Open Access Peer-Reviewed
Editorial

Análise clínica, cirúrgica e laboratorial de pacientes com conjuntivocálase

Clinical, surgical and laboratorial analysis of patients with conjunctivochalasis

Carlos Eduardo Borges Souza1; Dinorah Piacentini Engel1; Bruno Castelo Branco1; Ana Luiza Höfling-Lima1; Luciene Barbosa de Souza2; Jaison Barros1; Denise de Freitas3

DOI: 10.1590/S0004-27492004000400011

RESUMO

OBJETIVO: Avaliação clínica, cirúrgica e laboratorial de pacientes com conjuntivocálase. MÉTODOS: Foi realizado exame oftalmológico antes e após tratamento cirúrgico em dez pacientes com conjuntivocálase avaliando os seguintes dados: acuidade visual, biomicroscopia do segmento anterior, padrão de coloração pela rosa bengala, teste de Schirmer e citologia de impressão. RESULTADOS: Após a cirurgia todos os pacientes apresentaram melhora na sintomatologia e no padrão de rosa bengala. A citologia de impressão revelou metaplasia escamosa em oito pacientes. CONCLUSÃO: A cirurgia pode ser eficaz na melhora da sintomatologia dos pacientes com conjuntivocálase. Metaplasia escamosa foi achado freqüente nesses pacientes.

Descritores: Doenças da conjuntiva; Doenças da conjuntiva; Conjuntiva; Síndromes do olho seco; Olho

ABSTRACT

PURPOSE: To evaluate clinical, surgical and laboratorial findings in patients with conjunctivochalasis. METHODS: Ophthalmologic examinations using 1% rose bengal, Schirmer test and impression cytology were performed in ten patients and after surgery. RESULTS: Sintomatology improved in all patients on surgery. Impression cytology revealed metaplasia in eight patients. CONCLUSION: Surgical treatment may improve signs and symptoms in patients with conjuctivochalasis. Scamous metaplasia was a frequent finding in these patients.

Keywords: Conjunctival diseases; Conjunctival disease; Conjunctiva; Dry eye syndromes; Eye


 

 

INTRODUÇÃO

Conjuntivocálase caracteriza-se pela presença de dobras redundantes, frouxas, não edematosas da conjuntiva bulbar inferior interposta entre o globo e a pálpebra inferior, como descrito inicialmente por Braunschweig em 1921(1). Essa condição tende a ser bilateral, podendo localizar-se na parte lateral, central e medial da conjuntiva. É mais comumente encontrada em idosos, embora já tenha sido descrita em pacientes jovens com até quinze anos de idade(2). Há associações com dermatocálase, lagoftalmo, pseudopterígio e pinguécula(3-4).

Os sintomas são bastante variáveis, podendo não haver queixas nos casos leves, queixa de lacrimejamento e sensação de corpo estranho nos moderados e dor, irritação conjuntival, presença de hemorragia subconjuntival e úlcera marginal nos mais severos(5-8).

Existem diferentes teorias sobre a fisiopatologia da conjuntivocálase(6,9), assim como diferentes classificações; dentre estas se consideram: localização, número de dobras, altura das dobras em relação ao menisco lacrimal, mudança na altura das dobras em diferentes ducções e com pressão digital(5).

O tratamento varia, de observação, nos casos leves a tratamento clínico, com lubrificantes sem preservativos associados a corticosteróides, anti-histamínicos e oclusão noturna em casos moderados e severos, além de tratamento cirúrgico nos casos refratários ao tratamento clínico (5-8). O tratamento cirúrgico inicialmente descrito por Braunscheiwg(1) propõe incisão em forma de crescente na conjuntiva bulbar inferior a 5mm do limbo seguido de fechamento primário com sutura. Outras técnicas se sucederam com modificações da técnica citada acima(5,7) sendo que esta última utiliza a membrana amniótica para recobrir a área de retirada da conjuntiva.

O presente estudo pretende analisar dados clínicos, cirúrgicos e achados laboratoriais de pacientes com conjuntivocálase.

 

MÉTODOS

1- Pacientes

Foram estudados onze olhos de dez pacientes, examinados no ambulatório de Doenças Externas Oculares e Córnea do Departamento de Oftalmologia da Universidade Federal de São Paulo, com diagnóstico de conjuntivocálase, sem outra doença ocular ou sistêmica. Os pacientes tratados clinicamente com melhora dos sintomas e sinais foram excluídos do trabalho, permanecendo apenas os pacientes refratários ao tratamento clínico com indicação de cirurgia. Todos os pacientes incluídos nesse estudo assinaram consentimento livre e esclarecido aprovado pela comissão de ética e pesquisa da UNIFESP.

2- Exame Oftalmológico

Todos os pacientes foram submetidos a anamnese dirigida na qual respondiam questionário sobre a queixa principal que motivou a consulta e a presença de sintomas associados tais como lacrimejamento, sensação de corpo estranho, irritação, dor. Foi classificado como leve, moderado ou severo de acordo com a significância subjetiva dos sintomas pelo paciente.

Após esta, foi realizado a medida da acuidade visual, biomicroscopia à lâmpada de fenda, pressão intra-ocular, foto na lâmpada de fenda, oftalmoscopia indireta, teste de Schirmer sem anestésico, teste da coloração por rosa bengala a 1%, e citologia de impressão da conjuntiva bulbar inferior (Quadro 1).

 

 

O teste de Schirmer tipo I (sem anestésico) avalia a secreção basal e reflexa da lágrima em resposta ao estímulo conjuntival. Foi colocado papel de filtro milimetrado na pálpebra inferior entre o terço medial e externo, o paciente permaneceu de olhos fechados, e após cinco minutos foi realizada a leitura. Valores menores que 10 mm foi considerado sugestivo de olho seco, superior a 15 mm como lacrimejamento em excesso.

O teste da coloração por rosa bengala a 1%, utiliza a classificação proposta por Van Bijsterveld que usa escala numérica que varia de zero a nove pontos, dividindo-se o olho em três áreas imagináveis: conjuntiva medial, córnea, e conjuntiva temporal. A intensidade de coloração varia de zero a três em cada área examinada. Pontuação igual ou maior que três em um olho é considerada anormal(10).

3- Técnica cirúrgica e tratamento pós-operatório:

3.1 Procedimento cirúrgico como descrito por Serrano e Mora(5):

  • Peritomia inferior, de 90º, com tesoura de Wescott, duas incisões relaxantes radiais em direção ao fundo de saco inferior;

  • A conjuntiva é separada da membrana de Tenon e elevada sobre a córnea. O tamanho da conjuntiva a ser ressecado é determinado pelo excesso de conjuntiva sobre a córnea, que passa pelo limbo inferior às seis horas;

  • Refaz-se o fundo de saco inferior antes da ressecção da conjuntiva;

  • Ressecção da conjuntiva previamente determinada;

  • Sutura da conjuntiva ao limbo nas bordas usando nylon 10-0, ancorando na episclera e deixando uma margem de segurança de 1 mm;

  • Retirada da sutura dez a quinze dias após o procedimento.

3.2 Uso de colírio com a combinação de antibiótico e corticosteróide (Tobradex®), seis vezes por dia por sete dias, quatro vezes por dia até completar dez dias e depois mantido com o corticosteróide três vezes por dia até que todos os sinais inflamatórios desapareçam.

3.3 O tempo de seguimento dos pacientes foi de dois meses a contar da primeira consulta após a cirurgia.

 

RESULTADOS

A idade média dos pacientes foi de 72,5 ± 5,0 anos. Os sintomas e sinais mais freqüentes referidos pelos pacientes na anamnese dirigida em ordem decrescente foram:

• Sensação de corpo estranho 10 (100%), epífora 8 (80%), dor 6 (60%), irritação ocular 3 (30%), hemorragia subconjuntival 1 (10%) (Gráfico 1).

 

 

Nove dos dez pacientes referiram melhora dos sintomas após o tratamento cirúrgico, e apenas um paciente permaneceu com queixa de epífora após a conclusão do estudo. Este paciente apresentava oclusão de ponto lacrimal para tratamento de olho seco associado.

Todos os pacientes apresentaram melhora no padrão da coloração por rosa bengala (Tabela 1). A mediana do padrão de rosa bengala pré-operatória foi de 5, com valores de 4 e 6 para o percentil 25 e 75 respectivamente. A mediana pós-operatória foi de dois, com valores de 1 e 2 para o percentil 25 e 75 respectivamente (Gráfico 2).

 

 

Oito dos dez pacientes apresentaram citologia de impressão alterada com metaplasia escamosa grau 2 (de 0 = bom a 3= ruim), e apenas dois pacientes obtiveram citologia de impressão dentro da normalidade (Grau 1). A mediana da citologia de impressão foi de dois (Tabela 1).

A média do teste de Schirmer pré-operatório foi de 14,1 (±6,8) mm, e a média do pós-operatório foi de 11,8 (±3,7) mm. (Gráfico 3).

 

 

DISCUSSÃO

O presente estudo demonstrou ser fácil o diagnóstico clínico de conjuntivocálase, utilizando a propedêutica clínica habitual como já descrito por Braunschweig. Conjuntivocálase é achado comum, porém muitas vezes não diagnosticado ou tido como sendo alteração normal em indivíduos idosos (Figura 1).

 

 

A patogênese da conjuntivocálase ainda é incerta. É descrita a associação freqüente com pinguécula e pseudopterígio(4). Postula-se que a conjuntivocálase seja causada por alteração elastótica da mesma forma que ocorre no pterígio(8,11). Estudos demonstraram a presença exacerbada de metaloproteinases que podem degradar a matriz conjuntival e a Tenon, em fibroblastos cultivados depois de retirados da conjuntiva de pacientes com conjuntivocálase(12-13).

Casos severos de conjuntivocálase podem ocasionar problemas relacionados à exposição, como lagoftalmo, dellen, e ulceração conjuntival(6-8). A detecção de conjuntivocálase requer apenas métodos habituais de exame oftalmológico onde se percebe à biomicroscopia na lâmpada de fenda a presença de dobras redundantes não edematosas na conjuntiva bulbar inferior. A conjuntiva está muitas vezes associada à alteração no padrão da coloração da rosa bengala 1% (Van Bijsterveld), e da fluoresceína com coloração da área não exposta da superfície ocular(3-4,6). Em alguns casos, esses pacientes apresentam aumento da produção de lágrima, seja por lacrimejamento reflexo ou por alteração do escoamento da lágrima(6-7). Estes achados podem auxiliar no diagnóstico de conjuntivocálase, uma vez que outras causas de lacrimejamento como obstrução das vias lacrimais, ectrópio, e entrópio estejam excluídas.

A citologia de impressão apresentou-se alterada na maioria dos casos severos de conjuntivocálase. Até onde nos foi possível averiguar na literatura nacional e internacional, este é o primeiro estudo a abordar este assunto. Nosso estudo constatou alteração na citologia de impressão da conjuntiva bulbar inferior em oito dos dez pacientes, o que pode sugerir alteração estrutural da conjuntiva no processo desencadeador da conjuntivocálase. Contudo, para melhor compreensão da patogênese da conjuntivocálase são necessários estudos mais aprofundados que permitam concluir se a alteração conjuntival é primária ou secundária a um processo de degeneração elastótica, desencadeado por reação inflamatória que degrada a matriz conjuntival.

Com a utilização do tratamento cirúrgico houve melhora na sintomatologia em nove dos dez pacientes. Todos os pacientes incluídos no trabalho foram anteriormente tratados clinicamente com lubrificantes sem preservativos, associados ou não a corticoesteróides tópicos sem melhora. O tratamento cirúrgico com a técnica de Serrano foi de fácil execução e levou a um resultado anatômico bom como anteriormente descrito pelo próprio Serrano, sem retração do fundo de saco. E, principalmente, melhora clínica da sintomatologia como também observaram Daniel Muller, Renato Pires usando técnica com membrana amniótica(14).

 

REFERÊNCIAS

1. Braunschweig P. Ueber faltenbildung der conjunctiva bulbi. Klin Monatsbl Augenheilkd. 1921;66:123-4.        

2. Pinkerton OD. Bulbar conjunctivo-chalasis. Arch Ophthalmol. 1972;88(5):532.        

3. Wollenberg A. Pseudopterigium mit Faltenbildung der Conjunctiva bulbi. Klin Monatsbl Augenheilkd. 1922;68:221-4.        

4. Li ZY, Wallace RN, Streeten BW, Kuntz BL, Dark AJ. Elastic fiber components and protease inhibitors in pinguecula. Invest Ophthalmol Vis Sci. 1991;32(5):1573-85.        

5. Serrano F, Mora LM. Conjuntivochalasis: a surgical technique. Ophthalmic Surg. 1989;20(12):883-4.        

6. Hughes WL. Conjunctivochalasis. Am J Ophtalmol. 1942;25(1):48-51.        

7. Meller D, Tseng SC. Conjunctivochalasis: literature review and possible pathophysiology. Surv Ophthalmol. 1998;43(3):225-32.        

8. Jaros PA, DeLuise VP. Pingueculae and pterygia. Surv Ophthalmol. 1988;33 (1):41-9.        

9. Jordan DR, Pelletier CR. Conjunctivochalasis. Can J Ophthalmol. 1996;31 (4):192-3.        

10. van Bijsterveld OP. Diagnostic tests in the Sicca syndrome. Arch Ophthalmol. 1969;82(1):10-4.        

11. Denti AV. Sulla formazione di una plica della congiuntiva bulbare. Boll Sper Med Chim. 1930;4(1):26-32.        

12. Li DQ, Meller D, Liu Y, Tseng SC. Overexpression of MMP-1 and MMP —3 by cultured conjunctivochalasis fibroblasts. Invest Ophthalmol Vis Sci. 2000;41(2): 404-10.        

13. Meller D, Li DQ, Tseng SC. Regulation of collagenase, stromelysin, and gelatinase B in human conjunctival and conjunctivochalasis fibroblasts by interleukin-1beta and tumor necrosis factor-alpha. Invest Ophthalmol Vis Sci. 2000;41(10):2922-9.        

14. Pires RTF; Pires JLT; Tseng SCG. Transplante de membrana amniótica para reconstrução da superfície corneana e conjuntival. Arq Bras Oftalmol. 1999;62 (3):340-50.        

 

 

Endereço para correspondência
Carlos Eduardo Borges Souza
Rua Três de Maio, 130 ap 174
São Paulo (SP) - CEP 04044-020
E-mail: [email protected]

Recebido para publicação em 14.05.2003
Versão revisada recebida em 25.11.2003
Aprovação em 17.12.2003

 

 

Trabalho realizado no Departamento de Oftalmologia da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP).


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