Carolina Lemos Curi1; Guilherme Herzog2; Roberto Sebastiá2
DOI: 10.1590/S0004-27492004000300011
RESUMO
OBJETIVO: Caracterizar os achados órbito-palpebrais na neurofibromatose tipo 1 e relatar a abordagem cirúrgica realizada. MÉTODOS: Foram estudados retrospectivamente os pacientes portadores de NF1 com envolvimento órbito-palpebral atendidos no Ambulatório de Cirurgia Plástica Ocular do Departamento de Oftalmologia da Universidade Federal Fluminense e 38ª Enfermaria da Santa Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro. RESULTADOS: Dos 16 pacientes estudados, 12 apresentavam neurofibromas órbito-palpebrais, 3 apresentavam glioma do nervo óptico e 3 algum tipo de displasia óssea levando à exoftalmia ou enoftalmia. Dez pacientes foram submetidos a algum tipo de cirurgia plástica reconstrutora. CONCLUSÃO: Os achados clínicos encontrados estão de acordo com o descrito na literatura, tratando-se de doença com expressividade variável. Geralmente os pacientes necessitam ser submetidos a múltiplas cirurgias.
Descritores: Neurofibromatose 1; Neurofibromatose 1; Doenças orbitárias; Doenças palpebrais
ABSTRACT
PURPOSE: To study the orbital and eyelid manifestations of Neurofibromatosis type 1 and to report the surgical approach. METHODS: Retrospective study of patients presenting with neurofibromatosis type 1 examined at the Oculoplastic Department of the "Universidade Federal Fluminense and the 38th ward of the Santa Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro". RESULTS: Of the 16 patients, 12 had orbital and eyelid neurofibromas, 3 had optic glioma and 3 had osseous dysplasia. Ten patients underwent reconstructive oculoplastic surgery. CONCLUSION: Our results are in agreement with the international literature. Most patients required multiple procedures.
Keywords: Neurofibromatosis 1; Neurofibromatosis 1; Orbital diseases; Eyelid diseases
INTRODUÇÃO
A neurofibromatose tipo 1 (NF1) é uma doença do grupo das facomatoses, que apesar de ter sido descrita primeiramente por Robert William Smith em 1849, só veio a se tornar conhecida em 1882, após a clássica descrição de Friedrich Daniel von Recklinghausen(1). Tem caráter autossômico dominante com penetrância incompleta e expressividade variável, podendo também representar mutações. O gene para a NF1 está localizado no cromossomo 17q11.
É uma doença rara, progressiva, ocorrendo aproximadamente em 1: 3000 nascimentos. Caracteriza-se principalmente pela presença de hamartomas que se originam das células de Schwann de nervos periféricos e cranianos e células gliais do sistema nervoso central (SNC). Tem como manifestação ocular mais comum os nódulos irianos (nódulos de Lisch)(2).
Os critérios diagnósticos para neurofibromatose tipo1 foram revistos e atualizados em 1990(3) e são necessários dois ou mais dos seguintes achados para selar o diagnóstico:
O envolvimento das pálpebras e órbitas é bastante variável, e estas podem ser acometidas por diversas manifestações da doença, como neurofibromas, manchas café-com-leite, defeitos ósseos e glioma do nervo óptico. De acordo com a literatura, cerca de 50% dos pacientes apresenta acometimento orbitário e 30% acometimento palpebral.
OBJETIVOS
Caracterizar os achados órbito-palpebrais na NF1 e relatar a abordagem cirúrgica realizada.
MÉTODOS
Foram estudados retrospectivamente 16 pacientes portadores de NF1 com envolvimento órbito-palpebral atendidos no ambulatório de Cirurgia Plástica Ocular do Departamento de Oftalmologia da Universidade Federal Fluminense e 38ª enfermaria da Santa Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro.
RESULTADOS
Foram analisados 16 pacientes portadores de NF1 com acometimento órbito-palpebral, sendo 9 do sexo feminino e 7 do sexo masculino, com idade variando entre 7 e 63 anos.
Doze pacientes apresentavam neurofibromas órbito-palpebrais, com extensão e localização variáveis, sendo 11 unilaterais e 1 bilateral. Dos 11 casos unilaterais, 9 apresentavam neurofibroma na pálpebra superior, 1 na pálpebra inferior e 1 caso era bipalpebral. O caso bilateral apresentava neurofibromas nas quatro pálpebras, num total de 15 pálpebras. O lado direito foi acometido em 7 dos 11 casos unilaterais. Das 12 pálpebras superiores acometidas pelo tumor, todas apresentavam ptose secundária à presença do neurofibroma. Das 4 pálpebras inferiores acometidas, 3 apresentavam ectrópio mecânico.
Glioma do nervo óptico unilateral à direita foi observado em 3 casos. Outros 3 pacientes apresentavam algum tipo de displasia óssea, 2 levando à exoftalmia e 1 à enoftalmia.
Dos 16 pacientes, 10 foram submetidos a algum tipo de cirurgia plástica reconstrutora. Dos 6 pacientes não submetidos à cirurgia, 3 eram portadores de glioma do nervo óptico, 1 apresentava extensão do neurofibroma importante para a região frontal, 1 apresentava enoftalmia e 1 não quis ser submetido à cirurgia (Tabela 1).
Dos 11 pacientes portadores de neurofibroma de pálpebra superior e ptose, 10 foram submetidos à ressecção dos neurofibromas, sendo necessário um encurtamento horizontal e vertical grandes da pálpebra acometida, com posterior correção da ptose por plicatura do músculo levantador da pálpebra superior e reposicionamento dos tendões palpebrais.
Dois pacientes eram portadores de neurofibromas na pálpebra inferior com ectrópio mecânico. Estes foram submetidos à ressecção dos tumores e correção do ectrópio com a técnica de "tarsal strip".
DISCUSSÃO
A NF1 é uma das facomatoses que mais freqüentemente acomete o globo ocular e anexos. Qualquer parte do olho ou órbita onde são encontrados nervos pode estar envolvida.
O envolvimento palpebral na NF1 é bastante variável, tendo como manifestação mais comum a presença de neurofibromas plexiformes. Esses tumores representam um crescimento exagerado dos nervos periféricos, têm crescimento lento e irregular, podendo acelerar durante a puberdade e gravidez. Os neurofibromas palpebrais geralmente são unilaterais e podem apresentar hiperpigmentação cutânea ou hipertricose associadas(4). A literatura sugere uma predileção pelo lado esquerdo, o que não ocorreu na nossa série.
Na maioria dos casos acometem a pálpebra superior dando uma deformidade característica em que a pálpebra assume um formato em S(5). Esses tumores geralmente produzem ptose associada. O peso excessivo da pálpebra é o maior responsável, mas o músculo levantador da pálpebra superior pode estar infiltrado pelo tumor(6). Dos nossos 12 casos de NF palpebral, 11 eram localizados na pálpebra superior e apresentavam ptose associada o que está de acordo com a literatura (Figuras 1 a 4).
Dos três pacientes que apresentavam NF na pálpebra inferior, dois tinham também ectrópio mecânico. Este achado é bastante incomum já que raramente os neurofibromas afetam as pálpebras inferiores.
Das manifestações orbitárias, a exoftalmia secundária a tumor intra-orbitário (neurofibroma ou glioma do nervo óptico) ou displasia óssea é a manifestação principal. Dos nossos cinco casos de exoftalmia, três eram secundárias a glioma do nervo óptico e 2 apresentavam exoftalmia pulsátil secundária a displasia esfenóide da NF1. Segundo a maioria dos autores a displasia esfenóide é a manifestação orbitária característica da NF1. Esses pacientes apresentam herniação do conteúdo intracraniano para a órbita através do defeito ósseo, o que na maioria dos casos leva ao exoftalmo pulsátil.
Como em nosso trabalho não dispusemos de tomografia computadorizada em todos os casos, é possível que mais pacientes apresentassem algum tipo de displasia óssea, já que esta pode ocorrer sem causar exoftalmia.
Um paciente apresentava enoftalmo secundário a um grande defeito ósseo orbitário, com agenesia das paredes superior e lateral da órbita. O enoftalmo é uma manifestação incomum, porém descrita(7), da NF1 (Figuras 5 e 6).
O paciente que tinha comprometimento das quatro pálpebras apresentava um acometimento facial importante, quadro conhecido como Elephantiasis neurofibromata.
O tratamento das manifestações órbito-palpebrais da NF1 é basicamente cirúrgico, e consiste na ressecção dos tumores, tratamento das alterações palpebrais secundárias e dos defeitos orbitários. Como as cirurgias são de difícil execução pelo caráter difuso, infiltrativo e vascular do neurofibroma, os pacientes geralmente sofrem múltiplas cirurgias com ressecções parciais do tumor, sendo defendida a intervenção precoce para prevenir as deformidades e o crescimento do tumor(6). Como a ressecção do neurofibroma geralmente é parcial pela sua difícil delimitação, e pelo caráter progressivo do tumor, pode haver recidiva.
Há autores que sugerem o uso do laser de CO2 na remoção dos neurofibromas cutâneos, alegando que o uso do laser diminui o sangramento no per operatório, diminui o tempo de cirurgia e facilita os planos de dissecção(8-9).
CONCLUSÃO
Os achados clínicos encontrados estão de acordo com o descrito na literatura, tratando-se de doença com expressividade variável.
O tratamento cirúrgico é individualizado, de acordo com a apresentação clínica da doença. Geralmente os pacientes necessitam ser submetidos a múltiplas cirurgias.
REFERÊNCIAS
1. Kobrin JL, Blodi FC, Weingeist TA. Ocular and orbital manifestations of neurofibromatosis. Surv Ophthalmol. 1979;24:45-51.
2. Lewis RA, Riccardi VM. Von Recklinghausen neurofibromatosis. Incidence of iris hamartomata. Ophthalmology 1981;88:348-54.
3. Farris SR, Grove AS Jr. Orbital and eyelid manifestations of neurofibromatosis: a clinical study and literature review. Ophthal Plast Reconstr Surg. 1996;12:245-59.
4. Ettl A, Marinkovic M, Koornneef L. Localized hypertrichosis associated with periorbital neurofibroma: clinical findings and differential diagnosis. Ophthalmology 1996;103:942-8.
5. Smith B, English FP. Classical eyelid border sign of neurofibromatosis. Brit J Ophthalmol 1970;54:134-5.
6. Marchac D. Intracranial enlargement of the orbital cavity and palpebral remodeling for orbitopalpebral neurofibromatosis. Plast Reconstr Surg. 1984; 73: 534-43
7. Savino PJ, Glaser JS, Luxenberg MN. Pulsating enophthalmos and choroidal hamartomas: two rare stigmata of neurofibromatosis. B. J Ophthalmol 1977; 61:483-8.
8. Lapid-Gortzak R, Lapid O, Monos T, Lifshitz T. CO2-laser in the removal of a plexiform neurofibroma from the eyelid. Ophthalmic Surg Lasers 2000;31:432-4.
9. Dailey RA, Sullivan SA, Wobig JL. Surgical debulking of eyelid and anterior orbital plexiform neurofibromas by means of the carbon dioxide laser. Am J Ophthalmol 2000;130:117-9.
Endereço para correspondência
Carolina Lemos Curi
R. Francisco Dutra, 163/701
Niterói (RJ) CEP 24220-150
E-mail: [email protected]
Recebido para publicação em 22.07.2003
Versão revisada recebida em 10.02.2004
Aprovação em 18.03.2004
Nota Editorial: Pela análise deste trabalho e por sua anuência na divulgação desta nota, agradecemos ao Dr. Davi Araf.