Open Access Peer-Reviewed
Editorial

Trabeculectomia com mitomicina C em pacientes com glaucoma congênito refratário

Trabeculectomy with mitomycin C in patients with refractory congenital glaucoma

Sebastião Cronemberger1; Daniel Vítor de Vasconcelos Santos2; Luís Felipe Fornaciari Ramos2; Ana Cláudia Monteiro Oliveira3; Heloísa Andrade Maestrini3; Nassim Calixto1

DOI: 10.1590/S0004-27492004000300020

RESUMO

OBJETIVO: Relatar os resultados do uso de mitomicina C (MMC) na cirurgia do glaucoma congênito refratário. MÉTODOS: 44 olhos de 30 pacientes com glaucoma congênito primário refratário, submetidos a trabeculectomia com MMC entre 1993 e 2002 no Serviço de Glaucoma do Hospital São Geraldo, foram estudados retrospectivamente, por meio de análise dos prontuários com seguimento mínimo de seis meses. RESULTADOS: A média de Po reduziu-se de 21,7± 7,2 mmHg no pré-operatório para 12,2±6,8 mmHg no tempo médio de acompanhamento pós-operatório de 42,8 meses (p<0,001). A complicação registrada foi a hipotonia crônica (Po<6 mmHg) em quatro olhos (9,1%), um deles com vazamento de humor aquoso pela bolsa fistulante (teste de Seidel positivo). Não se detectou relação estatisticamente significativa entre a incidência de complicações e o sexo (p=0,14), idade à época da cirurgia (p=0,65), Po pré-operatória (p=0,29), número de colírios no pré-operatório (p=0,39) e número de cirurgias prévias (p=0,94). CONCLUSÃO: O uso de MMC na cirurgia fistulante do glaucoma congênito primário mostrou-se eficaz na redução da Po, porém, a incidência de hipotonia ocular pós-operatória foi alta.

Descritores: Trabeculectomia; Mitomicina; Glaucoma; Glaucoma; Pressão intra-ocular

ABSTRACT

PURPOSE: To describe the results of mitomycin-C (MMC) in refractory congenital glaucoma surgery. METHODS: Fourty-four eyes of 30 patients with refractory primary congenital glaucoma submitted to trabeculectomy with MMC (0.5 mg/ml for 5 minutes) between 1993 and 2002 at the São Geraldo Eye Hospital/HC-UFMG were retrospectively studied, through review of medical records with a minimum follow-up of six months. RESULTS: The mean intraocular pressure (IOP) under antiglaucomatous medication was reduced from 21.7±7.2 to 12.2± 6.8 mmHg at a mean follow-up of 42.8 months (p<0.001). The only postoperative complication was chronic ocular hipotony (IOP<6mmHg) in four eyes (9,1%) with aqueous humor leakage from the bleb (positive Seidel test) in one of them. No statistical relationship was detected between the incidence of complications and gender (p=0.14), age at the time of surgery (p=0.65), initial IOP (p=0.29), initial number of antiglaucomatous drugs (p=0.39) and number of previous surgeries (p=0.94). CONCLUSION: MMC in filtering surgery of refractory primary congenital glaucoma has shown to be effective in the reduction of IOP. However, the ocular hypotony is a great concern.

Keywords: Trabeculectomy; Mitomycin; Glaucoma; Glaucoma; Intraocular pressure


 

 

INTRODUÇÃO

A mitomicina C (MMC), antimetabólito alquilante, atua ligando-se ao DNA, acarretando ligações anômalas e quebras em sua estrutura, inibindo a mitose, a síntese protéica e levando à morte celular(1). Inicialmente, foi utilizada como terapia adjuvante após exérese de pterígio(2). Chen em 1983 foi quem primeiro relatou o seu emprego em cirurgias antiglaucomatosas(3). A partir de então, vários estudos evidenciaram que seu uso no per-operatório reduz a cicatrização da ferida cirúrgica(4-6). Após a introdução da MMC na trabeculectomia (TREC), o sucesso no controle da pressão intra-ocular (Po) a longo prazo aumentou consideravelmente, com redução da falência da bolsa fistulante(7-8).

A eficácia da MMC associada à cirurgia antiglaucomatosa depende de sua concentração, do tempo e da forma de exposição(9-12). O uso da MMC resulta, na maioria das vezes, na ocorrência de uma bolsa avascular (isquêmica), difusa e grande, o que explica, em parte, sua efetividade. Porém, seu uso está associado a maior índice de complicações, como hipotonia (causada por hiperfiltração, descolamento de coróide ou vazamento de humor aquoso), atalamia, câmara anterior rasa, catarata, endoftalmite, phthisis bulbi, etc(7-8,13-16).

A MMC tem sido formalmente indicada em pacientes com risco aumentado de falência da bolsa, como nos portadores de glaucoma neovascular, glaucoma inflamatório, glaucoma secundário a ceratoplastia, glaucoma secundário a traumatismo ocular, em caso de reoperações(17-18), ou mesmo no glaucoma crônico simples em estado avançado em que há necessidade de redução da Po a níveis bastante baixos(7-8,19).

A hipotonia ocular crônica associada ou não à maculopatia hipotônica é a complicação mais significativa associada ao uso da MMC.(6,8,13-14) A principal causa dessa complicação é o excesso de filtração, entretanto, pode também ser secundária à hipossecreção do humor aquoso devida à agressão ao epitélio ciliar, abaixo do local onde a MMC foi aplicada, ao descolamento ciliocoróideo e ao extravasamento tardio de humor aquoso pela bolsa fistulante(20). A principal complicação da hipotonia crônica é a maculopatia hipotônica. O tratamento dessa complicação dependerá da causa da hipotonia.

Nos últimos anos, a MMC tem sido usada em cirurgias de glaucoma congênito primário e de glaucoma congênito associado a anomalias de desenvolvimento, refratários(21-25).

Existem ainda controvérsias e receios sobre o emprego da MMC na TREC em pacientes jovens, nos quais o desenvolvimento de maculopatia hipotônica é mais freqüente(16).

O presente trabalho tem como objetivo apresentar os resultados do uso da MMC associada à TREC para tratamento do glaucoma congênito primário refratário.

 

MÉTODOS

Foi realizada análise retrospectiva dos prontuários de 30 pacientes com glaucoma congênito primário refratário. Incluíram-se no estudo 44 olhos, submetidos entre 1993 e 2002, a TREC com aplicação de MMC per-operatória por um dos autores (NC) e seguidos pelo período mínimo de seis meses. Todos os olhos haviam sido submetidos a pelo menos uma cirurgia antiglaucomatosa.

Ao exame, realizado por um dos autores (NC) cerca de 15 a 30 dias previamente à TREC com MMC, os olhos apresentavam controle inadequado do glaucoma, evidenciado pela Po não controlada sob medicação (Po>12 mmHg) (à tonometria de aplanação de Goldmann à lâmpada de fenda ou com o tonômetro de Draeger com o paciente sob narcose) e/ou pelo crescimento anormal do diâmetro axial ocular à ecobiometria (ecobiômetro DGH 5100e) relativamente à idade(26).

A técnica cirúrgica envolvia a confecção de retalho conjuntival de base límbica, retalho escleral retangular de dimensões aproximadas, meridional e equatorial, de 3,0 x 4,0 mm e remoção de fragmento córneo-escleral retangular de dimensões aproximadas de 2,0 x 3,0 mm respectivamente. A MMC embebida numa esponja de celulose retangular de dimensões aproximadas de 3,0 x 4,0 mm era aplicada sobre a esclera antes ou após a delaminação do retalho escleral, antes da demarcação do retângulo córneo-escleral a ser removido e da paracentese, na concentração de 0,5 mg/ml durante cinco minutos. Procedia-se então à lavagem copiosa da esclera e fundos de sacos conjuntivais com aproximadamente 40 ml de soro fisiológico a 0,9%. Em seguida, procedia-se à remoção do fragmento córneo-escleral e à realização da iridectomia periférica. A sutura do retalho escleral era feita com cinco pontos de Vicryl 7-0TM (dois nos ângulos do retalho, um ponto entre esses dois e dois nas laterais). O retalho conjuntival era suturado de maneira hermética com chuleio contínuo também com Vicryl 7-0TM. Por último, infiltrava-se 1 ml de corticosteróide subconjuntival, instilava-se uma gota de atropina colírio a 1% e procedia-se a oclusão do olho operado. No pós-operatório, o paciente fazia uso de colírios de atropina a 1% (uma gota uma vez ao dia) e de antibiótico associado a dexametasona a 0,1% (uma gota 3 a 4 vezes ao dia) até o desaparecimento dos sinais inflamatórios no segmento anterior.

Não foi feita lise de sutura nem massagens sobre a bolsa fistulante no pós-operatório.

Dos prontuários, analisaram-se além do sexo, raça e idade dos pacientes: Po à aplanação sob medicação antes da cirurgia e um mês, três, seis e nove meses, um ano, dois anos e na última visita após a mesma; acuidade visual, tipos e número de colírios hipotensores utilizados no pré e no pós-operatório; escavação do disco óptico, cirurgias oculares prévias, forma de aplicação da mitomicina C (antes ou após a delaminação do retalho escleral), aspecto biomicroscópico da bolsa fistulante, complicações pós-operatórias e tempo de acompanhamento pós-operatório.

Todo o seguimento pós-operatório dos pacientes foi realizado por um dos autores (NC), semanal ou quinzenalmente no primeiro mês, de três em três meses no primeiro ano e, depois semestralmente.

As informações colhidas foram armazenadas em banco de dados apropriado(27) e analisadas descritivamente e por meio de testes estatísticos (qui-quadrado, Fisher, ANOVA, t pareado, Kruskal-Wallis e Wilcoxon Signed Rank Test), considerando-se o nível de significância de cinco por cento (p<0,05).

 

RESULTADOS

Houve maior freqüência de olhos de pacientes do sexo feminino: 24 (54,5%). A casuística foi constituída por 30 olhos (78,9%) de pacientes leucodérmicos, 7 (14,8%) de feodérmicos e um (2,6%) de melanodérmico; havia 6 (13,6%) olhos de pacientes sem registro de raça.

A idade média dos pacientes à época da cirurgia foi de 7,0±7,6 anos (mínima de 4 meses; máxima de 31 anos; mediana: 5 anos).

Em cinco olhos (11,4%), a indicação da TREC com MMC foi feita por apresentarem crescimento anormal do diâmetro axial, apesar de a Po encontrar-se dentro dos limites considerados normais (Po<12 mmHg). Os outros 39 olhos (88,6%) apresentavam tanto a Po como o diâmetro axial fora dos limites da normalidade.

A Po média, sob medicação, dos 44 olhos no pré-operatório foi de 21,7±7,2 mmHg (mediana: 22). Após um mês de cirurgia, reduziu-se para 12,2±6,8 mmHg (mediana: 12, p<0,001). Com seis meses, foi de 11,2±4,9 mmHg (mediana: 10); com um ano, 11,3±7,3 mmHg (mediana: 10) e, com dois anos, 10,4±4,0 mmHg (mediana: 10,5). Ao final do acompanhamento, que teve duração média de 42,8 meses (mediana: 36 meses), a Po média "final", foi de 12,2±6,8 mmHg (mediana: 11), cerca de 56,2% menor que no pré-operatório (p<0,001), estando 50% dos olhos sem medicação.

Dos 12 olhos em que foi possível a avaliação pré-operatória da acuidade visual sob correção, oito (66,7%) apresentaram-na igual ou inferior a 0,05 e quatro (33,3%) igual a 0,1. Na última visita pós-operatória, foi possível a avaliação da acuidade visual sob correção de nove olhos: cinco (55,6%) mantiveram a mesma acuidade visual do pré-operatório (inferior a 0,05); dois (22,2%) mantiveram acuidade visual igual a 0,1 e em dois olhos (22,2%) de dois pacientes houve melhora da acuidade visual, de 0,05 para 0,2 em um dos olhos e de 0,1 para 0,25 no outro.

A média e a mediana do número de colírios hipotensores usados no pré-operatório foram de 1,1 e 1,0 respectivamente, sendo que os mais utilizados foram os beta-bloqueadores em 18 olhos (40%) e a pilocarpina também em 18 olhos (40%). O número de drogas hipotensoras utilizadas foi menor no pós-operatório, porém não se mostrou estatisticamente diferente do número utilizado no pré-operatório (média: 0,6; mediana: 0,5; p=0,111) (Tabela 1).

 

 

A escavação do disco óptico pôde ser avaliada em 12 (27,2%) olhos: mostrou-se a mesma no pré e no pós-operatório e igual ou superior a 0,8 em nove olhos (75%) e nos outros três olhos igual a 0,5, 0,6 e 0,7 respectivamente. A mácula mostrou-se normal nesses olhos.

Quanto às cirurgias prévias, a média por olho foi de 1,9±1,1 cirurgia (mediana: 2 cirurgias), sendo as mais freqüentes a trabeculotomia em 37 olhos (84,1%), seguida da TREC sem antimetabólitos em 30 olhos (68,2%), TREC com MMC em cinco olhos (11,4%), implante de tubo de Molteno em dois olhos (4,5%) e facectomia em um olho (2,2%).

A MMC na concentração de 0,5 mg/ml durante 5 minutos foi aplicada antes da confecção do retalho escleral em 28 (56,8%) olhos. Em 16 (41,2%) olhos, a MMC foi aplicada após a delaminação do retalho escleral.

Não houve complicações per-operatórias.

No tocante às complicações pós-operatórias, dos 44 olhos operados, três (6,8%) tiveram hipotonia transitória, com duração de um a três meses e quatro (9,1%) tiveram hipotonia crônica, dois com Po igual a zero e dois com Po igual a 4 mmHg. Os dois olhos com Po igual a zero apresentavam, no pré-operatório, Po igual a 19 e 36 mmHg, sob medicação, e eram, respectivamente de pacientes com idade de seis e oito anos. Os outros dois olhos com Po igual a 4 mmHg apresentavam, no pré-operatório, Po igual a 24 e 25 mmHg, sob medicação, e eram, respectivamente de pacientes com idade de quatro e 12 anos. O olho do paciente de 12 anos com Po igual a 4 mmHg apresentava vazamento de humor aquoso pela bolsa fistulante (teste de Seidel positivo) no último dia do acompanhamento. O tempo de aparecimento da hipotonia variou de nove a 96 meses, com média de 25,9 e mediana de 14 meses. Nenhum dos quatro olhos com hipotonia crônica apresentou maculopatia hipotônica.

Não houve complicações infecciosas no tempo de seguimento.

Não se obteve associação estatisticamente significativa entre a incidência de hipotonia e o sexo (p=0,39), idade do paciente à época da cirurgia (p=0,63), Po pré-operatória (p=0,47), número de colírios no pré-operatório (p=0,49) e número de cirurgias prévias (p=0,93) (Tabela 2).

 

 

O tempo de acompanhamento não foi diferente entre os pacientes com ou sem hipotonia (média de 48,0±32,5 e mediana de 36 meses, contra 41,8±24,1 e mediana de 36 meses, naqueles em que não houve hipotonia – p=0,63). Por outro lado, houve diferença estatística altamente significativa na redução na Po (Po média final – Po média pré-operatória) entre os olhos que tiveram hipotonia (média: -20,7±8,2 mmHg; mediana: -20,0) e aqueles que não a tiveram (média: -7,3±8,4 mmHg; mediana: -8,0) – p=0,006.

 

DISCUSSÃO

O uso de MMC na TREC tem-se difundido de forma crescente, particularmente naqueles pacientes portadores de glaucomas considerados de alto risco de falência da bolsa, como nos glaucomas neovascular e inflamatório, nos casos de reoperação ou de cirurgias prévias, como a facectomia (com incisão escleral) e naqueles com inflamação conjuntival crônica(17-18).

Nos últimos anos, tem sido descrita a aplicação da MMC na cirurgia de glaucoma congênito primário e glaucoma associado a anomalias de desenvolvimento, refratários, com bons resultados(21-25). Nesses estudos, foram utilizadas concentrações de MMC entre 0,2 a 0,4 mg/ml e tempo de exposição entre três e quatro minutos. Na nossa casuística, utilizou-se a MMC na concentração de 0,5 mg/ml durante cinco minutos, com resultados semelhantes aos relatados. Outros autores relataram a utilização da MMC na TREC (0,2 mg/ml durante cinco minutos abaixo do retalho escleral) de 79 olhos portadores de glaucoma congênito primário (46 olhos) ou de desenvolvimento (33 olhos)(21). Os pacientes foram seguidos pelo menos seis meses. Em 53 olhos (67,09%), a cirurgia teve sucesso (Po pós-operatória <21 mmHg). Quarenta e sete olhos (59,49%) tiveram Po pós-operatória <16 mmHg. As complicações relatadas foram: descolamento de retina em um olho; endoftalmite em um olho; phthisis bulbi em dois olhos; câmara anterior rasa em oito olhos (10,12%); hemorragia vítrea em dois olhos e descolamento de coróide em quatro olhos (5,06%)(21).

Neste trabalho, a redução percentual média na Po (58,4%) foi comparável à encontrada por outros estudos (56%)(21,25). Num desses estudos, foram incluídos 46 olhos com glaucoma congênito primário refratário(21) (número muito semelhante ao da presente casuística) enquanto que no outro, os autores estudaram 34 olhos com glaucoma congênito primário refratário(25) (número inferior ao estudado no presente trabalho).

Além da redução na Po propriamente dita, a cirurgia com o emprego da MMC também teve impacto no número de medicações hipotensoras no período pós-operatório que se mostrou menor embora essa redução não tenha sido estatisticamente significativa (p=0,111).

A média de Po pré-operatória, sob medicação, neste estudo foi de 21,7±7,2 mmHg. Esse valor contrasta com os dos outros estudos com MMC no glaucoma congênito, em que níveis de Po inicial superiores a 30 mmHg são uma constante(21-25). Esses estudos consideram sucesso cirúrgico a redução da Po a valores iguais ou inferiores a 21 mmHg, com ou sem medicação hipotensora. Para a nossa casuística, esse nível de Po é muito elevado e, portanto, inadequado, considerando-se a média de idade dos pacientes à época da cirurgia (7,0±6,6 anos), o estado avançado do glaucoma (nos pacientes em que foi possível a avaliação do disco óptico, este mostrou escavação de 0,8 ou maior em 75%), a refratariedade do glaucoma (54,7% dos pacientes já haviam sido submetidos a duas ou mais cirurgias) e o aumento progressivo do diâmetro axial dos olhos estudados, mesmo com a Po<12 mmHg.

A aplicação da MMC antes ou após a delaminação do retalho escleral é motivo de controvérsia(27-29). A difusão da MMC através da parede escleral pode afetar o corpo ciliar, aumentando o risco de hipotonia(17).

No que diz respeito às complicações pós-operatórias têm sido descritos hipotonia (causada por hiperfiltração, descolamento ciliocoroidiano ou vazamento do humor aquoso), atalamia, câmara anterior rasa, hifema, catarata, maculopatia hipotônica, descolamento de retina, phthisis bulbi e endoftalmite(7-8,13-16). No presente estudo, a única complicação registrada foi a hipotonia crônica (Po<6 mmHg) em quatro olhos (9,1%), dois com Po igual a zero e dois com Po igual a 4 mmHg; um dos olhos com Po igual a 4 mmHg apresentava vazamento de humor aquoso pela bolsa fistulante (teste de Seidel positivo). Essa incidência de hipotonia é superior à relatada por um trabalho no qual ela foi detectada em apenas um (2,9%) dos 38 olhos (34 com glaucoma congênito primário refratário) estudados(25), o que talvez possa ser explicado pela maior concentração e tempo de emprego da mitomicina na nossa casuística.

Por outro lado, a incidência de hipotonia encontrada na nossa casuística foi comparável à encontrada noutro trabalho em que os autores usaram MMC no per-operatório na mesma concentração e pelo mesmo período de tempo em pacientes adultos (média de idade de 64±15 anos), submetidos a TREC primária com seguimento médio de 48±17 meses, pouco maior que o de nossa casuística (42,8±25,3 meses; mediana de 36 meses)(8). Este é um aspecto extremamente importante, levando-se em conta que a hipotonia crônica, na nossa casuística, foi reconhecida num tempo médio de 25,9 meses (mediana de 14 meses). Com base nos achados de autores(7) que relataram uma alta incidência de hipotonia tardia em pacientes submetidos a TREC primária com MMC num seguimento mínimo de cinco anos, há de se supor que se o período de seguimento dos pacientes da nossa casuística (média de 42,8 meses) tivesse sido maior, certamente seria mais elevada a incidência da hipotonia.

Ainda não existe explicação para a maior incidência de hipotonia em pacientes jovens. Descrevendo os achados clínicos e as modalidades de tratamento da hipotonia crônica pós-TREC primária com MMC em nove olhos de adultos, foi relatada a presença de maculopatia hipotônica em cinco (55,6%), ressaltando-se a maior incidência da maculopatia em pacientes relativamente jovens, dois deles com 18 anos (média de idade igual a 33,2 anos)(16).

Em concordância com os achados de um trabalho(21), nenhum dos quatro olhos com hipotonia crônica da presente casuística desenvolveu maculopatia hipotônica. É possível que a ausência de maculopatia hipotônica tenha explicação no limitado tamanho da nossa amostra, pois outros autores(13) ao estudarem 169 olhos de adultos submetidos a TREC com MMC, relataram a ocorrência de maculopatia hipotônica em cinco (2,9%) olhos.

Outro ponto a ser destacado é que, na nossa casuística, os pacientes apresentando uma média de idade de 7,0±6,6 anos possuem uma expectativa de vida muito grande, o que faz supor haver maior chance de serem acometidos não só de hipotonia crônica, mas também de outras complicações graves, como phthisis bulbi, endoftalmite, descolamento de retina, relatadas por outros autores(7-8,13,16,21).

Os olhos que apresentavam hipotonia tinham maior média de tempo de acompanhamento em relação aos que não a apresentaram, embora sem significância estatística e com grande variabilidade (50,0±35,1 contra 41,7±23,8 meses; p=0,63).

Por outro lado, houve diferença estatística altamente significativa na redução na Po (Po média final – Po média pré-operatória) entre os olhos que tiveram hipotonia (média: -20,7±8,2; mediana: -20,0) e aqueles que não a tiveram (média: -7,3±8,4; mediana: -8,0) – p=0,006.

O seguimento de um maior número de pacientes da nossa casuística foi prejudicado, em parte, pelo acesso precário via Sistema Único de Saúde e, noutros casos, pelo abandono do tratamento. Essa dificuldade deve ser considerada, acrescida da limitação inerente aos estudos retrospectivos baseados em análise de prontuários.

Em síntese, os resultados deste trabalho acenam para a necessidade da busca de outras alternativas para o tratamento de glaucomas refratários, congênitos ou não, em pacientes jovens.

 

CONCLUSÃO

O uso de MMC na cirurgia fistulante do glaucoma congênito refratário mostrou-se eficaz na redução da Po, porém a incidência de hipotonia ocular foi alta.

Ressalta-se a necessidade de muita cautela e uma cuidadosa seleção dos pacientes ao tomar-se a decisão de usá-la.

 

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Endereço para correspondência
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E-mail: [email protected]

Recebido para publicação em 11.07.2003
Versão revisada recebida em 12.01.2004
Aprovação em 06.02.2004

 

 

Nota Editorial: Pela análise deste trabalho e por sua anuência na divulgação desta nota, agradecemos ao Dr. Paulo Augusto de Arruda Mello.


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