Ângelo Augusto Araújo1; Anselmo Mariano Fontes2; Vitalina Martins de Araújo Neta3; José Fernando C. Junior4; Max Rollemberg Góis5
DOI: 10.1590/S0004-27492004000300029
RESUMO
O melanoma maligno de úvea é uma doença muito rara antes dos 30 anos de idade. Este é um relato de um caso de melanoma epitelióide de coróide em adolescente de 12 anos cujo diagnóstico presuntivo foi realizado por exame clínico, ressonância e ultra-sonografia sendo confirmado por meio de exame anatomopatológico.
Descritores: Melanoma; Neoplasias da coróide; Neoplasias da úvea; Imagem por ressonância magnética; Relato de caso
ABSTRACT
Uveal malignant melanoma is uncommon before thirty years of age. This is a case report of a 12-year-old girl with choroidal epithelioid melanoma whose presumptive diagnostic was made by clinical examination, magnetic resonance imaging and ultrasound and was confirmed by anatomopathological examination.
Keywords: Melanoma; Choroid neoplasms; Uveal neoplasms; Magnetic resonance imaging; Case report
INTRODUÇÃO
O melanoma maligno de coróide é uma doença muito rara antes dos 30 anos de idade(1-3). Estudos(2,4-6) demonstram que o acometimento antes desta faixa etária corresponde a aproximadamente 1-15 casos em 1000. A maioria dos pacientes com essa patologia está acima dos 50 anos de idade(1,3-4).
Neste relato, demonstra-se a importância dos exames complementares e de um bom discernimento clínico para melhor definição quanto a diagnóstico e terapêutica, já que o melanoma epitelial de coróide é um tumor que reserva pior prognóstico(5) entre os tipos de melanomas de coróide.
RELATO DO CASO
Adolescente, 12 anos, sexo feminino, parda, queixava-se de baixa acuidade visual progressiva em olho direito (OD) há aproximadamente um ano. Não havia história de trauma, doença prévia ou mesmo antecedente familiar dignos de nota. O exame clínico geral não revelou patologia sistêmica ou pigmentação anormal em áreas visíveis da face. O exame oftalmológico demonstrou leucocoria, estrabismo convergente com preferência pelo olho esquerdo (OE), ligeira diminuição da fenda palpebral direita, e defeito aferente relativo no OD. Apresentava visão de percepção luminosa em OD e 20/20 (1,0) no OE. Na biomicroscopia, observou-se, em OD, conjuntiva com brilho e distribuição vascular normal, córnea transparente, câmara anterior rasa com presença de células +/4+ e "flare" +/4+, cristalino transparente com massa retro-cristaliniana de coloração enegrecida envolvendo 2/3 da sua superfície posterior voltada temporalmente, cavidade vítrea com reflexo branco e com presença de células ++/4+. OE não apresentava quaisquer mudanças patológicas. A pressão ocular era de 10 mmHg em OD e 12 mmHg no OE. Na fundoscopia binocular indireta, notou-se a mesma massa descrita anteriormente ocupando aproximadamente 3/5 da cavidade vítrea e presença de descolamento de retina seroso nas áreas não comprometidas. A ultra-sonografia (Figura 1) demonstrou massa sólida localizada temporalmente e atrás do cristalino, em módulo B, refletindo sinais de média e alta amplitude, em módulo A, de difícil conclusão.Foram solicitadas avaliação clínica com oncologista pediatra, o qual não revelou alterações, e ressonância magnética nuclear (Figuras 2A e 2B) que evidenciou áreas de tumoração maciça com parênquima bem vascularizado e alta captação do contraste sem comprometimento do nervo óptico ou extensão extra-ocular, sugestiva de melanoma de coróide e descolamento de retina.
Foi indicada enucleação com finalidade terapêutica e diagnóstica por se tratar de um olho com visão de PL e massa tumoral sugestiva de melanoma.
O exame anatomopatológico (Figuras 3A e 3B) revelou melanoma maligno de coróide, subtipo epitelióide sem extensão extra-ocular ou comprometimento do nervo óptico, medindo 2,0 cm em seu maior eixo, com presença de extensas áreas de necrose, células muito pigmentadas, estroma bastante vascularizado, presença de figuras mitóticas, pleomorfismo, polimorfismo e nucléolos eosinofílicos proeminentes.
A adolescente vem sendo acompanhada por um oncologista pediátrico desde a intervenção cirúrgica há aproximadamente 14 meses, não apresentando sinais de recidiva na cavidade orbitária (Figura 4) e/ou metástase sistêmica. Também vem sendo acompanhada por um psicólogo infantil.
COMENTÁRIOS
O melanoma de coróide é o tumor primário maligno mais freqüente dentre as neoplasias intra-oculares, sendo extremamente raro em crianças e adolescentes.
Alguns estudos demonstram que o número de indivíduos acometidos por esse tipo de tumor com idade inferior a 20 anos varia em torno de 0,11% a 1,59% sobre todos os casos documentados desta doença tornando o diagnóstico, em adolescentes, muito difícil.
A possibilidade de este caso tratar-se de um melanoma não descartou a necessidade de investigação de outras prováveis patologias mais freqüentes nessa idade e que também fazem parte do diagnóstico diferencial, tais como: retinoblastoma, sarcoma, melanoma benigno, neuroglioma, tumores metastáticos, doença de Coats, hemorragia sub-retiniana pós-trauma, descolamento de coróide, toxocaríase e outras doenças inflamatórias. A ultra-sonografia foi importante para excluir algumas das doenças citadas. Entretanto, não foi conclusiva.
A ressonância magnética foi o exame que auxiliou, em definitivo, o diagnóstico, pois a característica das imagens descritas anteriormente, juntamente com a avaliação clínica, permitiu a indicação segura da enucleação.
Em estudos desenvolvidos(7) o melanoma maligno de coróide deixou de ser diagnosticado em 7 dos 42 olhos submetidos à enucleação por massa tumoral do corpo ciliar e coróide. Seis dos sete pacientes sofreram outros tipos de tratamento cirúrgico antes mesmo que se realizasse a enucleação; e, dentre esses, três morreram de metástase tumoral.
Nessa mesma publicação(7), demonstra-se taxa de mortalidade de 30% entre crianças e adolescentes com esse tipo de tumor e alguns dos fatores de risco principais estão relacionados com tumores acima de 10 mm que apresente áreas de necrose e seja do subtipo epitelióide. Portanto, a indicação da enucleação, no caso relatado, teve tanto a finalidade diagnóstica como terapêutica.
"O melanoma maligno do trato uveal não é exclusivamente uma doença da terceira idade, e o diagnóstico não deverá ser excluído com base apenas na idade do paciente"(8).
REFERÊNCIAS
1. Cham MC, Pavlin CJ. Ultrasound detection of posterior scleral bowing in young patients with choroidal melanoma. Can J Ophthalmol 2000;35:263-6.
2. Fledelius H, Land AM. Malignant melanoma of choroid in an 11-month-old infant. Acta Ophthalmol (Copenh) 1975;53:160-6.
3. Joo C, Kim K, An K, Lee H, Kim J. Malignant melanoma ten-month-old patient diagnosed by magnetic resonance imaging. Ophthalmologica 1993; 206:51-3
4. Gunduz K, Shields Ja, Shields CL, Eagle RC. Choroidal melanoma in a 14 years-old patient with ocular melanocytosis. Arch Ophthalmol 1998;116: 1112-4.
5. Chaves E, Granville R. Choroidal malignant melanoma in a two-and-one-half-year-old girl. Am J Ophthalmol 1972;74:20-3.
6. Meyer D, Yoser S, Xu S, Westmoreland D. Amelanotic malignant choroidal melanoma in a 10-year-old girl. J Pediatr Ophthalmol Strabismus 2000;37;6:365-8.
7. Barr CC, Mclean IW, Zirmmerman LE. Uveal melanoma in children and adolescents. Arch Ophthalmol. 1981;99:2133-6.
8. Leonard BC, Shields, JA, McDonald PR. Malignant melanomas of the uveal tract in children and young adults. Can J Ophthalmol 1975;10:441-9
Endereço para correspondência
Ângelo Augusto Araújo
Hospital de Olhos Rollemberg Góis
Rua Lagarto, 921 - Centro
Aracaju (SE) CEP 49010-000
Internet: www.horg.com.br
E-mail: [email protected]
Recebido para publicação em 04.04.2003
Versão revisada recebida em 08.07.2003
Aprovação em 06.02.2004
Nota Editorial: Pela análise deste trabalho e por sua anuência na divulgação desta nota, agradecemos aos Drs. Haroldo Vieira de Moraes Jr. e Mariza Toledo de Abreu.