Open Access Peer-Reviewed
Editorial

Coroidopatia lúpica: relato de 2 casos

Lupus choroidopathy: report of 2 Cases

Oswaldo Ferreira Moura Brasil1; Danielle de Pinho Paes Barreto1; Maria Vitoria Fernandes de Oliveira1; Ricardo Miguel Japiassú2; Haroldo Vieira de Moraes Jr.3

DOI: 10.1590/S0004-27492004000400018

RESUMO

Descrevemos 2 casos de coroidopatia lúpica, uma manifestação ocular incomum do lúpus eritematoso sistêmico, caracterizada por elevação serosa do epitélio pigmentário retiniano e/ou retina sensorial e moteamento do epitélio pigmentário.

Descritores: Lupus eritematoso sistêmico; Manifestações oculares; Doenças da coróide; Coróide; Coróide; Epitélio pigmentado retiniano; Relatos de casos

ABSTRACT

We describe 2 cases of lupus choroidopathy, an unusual ocular manifestation of systemic lupus erythematosus, characterized by serous elevation of the retinal pigment epithelium and/or sensory retina and pigment epithelium mottling.

Keywords: Lupus erythematosus; Lupus erythematosus; Eye manifestations; Choroid diseases; Choroid; Choroid; Case reports


 

 

INTRODUÇÃO

O lupus eritematoso sistêmico (LES) é uma doença de etiologia desconhecida em que tecidos e células são danificados por auto-anticorpos e complexos imunes patogênicos(1). O envolvimento ocular é comum e inclui lesão cutânea palpebral, síndrome de Sjögren secundária, lesões vasculares retinianas e lesões neuro-oftálmicas(2-8).

As manifestações vasculares retinianas constituem a forma mais comum de envolvimento ocular, sendo encontradas em 29% dos pacientes e caracterizadas, na maioria dos casos, por manchas algodonosas com ou sem hemorragias intra-retinianas(9).

A coroidopatia lúpica é uma manifestação incomum da doença, descrita em 28 pacientes na literatura inglesa, sendo apenas 2 homens(10). É caracterizada por elevação serosa do epitélio pigmentário retiniano (EPR) e/ou retina sensorial e moteamento do EPR(11).

Descrevemos, a seguir, 2 casos de coroidopatia em pacientes com LES.

 

RELATO DE CASOS

CASO 1:

I.J.C.G., sexo feminino, 33 anos, negra, foi encaminhada ao ambulatório de oftalmologia para avaliação por ser portadora de LES. Estava em uso de 60mg de prednisona ao dia e negava uso prévio de cloroquina.

Em relação ao quadro sistêmico, apresentava poliartrite, pleurite, "rash" malar e febre. Previamente ao exame oftalmológico, havia sido submetida à pulsoterapia com metilprednisolona, na dose de 1g ao dia por 3 dias, devido a vasculite sistêmica grave. Os exames laboratoriais evidenciavam anemia hemolítica, linfopenia, proteinúria, anticorpo antinuclear (ANA) positivo >1/200 padrão salpicado, anti-DNA positivo, anti-cardiolipina positiva (55U/ml).

Não apresentava queixas oculares. Sua acuidade visual era de 1,0 em ambos os olhos. A biomicroscopia e a tonometria eram normais, assim como o exame da grade de Amsler e o teste de Ishihara. Na fundoscopia, foram evidenciadas diversas áreas de hiperpigmentação no pólo posterior em ambos os olhos (Figuras 1 e 2), que na angiografia fluoresceínica representavam moteamento do EPR (Figuras 3 e 4).

 

 

 

 

 

 

 

 

Durante o acompanhamento, a paciente foi tratada com hidroxicloroquina pelo serviço de reumatologia por 11 meses, com dose de 150 mg em dias alternados. Manteve o uso de prednisona, com dose variando de 20 a 80mg, conforme evolução da sintomatologia articular. Ainda, apresentou hipertensão arterial decorrente de nefrite lúpica. O exame oftalmológico manteve-se inalterado por 3 anos.

CASO 2:

L.A.F., sexo masculino, 23 anos, pardo, foi encaminhado para avaliação oftalmológica, queixando-se de baixa acuidade visual após início do uso de hidroxicloroquina, já suspensa. A dose utilizada foi de 150mg/dia por um período de 10 meses.

O paciente era portador de LES e estava sendo administrado 5 mg de prednisona em dias alternados. Anteriormente, foi submetido a pulsos de ciclofosfamida 10 vezes para controle sistêmico. Apresentava nefrite lúpica com insuficiência renal, proteinúria nefrótica e hipertensão arterial grave. Ainda, tinha síndrome do anticorpo anti-fosfolipídeo (SAAF), com anti-cardiolipina IgM e IgG positivas, com dosagem de 80U/ml e 100U/ml, respectivamente. Desta forma, encontrava-se anticoagulado com warfarin 2,5mg/dia.

Em relação aos exames laboratoriais, foi constatado: anemia com linfopenia, ANA positivo 1/100 padrão salpicado e anti-SM positivo >1/500.

Ao exame oftalmológico, apresentava acuidade visual corrigida igual a 1,0 no olho direito (OD) e 0,5 no olho esquerdo (OE). Não tinha alterações na biomicroscopia e na tonometria. O exame da grade de Amsler e o teste de Ishihara eram normais. A fundoscopia mostrou maior acometimento do OE (Figuras 5 e 6), com a maior parte das lesões além das arcadas vasculares. A angiografia fluoresceínica evidenciou o moteamento do EPR (Figuras 7 e 8).

 

 

 

 

 

 

 

 

Durante 2 anos de acompanhamento, o exame oftalmológico permaneceu inalterado. Neste período, o paciente utilizou azatioprina com bom controle sistêmico.

 

DISCUSSÃO

As alterações clínicas encontradas em pacientes com coroidopatia lúpica envolvem elevações serosas da retina, mais freqüentemente da retina neurosensorial. Elevações serosas do epitélio pigmentário retiniano e elevações combinadas também podem ser evidenciadas. Estes achados clínicos estão associados à doença vascular sistêmica, tanto hipertensão devido à nefrite lúpica quanto vasculite sistêmica(11).

Foi proposto que o depósito de complexos imunes e o dano resultante aos coriocapilares e secundariamente ao epitélio pigmentário retiniano seria o possível mecanismo para acúmulo de fluído sub-retiniano(12).

Também foi observado que a angiografia com indocianina verde pode trazer dados adicionais, não detectados no exame clínico ou na angiografia fluoresceínica, em pacientes com coroidopatia em lupus eritematoso sistêmico(13).

A revisão da literatura existente nos mostra que a presença de coroidopatia lúpica é, geralmente, indicador de acometimento visceral coexistente e a imunomodulação da doença sistêmica pode levar a melhora e até resolução da vasculite sistêmica, bem como da coroidopatia(10). Isto ficou evidente em ambos os casos descritos, que apresentaram importante acometimento visceral e mantiveram seus quadros sistêmicos e oculares estáveis com o controle imunomodulador da doença.

A presença de SAAF está relacionada a grande incidência de episódios vaso-oclusivos, já sendo descrita em coroidopatia isquêmica em paciente com LES(14). Ambos os casos descritos apresentavam anti-cardiolipina positiva.

Em relação ao uso de hidroxicloroquina, presente nos 2 casos, há mínimo risco de toxicidade para indivíduos utilizando doses menores que 6,5mg/kg por menos de 5 anos(15).

 

REFERÊNCIAS

1. Hahn BH. Systemic lupus erythematosus. In: Fauci AS, Braunwald E, Isselbacher KJ, Wilson JD, Martin JB, Kasper D, et al. editors. Harrison's principles of internal medicine. Rio de Janeiro: McGraw-Hill; 1998. p.1874-80.        

2. Huey C, Jakobiec FA, Iwamoto T, Kennedy R, Farmer ER, Green WR. Discoid lupus erythematosus of the eyelids. Ophthalmology. 1983;90 (12):1389-98.        

3. Gold DH, Morris DA, Henkind P. Ocular findings in systemic lupus erythematosus. Br J Ophthalmol. 1972;56(11):800-4.        

4. Coppeto J, Lessell S. Retinopathy in systemic lupus erythematosus. Arch Ophthalmol. 1977;95(5):794-7.        

5. Jabs DA, Fine SL, Hochberg MC, Newman SA, Heiner GG, Stevens MB. Severe retinal vaso-oclusive disease in systemic lupus erythematosus. Arch Ophthalmol. 1986;104(4):558-63.        

6. Jabs DA, Miller NR, Newman AS, Johnson MA, Stevens MB. Optic neuropathy in systemic lupus erythematosus. Arch Ophthalmol. 1986;104(4): 564-8.        

7. Mendes LE, Gonçalves JOR, Costa VP, Belfort Jr R. Alterações oculares no lupus eritematoso sistêmico. Arq Bras Oftalmol. 1998(6);61:713-6.        

8. Bigolin S, Oyamaguchi E, Claro C Del , Bryk Jr A, Komatsu MCG, Belotto E, et al. Achados oculares e fundoscópicos em pacientes com lupus eritematoso sistêmico. Arq Bras Oftalmol. 2000;63(5):383-6.        

9. Lanham JG, Barrie T, Kohner EM, Hughes GRV. Systemic lupus erythematosus retinopathy: evaluation by fluorescein angiography. Ann Rheum Dis. 1982;41(3):473-8.        

10. Nguyen QD, Uy HS, Akpek EK, Harper SL, Zacks DN, Foster CS. Choroidopathy of systemic lupus erythematosus. Lupus. 2000;9(4):288-98.        

11. Jabs DA, Hanneken AM, Schachat A, Fine SL. Choroidopathy in systemic lupus erythematosus. Arch Ophthalmol. 1988;106(2):230-4.        

12. Laviña AM, Agarwal A, Hunyor A, Gass JDM. Lupus choroidopathy and choroidal effusions. Retina. 2002;22(5):643-7.        

13. Gharbiya M, Bozzoni-Pantaleoni F, Augello F, Balacco-Gabrieli C. Indocyanine green angiographic findings in systemic lupus erythematosus choroidopathy. Am J Ophthalmol. 2002;134(2):286-90.        

14. Snyers B, Lambert M, Hardy JP. Retinal and choroidal vaso-occlusive disease in systemic lupus erythematosus associated with antiphospholipid antibodies. Retina. 1990;10(4):255-60.        

15. Marmor MF, Carr RE, Easterbrook M, Frajo AA, Mieler WF. Recommendations on screening for chloroquine and hydroxychloroquine retinopathy. Ophthalmology. 2002;109(7):1377-82.        

 

 

Endereço para correspondência
Oswaldo Ferreira Moura Brasil
Av. Epitácio Pessoa 900 apto 101
Rio de Janeiro (RJ) Cep 22471-000
E-mail: [email protected]

Recebido para publicação em 22.07.2003
Versão revisada recebida em 16.12.2003
Aprovação em 17.12.2003

 

 

Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Hospital Universitário Clementino Fraga Filho - Serviço de Oftalmologia - Setor de Uveítes, Av. Brigadeiro Tromposky s/nº. CEP 21941-590 - Rio de Janeiro (RJ)
Nota Editorial: Pela análise deste trabalho e por sua anuência na divulgação desta nota, agradecemos ao Dr. José Beniz Neto.


Dimension

© 2024 - All rights reserved - Conselho Brasileiro de Oftalmologia