arame exposto em material de propaganda política próximo à sua residência. O estudo do caso foi realizado por meio da descrição da história clínica, exame oftalmológico, procedimentos e evolução clínica. Foi realizada também a observação do local do acidente.
RESULTADOS
I - Descrição do local do acidente
No local do acidente obtivemos mais informações sobre o mecanismo do trauma. Tratava-se de um arame amarrado a um poste fixando um cartaz de propaganda política. O arame era liso e pré-cozido com 1,5 milímetros de diâmetro localizado a 1 metro e 55 centímetros de altura do solo, exposto à altura dos olhos da vítima (Figura 1).
II - Descrição do caso
Paciente de 16 anos, sexo masculino, atendido na emergência do Instituto de Saúde de Olhos - Brasília - ISOB - com história de traumatismo ocular há 2 horas por arame que fixava cartaz de propaganda eleitoral próximo à sua casa. Ao descer de um veículo, o paciente feriu seu olho esquerdo no referido arame, o que causou perfuração no globo ocular. No momento em que foi atendido queixava-se de dor aguda, intensa fotofobia e sensação de corpo estranho no olho acometido.
No exame constatou-se acuidade visual (AV) 20/25 no olho direito (OD) e 20/100 no olho esquerdo (OE). À biomicroscopia observou-se em OE hiperemia pericerática, câmara anterior média com discreta fibrina, lesão transversal auto-selante às 14 horas, localizada na córnea, medindo cerca de 2,5 mm, a cerca de 3 mm do limbo, pupila de contorno regular com 4 mm de diâmetro e opacificação do cristalino (Figura 2). O teste de Seidel foi negativo. A tonometria de aplanação do OE apresentava-se com 8 mmHg e do OD com 10 mmHg às 19:40 h. A fundoscopia do OD não apresentava alterações perceptíveis no pólo posterior e o exame do OE foi dificultado pela opacificação do cristalino. O exame ecográfico bidimensional demonstrou picos de pequena e média refletividade em câmara vítrea localizado em região temporal posterior do OE com pós-movimento. Observou-se a retina aplicada e ausência de corpo estranho (Figura 3).
III - conduta clínica
O paciente foi submetido à cirurgia de emergência, sob anestesia geral, utilizando a técnica de facectomia extracapsular sem lente intra-ocular (LIO) com incisão límbica de 2,0 mm às 12:00 h. Foi aproveitada a abertura da cápsula anterior feita pelo arame e realizada a sutura da lesão corneana. Também foi feita injeção intravítrea de vancomicina 1mg e fortaz 2 mg como profilaxia para endoftalmite. Não foi notada ruptura da cápsula posterior.
No pós-operatório, o paciente apresentava-se sem queixas sendo realizado biomicroscopia, tonometria de aplanação e retinografia simples sem anormalidades. Foram prescritos cetorolac de trometamina 0,5%, ciprofloxacino associada a dexametasona, tobramicina e sulfato de condroitina por exatamente 25 dias e suspensos pela melhora geral do quadro clínico.
As seqüelas após a perfuração e a reconstituição ocular foram um desvio pupilar com sinéquia írido-cristaliana às 14:00 h e afacia.
IV - Evolução
O olho traumatizado após 36 dias da cirurgia de emergência, encontrava-se com refração: +11,50 = -0,75 x 180º e acuidade visual de 20/20 no olho esquerdo. Pupila com discreta irregularidade devido à sinéquia entre a íris e a cápsula anterior às 14:00 h e câmara anterior profunda. Córnea transparente exceto pela opacidade na área da sutura, mantendo pressão intra-ocular de 16 mmHg. O mapeamento de retina mostrou-se normal, inclusive na área de acometimento vítreo descrito na ecografia bidimensional realizada no pré-operatório. Diante destes resultados, o paciente foi submetido à nova cirurgia, sob bloqueio peribulbar e sedação, para implante secundário de LIO acrisof com poder dióptrico de 20,0 dioptrias no sulco ciliar devido à fibrose capsular e conseqüente impossibilidade de abrir-se o saco capsular. Durante o ato operatório foi necessária a realização de capsulotomia posterior, não havendo perda vítrea. No 12º dia de pós-operatório, o paciente já apresentava refração final: -0,75 esférico (0,9) no olho operado e sem queixas ou sinais de infecção e inflamação no exame oftalmológico (Figura 4).
DISCUSSÃO
Os traumas que resultam em perfuração ocular são hoje uma importante causa de incapacidade funcional, temporária ou definitiva da função visual, que acomete a faixa etária jovem e produtiva da sociedade. Isto mostra que é bastante importante a prevenção e cuidados no tratamento desses pacientes.
O relato do caso em questão foi compatível com a literatura em diversos aspectos já mencionados como o sexo masculino e faixa etária jovem acometida freqüentemente por acidentes perfurantes(1,2-6). Também o objeto metálico foi encontrado em diversos estudos como o mais freqüente causador das perfurações no mundo todo(6).
A perfuração corneana causada pelo objeto metálico causou de imediato a opacificação do cristalino devido ao acometimento deste, sendo freqüentes casos que evoluem para afacia e presença de cicatrizes corneanas dificultando a completa recuperação da AV, mesmo com o uso de correção. Outra grande preocupação foi o acesso de microorganismos no interior do olho, pois mesmo sendo uma lesão auto-selante e sem presença de corpo estranho intra-ocular, havia uma possibilidade de endoftalmite por flora mista, de acordo com os dados da literatura estudada(2).
Das pesquisas feitas na esfera jurídica, encontrou-se a Lei número 9.504, de 30 de setembro de 1997, Artigo 37 referente à propaganda eleitoral em geral, autorizando a fixação de placas, estandartes, faixas e assemelhados nos postes de iluminação pública, viadutos, passarelas e pontes, desde que não cause dano, dificulte ou impeça o seu uso e o bom andamento do tráfego. A existência desta Lei obriga as autoridades a uma fiscalização adequada e rigorosa para que esta lei seja cumprida sem causar danos à sociedade(7).
Encontra-se ainda tramitando na Câmara Federal um projeto de lei que visa proibir a fixação de propaganda política nos postes de iluminação pública e telefonia, viadutos, passarelas e pontes. Apesar do objetivo principal deste projeto ser de apenas coibir a poluição visual, seria bastante útil também para a saúde e bem estar da população(7).
A fixação de cartazes de propaganda eleitoral é um ato legal e coberto pela Lei eleitoral nº 9.504 com o intuito de servir a sociedade, ou seja, propiciar ao eleitor o acesso a informações sobre os candidatos, entretanto o abuso desses recursos está descaracterizando as cidades com excessiva poluição visual, além de por em risco a saúde e bem estar da população, já que este tipo de acidente não é incomum nesta época de eleições. Apesar de já existirem projetos para proibição da fixação de cartazes de propaganda política em postes de iluminação pública, telefonia, viadutos, passarela e pontes, deve-se resguardar a população acidentes graves e debilitantes como este.
Observou-se, no Distrito Federal, uma omissão das autoridades no sentido da fiscalização e punição dos infratores no último pleito eleitoral. Chegando a ponto de não se obrigar o candidato a retirar o material afixado, ficando a cargo do governo local.
Foi feito o comunicado deste caso ao Ministério Público Federal e ao Conselho Federal de Medicina para que sejam tomadas as devidas providências na não utilização do arame para a fixação destes cartazes na cidade ou mesmo a proibição destas propagandas, já que não haverá prejuízo aos candidatos, que contam com outras inúmeras possibilidades de atingir o eleitor.
REFERÊNCIAS
1. Bordon AF, Souza LB, Moraes NSB, Freitas D. Perfuração ocular: estudo de 473 casos. Arq Bras Oftalmol. 1994;57(1):62-5.
2. Molinari LC.Trauma ocular e endoftalmite. Rev Bras Oftalmol. 1995;54(10): 775-81.
3. Smith D, Wrenn K, Stack LB. The epidemiology and diagnosis of penetrating eye injuries. Acad Emerg Med. 2002;9(3):209-13.
4. Schapira E, Lipner C, Moraes NSB. Recuperação visual em perfuração ocular. Arq Bras Oftalmol. 1996;59(5):504-6.
5. Biase LH, Rodrigues MLV. Danos oculares após traumatismo perfurante. Rev Bras Oftalmol. 1991;50(1):17-23.
6. Schellini SA, D'Aurea Filho JA, Padovani CR, Silva MRBM. Causas e características do trauma ocular perfurante em Botucatu-SP. Rev Bras Oftalmol. 1995;54(11):829-34.
7. Agência Câmara. Propaganda eleitoral pode ser proibida nas ruas. De olho na política [página na Internet ]. Goiás: Notícias: 2002. [citado 2002 Set 4]. Disponível em URL: http://www.deolhonapolitica.com/goias/noticiasdet. asp?news_id=389
Endereço para correspondência
João Luiz Pacini Costa
CNC 1 Nº 14, Taguatinga Norte
Brasília (DF) CEP 72115-515
E-mail: [email protected]
Recebido para publicação em 21.03.2003
Versão revisada recebida em 17.09.2003
Aprovação em 21.05.2004
Trabalho realizado no Instituto de Saúde de Olhos - Brasília (ISOB).