Claudia Akemi Shiratori1; Rony Carlos Preti2; Silvana Artioli Schellini3; Plínio Ferraz4; Márcia Lima5
DOI: 10.1590/S0004-27492004000200025
RESUMO
O intuito deste é apresentar um caso raro de síndrome de Horner na infância. Trata-se de uma criança do sexo masculino, com idade de 2 anos e 1 mês, que apresentava desde o nascimento ptose palpebral, miose e anidrose da hemiface esquerda. A instilação de fenilefrina 2,5% provocou midríase, com pupilas isocóricas, confirmando o diagnóstico. A história e o exame clínico auxiliam a localizar o nível da lesão e a estabelecer a etiologia do quadro.
Descritores: Síndrome de Horner; Blefaroptose; Miose; Hipoidrose; Sistema nervoso simpático
ABSTRACT
The purpose of this is to describe a child with Horner's syndrome, a rare condition. A male child, 2 years and 1 month old, showed since birth ptosis of the left upper eyelid and miosis associated with sweating on the left hemiface. 2.5% phenylephrine eyedrop test diagnosed similar mydriasis in both sides. The history and clinical examination help to localize the level and to establish the origin of the lesion.
Keywords: Horner's syndrome; Blepharoptosis; Miosis; Hypohidrosis; Sympathetic nervous system
INTRODUÇÃO
A síndrome de Horner é condição rara, decorrente de lesão da via simpática que pode ocorrer em qualquer nível, desde o hipotálamo, até o olho(1).
A origem pode ser congênita ou adquirida, sendo que apenas 5% dos casos são congênitos, podendo ser considerada a origem congênita mesmo quando decorrente de dano adquirido(2-3).
É caracterizada pela tétrade de sinais: ptose, miose, enoftalmo e anidrose facial(2), sendo o diagnóstico feito pela história e exame clínico. O enoftalmo não é verdadeiro, estando aparente em virtude da ptose discreta. A instilação ocular de simpatomiméticos, como a fenilefrina (1,0% ou 2,5%), ou de hidroxianfetamina (1,0%), podem ser úteis para localizar o local da lesão. O hidrocloreto de fenilefrina evidencia a hipersensibilidade de desnervação pupilar, havendo dilatação da pupila afetada maior que a do lado normal. A hidroxianfetamina age indiretamente, liberando a noradrenalina estocada nos terminais pós-ganglionares; seu efeito depende, portanto, da integridade funcional do terceiro neurônio(4). Assim, quando a lesão é pré-ganglionar, a hidroxianfetamina provoca dilatação igual ou maior da pupila lesada, comparando-se com o olho normal; se a lesão é pós-ganglionar, não há dilatação do olho afetado, havendo aumento da anisocoria. Lesão pós-ganglionar parcial deve ser considerada quando a pupila envolvida dilata, contudo, em menor proporção que o olho normal, ou seja, quando ocorre midríase incompleta(3).
Deve-se pesquisar, ainda, a etiologia da síndrome, avaliando-se a existência de trauma de parto, varicela congênita, tumores do pescoço e mediastino (como neuroblastomas, ganglioneuroma, neurilenoma) e lesões vasculares da carótida interna e artéria subclávia. Estas condições podem ocorrer com a presença de massas cervicais ou abdominais e envolvimento de outros nervos cranianos. Os exames de imagem da cabeça, tórax e coluna cervical podem ser úteis. Entretanto, não é necessário submeter a criança à investigação, quando não há suspeita de uma dessas condições(1).
Em geral, o tratamento da síndrome de Horner depende da causa. Muitas vezes não há tratamento que melhore ou reverta esta condição. O tratamento dos casos adquiridos é dirigido à erradicação da doença que está produzindo a síndrome.
RELATO DE CASO
JFZ, 2 anos e 1 mês, sexo masculino, foi referido ao Serviço com história de "pálpebra caída" à esquerda desde o nascimento. A criança apresentava também miose pupilar do mesmo lado e os pais haviam percebido diferença de coloração da íris desde os 2 meses de idade.
Antecedentes pessoais: Criança saudável, com bom desenvolvimento neuro-psicomotor. Mãe refere gestação sem intercorrências, criança nascida de parto normal, com fórceps, a termo.
Exame oftalmológico: Pálpebra superior com distância reflexo-margem de 5 mm à direita e de 3 mm à esquerda; excursão do elevador de 10 mm à direita e 8 mm à esquerda. Discreto enoftalmo à esquerda.
Anisocoria, com miose à esquerda, com reflexos pupilares direto e consensual preservados. Diferença de coloração da íris, sendo o olho direito esverdeado e o esquerdo, azulado (Figura 1).
Após atividade física (deambulação com auxílio ou engatinhar), houve ruborização da face, de forma mais marcada à direita. A sudorese foi evidente à direita, com anidrose à esquerda. Exame neurológico normal.
A instilação do colírio de fenilefrina 2,5% (2 gotas, com intervalo de 5 minutos e avaliação após 40 minutos) evidenciou midríase equiparada de ambas as pupilas (Figura 2).
Assim, o diagnóstico foi de síndrome de Horner, considerada congênita pela época da manifestação.
COMENTÁRIOS
Diferenciar a síndrome de Horner congênita, dos casos adquiridos na infância não é tarefa fácil(1-2), questionando-se a atribuição do termo "congênito", que se refere mais à época precoce de ocorrência, do que pelo fato de existir desde o nascimento, como o termo faz supor(5).
Um dos diferenciais da síndrome de Horner congênita é a presença de heterocromia de íris, que ocorre pela desnervação do órgão alvo, em conseqüência do fato dos melanócitos serem estimulados pela via simpática(6-7). Contudo, a heterocromia pode estar presente também nos casos adquiridos(1).
O quadro clínico por si, permite estabelecer o diagnóstico. A utilização de testes farmacológicos tem como propósito, auxiliar na comprovação diagnóstica, além de localizar o local da lesão.
A hipersensibilidade pupilar foi testada com o colírio de fenilefrina a 2,5%, quando foi observado midríase de igual tamanho; portanto, houve maior amplitude de resposta da pupila afetada que era miótica antes do teste. O teste da hidroxianfetamina 1,0% não foi realizado pela indisponibilidade do fármaco no mercado nacional(4).
Provavelmente a criança em questão apresentava lesão pré-ganglionar, uma vez que nas lesões pós-ganglionares há ausência de anidrose facial ipsilateral(3). Casos semelhantes foram descritos, não relacionados com complicações obstétricas ou neonatais(3).
De acordo com a localização da lesão, existem várias causas para a síndrome de Horner. Quando a lesão é pós-ganglionar, pode ser resultado de fratura da base do crânio, tração do plexo carotídeo no trabalho de parto laboroso, lesão do gânglio cervical superior, resultando em malformação congênita idiopática, disgenesia transináptica por lesão primária da via óculo-simpática, oclusão vascular, trauma do nascimento com avulsão das raízes nervosas de C8 a T1. Já, as lesões pré-ganglionares, em geral, resultam de cirurgia e tumores de pescoço e tórax, costela cervical, pneumotórax(3).
Entretanto, os traumas ao nascimento são citados como a causa mais comum da síndrome de Horner na infância(1,8).
A observação de 72 crianças portadoras da síndrome de Horner, com idade até 1 ano e 6 meses, mostrou a origem congênita em 42% das crianças; em 15% a afecção era adquirida sem intervenção cirúrgica e em 42%, adquirida após cirurgia do tórax, pescoço ou sistema nervoso central. Dentre os casos congênitos, história de parto-fórceps, extração a vácuo, distócia do ombro, rotação fetal ou parto pós-termo foi encontrada em 53% dos casos(8).
O neuroblastoma é a segunda maior causa de síndrome de Horner na infância. Portanto, é necessário o acompanhamento conjunto com o neuropediatra(1).
Conclui-se assim, que a criança relatada é portadora de síndrome de Horner congênita, que pode ter sido adquirida, secundária a toco-traumatismo. Apesar do trauma ao nascimento ser a causa mais comum desta afecção, existe a possibilidade de ocorrer secundariamente a tumores, o que impõem necessidade de acompanhamento.
REFERÊNCIAS
1. George ND, Gonzalez G, Hoyt CS. Does Horner's syndrome in infancy require investigation?[commented on Br J Ophthalmol 1998;82:1097]. Br J Ophthalmol 1998;82:51-4.
2. Naimer AS, Weinstein O, Rosenthal G. Congenital Horner syndrome: a rare though significant complication of subclavian aortoplasty. [commented on J Thorac Cardiovasc Surg 2001;121:819-20]. J Thorac Cardiovasc Surg 2000; 120:419-21.
3. Weinstein JM, Zweifel TJ, Thompson HS. Congenital Horner's syndrome. Arch Ophthalmol 1980;98:1074-8.
4. Bates AT, Chamberlain S, Champion M, Foley L, Hughes E, Jani B, et al. Proledrine: a substitute for hydroxyamphetamine as a diagnostic eyedrop test in Horner's syndrome. J Neurol Neurosurg Psychiatry 1995;58:215-7.
5. Weissberg D. Congenital Horner's syndrome [commented on J Thorac Cardiovasc Surg 2000;120:419-21]. J Thorac Cardiovasc Surg 2001;121:819-20.
6. Lee MS, Duncan MB, Keeling JH. Two unnusual cases of anhidrosis. Cutis 1994;54:261-5.
7. Uyama E, Maeda J, Adachi K, Yu TC, Araki S. An adult case of congenital Horner's Syndrome with heterocromia iridis with special reference to alteration of Horner's sign associated with development. Rinsho Shinkeigaku 1989;29:1278-82.
8. Jeffery AR, Ellis FJ, Repka MX, Buncic JR. Pediatric Horner syndrome [commented on J AAPOS 1998;2:129-30]. J AAPOS 1998;2:159-67.
Endereço para correspondência
Silvana Artioli Schellini
DEP. OFT/ORL/CCP
Faculdade de Medicina de Botucatu - UNESP
Botucatu (SP) Cep 18618-970
E-mail: [email protected]
Recebido para publicação em 17.02.2003
Versão revisada recebida em 07.05.2003
Aprovação em 09.05.2003