Alexandre Hassler Príncipe de Oliveira1; Carlos Alberto Pires Pereira2; Luciene Barbosa de Sousa3; Denise de Freitas1
DOI: 10.1590/S0004-27492004000300028
RESUMO
Relatamos caso de paciente do sexo feminino, brasileira, 23 anos, residente na Alemanha, que cursou com quadro de conjuntivite granulomatosa bilateral crônica, sem acometimento ganglionar, não responsiva a tratamento tópico. A pesquisa laboratorial confirmou diagnóstico de conjuntivite por Bartonella henselae. O caso demonstra que a ausência de acometimento ganglionar não exclui o diagnóstico de doença da arranhadura do gato.
Descritores: Conjuntivite bacteriana; Bartonella henselae; Doença da arranhadura do gato; Granuloma; Doenças da conjuntiva; Relato de caso
ABSTRACT
We report a case of a 23-year-old female patient, Brazilian, resident of Germany, who presented with a bilateral chronic granulomatous conjunctivitis, without lymphoadenopathy and irresponsive to topical treatment. Laboratorial work-up confirmed Bartonella henselae as the etiologic agent. The case shows that the absence of lymphoadenopathy does not exclude the diagnosis of cat-scratch disease.
Keywords: Conjunctivitis, bacterial; Bartonella henselae; Cat-scratch disease; Granuloma; Conjunctival diseases; Case report
INTRODUÇÃO
A associação entre doença da arranhadura do gato (DAG) e a síndrome óculo-glandular de Parinaud (SOGP) é conhecida desde 1937(1-3). O bacilo Gram negativo Bartonella henselae é o agente etiológico mais comumente envolvido. A SOGP é descrita como uma conjuntivite granulomatosa unilateral, acompanhada de enfartamento ganglionar submandibular ou pré-auricular ipsilateral, supostamente causada pela inoculação direta do olho(4). Outras manifestações da infecção por Bartonella henselae incluem: retinocoroidite, neurorretinite e panuveíte(3). Relatamos um caso atípico de conjuntivite granulomatosa bilateral, sem enfartamento ganglionar, em que se documentou a presença da Bartonella henselae.
RELATO DE CASO
Paciente de 23 anos, feminina, brasileira, residente na cidade de Kiel na Alemanha nos últimos dois anos, sem antecedentes patológicos. Procurou o ambulatório de córnea do departamento de oftalmologia da Universidade Federal de São Paulo, com história de ter sido tratada de uma conjuntivite durante dois meses sem sucesso. Relatava o uso de colírio de Ofloxacina e Levofloxacina por diversas ocasiões, sem melhora.
Ao exame apresentava acuidade visual igual a 1 e pressão ocular de 12 mmHg em ambos os olhos. Observava-se hiperemia e vasodilatação intensa em conjuntiva bulbar e tarsal, múltiplos nódulos necrosantes em conjuntiva bulbar e infiltrados corneais superficiais em ambos os olhos (Figura 1 e 2). O exame fundoscópico mostrava-se sem alterações em ambos os olhos. Não apresentava gânglios palpáveis. Negava qualquer antecedente ocular ou sistêmico. Após questionamento especifico, relatou contato íntimo com gatos e viagem recente para a floresta na Alemanha. Foi coletado material da conjuntiva para citologia, cultura e pesquisa para Clamídia. Foram solicitado exames laboratoriais para sífilis, tuberculose, sarcoidose, tularemia, doença da arranhadura do gato, doença de Lyme, esporotricose e AIDS. Raio X de tórax e hemograma completo também fizeram parte da pesquisa. A paciente não permitiu a realização de biópsia da conjuntiva. Baseado no antecedente epidemiológico de DAG foi prescrito Ciprofloxacina 500 mg a cada 12 horas por via oral.
Após uma semana, a paciente retornou com importante melhora dos sinais e sintomas. Os exames laboratoriais revelaram sorológica positiva para Bartonella henselae (controle com B. quintana) com título de IgG superior a 1/128 e IgM superior a 1/20, por imunofluorescência indireta. Os demais exames foram negativos. A ciprofloxacina sistêmica foi mantida por 6 semanas, evoluindo sem seqüelas.
DISCUSSÃO
Muitos autores recomendam investigar DAG em toda conjuntivite granulomatosa atípica(1). Diversas causas de conjuntivite granulomatosa já foram descritas na literatura(5-6) mas a SOGP, sarcoidose e corpo estranho são as mais comuns. Carithers revisou 1200 casos de DAG, encontrou 48 casos de SOGP e preconizou que linfadenopatia é um pré-requisito para o diagnóstico de DAG(7). Este relato pode questionar essa afirmação. Apesar da paciente não apresentar gânglios palpáveis, a primeira hipótese diagnóstica foi DAG, devido a exuberante conjuntivite granulomatosa e a história de exposição a gatos. Foi realizada uma investigação laboratorial completa para excluir as causas mais comuns de conjuntivite granulomatosa. A Bartonella henselae é muito difícil de ser isolada em raspados conjuntivais e não cresce em meios de cultura convencionais. Desta forma, a ausência de cultura positiva não permite diagnóstico confiável(4). Uma imunofluorescência indireta positiva, com título de IgG superior a 64 e com um quadro clínico compatível, confirmam o diagnóstico(4).
No passado, diversos casos de doença ocular causada por Bartonella henselae foram relatados. A maioria foi de SOGP, mas retinocoroidite, neurorretinite, panuveíte e granuloma orbitário já foram reportados(8-9). Na revisão da literatura, não foi encontrado nenhum caso de conjuntivite granulomatosa com ausência de acometimento ganglionar relacionada a DAG. Todos os casos relacionados a DAG eram unilaterais e com envolvimento ganglionar, como mostrado na tabela I. Dos 20 casos pesquisados, 19 tinham gânglios pré-auriculares palpáveis e 1 tinha gânglio parotídeo. Em 1978, foram reportados 7 casos de SOGP. Os pacientes tinham entre 5 e 15 anos de idade, todos tiveram exposição a gatos e envolvimento ganglionar, dois apresentavam nódulos palpebrais e cinco apresentavam nódulos conjuntivais(7). Em 1990, foram reportados dois casos de DAG se apresentando como SOGP. Ambos envolveram a pálpebra causando apenas congestão conjuntival, apresentavam gânglios pré-auriculares e cervicais palpáveis e história de exposição a gatos(10). Observando a tabela, pode-se notar que até 1995 os relatos mostravam apenas teste cutâneo e exame clínico como critérios diagnóstico. Já a partir de 1995, os relatos começaram a apresentar sorologia como método diagnóstico. Hoje a sorologia é considerado um método eficaz e menos invasivo de diagnóstico da DAG, permitindo o diagnóstico de casos atípicos(11).
Ela é especialmente importante nos casos em que não existem lesões acessíveis para biópsia, a qual possibilitaria diagnóstico histológico, ou métodos moleculares de maior especificidade e sensibilidade como o PCR(12).
A DAG é geralmente autolimitada, e não requer tratamento. Com a exceção dos pacientes imunocomprometidos que podem cursar com quadros atípicos. Apesar de nossa paciente não apresentar sinais de imunocomprometimento, seu quadro atípico e prolongado fez com que nós optássemos por antibioticoterapia(13).
A importância deste caso é ilustrar que, em todos os casos de conjuntivite granulomatosa, mesmo com ausência de acometimento ganglionar, deve-se suspeitar de DAG e o exame sorológico deve ser solicitado.
REFERÊNCIAS
1. Shoham N, Miron D, Raz R, Garzozi HJ. [Familial parinaud oculo-glandular syndrome in cat-scratch disease]. Harefuah 2000;138:1034-6, 1086.
2. Costa PS, Hollanda BV, Assis RV, Costa SM, Valle LM. Parinaud's oculoglandular syndrome associated with paracoccidioidomycosis. Rev Inst Med Trop Sao Paulo 2002;44:49-52.
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8. Rothova A, Kerkhoff F, Hooft HJ, Ossewaarde JM. Bartonella serology for patients with intraocular inflammatory disease. Retina 1998;18:348-55.
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10. Jawad AS, Amen AA. Cat-scratch disease presenting as the oculoglandular syndrome of Parinaud: a report of two cases. Postgrad Med J 1990;66:467-8.
11. Massei F, Messina F, Talini I, Massimetti M, Palla G, Macchia P, et al. Widening of the clinical spectrum of Bartonella henselae infection as recognized through serodiagnostics. Eur J Pediatr 2000;159:416-9.
12. Margolis B, Kuzu I, Herrmann M, Raible MD, Hsi E, Alkan S. Rapid polymerase chain reaction-based confirmation of cat scratch disease and Bartonella henselae infection. Arch Pathol Lab Med 2003;127:706-10.
13. Schutze GE. Diagnosis and treatment of Bartonella henselae infections. Pediatr Infect Dis J 2000;19:1185-7.
Endereço para correspondência
Alexandre Hassler Príncipe de Oliveira
Av. 7 de Setembro, 2224/901
Salvador (BA) CEP 40080-001
E-mail: [email protected]
Recebido para publicação em 08.05.2003
Versão revisada recebida em 10.03.2004
Aprovação em 18.03.2004