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Editorial

Dacriocistorrinostomia externa em hospital universitário: avaliação dos resultados

Evaluation of the external dacryocystorhinostomy: result in a university hospital

Silvana Artioli Schellini1; Regina Hitomi Sakamoto2; Jorge Taveira Samahá2; Flavio Arangon3; Carlos Roberto Padovani4

DOI: 10.1590/S0004-27492004000200021

RESUMO

OBJETIVO: Conhecer a resposta das obstruções nasolacrimais ao tratamento por dacriocistorrinostomia (DCR) externa em um Hospital Universitário. MÉTODOS: Avaliaram-se retrospectivamente 245 procedimentos cirúrgicos realizados em 220 pacientes. Os indivíduos foram estudados quanto à idade, sexo, queixas, antecedentes, sinais clínicos e complicações intra-operatórias. RESULTADOS: A mediana da idade dos pacientes foi de 45 anos e houve predomínio do sexo feminino (70,00%). As queixas mais freqüentes foram epífora (93,06%) e secreção ocular (58,77%). As complicações intra-operatórias ocorreram em 9,37% dos pacientes, tendo ocorrido sangramento excessivo (5,30%), lesão da mucosa nasal (2,85%) e lesão do saco lacrimal (22,0%). Em 15,55% dos pacientes foi realizada nova cirurgia. CONCLUSÃO: A chance de cura com a utilização da DCR externa no serviço foi de 71,43%. Considerou-se a utilização desta técnica cirúrgica uma boa opção para o tratamento das obstruções nasolacrimais, em decorrência do baixo índice de complicações e da chance de sucesso com o tratamento.

Descritores: Dacriocistite; Dacriocistorinostomia; Doenças do aparelho lacrimal; Obstrução dos ductos lacrimais; Procedimentos cirúrgicos oftalmológicos

ABSTRACT

PURPOSE: To know the results of nasolacrimal obstruction treatment using external dacryocystorhinostomy in a university hospital. METHODS: 245 surgical procedures were evaluated regarding age, sex, complaints, previous factors and surgery complications. RESULTS: The age of the patients was approximately 45 years and 70.0% were female. The main complaints were tearing (93.1%) and ocular secretion (58.8%). Complications during the surgery like bleeding (5.3%), mucous nasal lesion (2.8%) and lacrimal sac lesion (1.2%) occurred in 9.4% of the patients and 15.5% needed further surgery. CONCLUSION: The rate of cure with external dacryocystorhinostomy was 71.4%. Due to the low rate of complications and successesful chances, we agree that this is a safe procedure to use in nasolacrimal obstruction treatment.

Keywords: Dacryocystitis; Dacryocystorhinostomy; Lacrimal apparatus disease; Lacrimal duct obstruction; Ophthalmologic surgical procedures


 

 

INTRODUÇÃO

As obstruções da drenagem lacrimal podem ser divididas em obstruções altas e baixas. As obstruções baixas são muito mais freqüentes que as altas, e podem ser congênitas, iatrogênicas, traumáticas, infecciosas, causadas por enfermidades nasais, corpos estranhos, tumores e idiopáticas. As obstruções idiopáticas perfazem cerca de 75,1% dos casos(1). Apesar da obstrução ser considerada idiopática, em geral, decorre de inflamação inespecífica, edematosa, alérgica ou condição atrófica da mucosa nasal na região do ducto nasolacrimal(2). Fatores como alterações anatômicas, infecções de estruturas vizinhas e doenças sistêmicas são os responsabilizados para explicar o acometimento sempre mais precoce em mulheres, brancas e com cerca de 40 anos(1-3).

Em 1904, Toti(4) descreveu a dacriocistorrinostomia (DCR) como a cirurgia para a solução da epífora. Sua técnica consistia em realizar uma incisão na pele, efetuando logo em seguida uma osteotomia grande com secção de toda a mucosa nasal. Posteriormente, a parede nasal do saco era ressecada e suturada por planos. Com esta técnica, obtinha-se em torno de 10 a 15% de êxito(5).

Em 1921, a técnica de Toti foi alterada por Dupuy-Dutemps na França, realizando-se suturas para unir o saco lacrimal com a mucosa nasal(5).

No Brasil, Valle(6), em 1941, padronizou os tempos cirúrgicos e desenvolveu instrumental, fazendo da DCR uma cirurgia accessível à maioria dos cirurgiões.

Nos dias atuais, a correção da obstrução nasolacrimal de adultos é feita principalmente pela técnica de DCR externa.

O objetivo deste estudo foi conhecer a resposta do tratamento das obstruções nasolacrimais por DCR externa em um hospital escola.

 

MÉTODOS

Foram analisados retrospectivamente 220 pacientes, nos quais foram realizados 245 procedimentos cirúrgicos. Os pacientes foram atendidos no Serviço de Vias Lacrimais da Faculdade de Medicina de Botucatu – UNESP, entre os anos de 1991 a 2001.

Avaliou-se a distribuição dos pacientes quanto ao resultado obtido com a realização da cirurgia, separando-se 2 grupos: pacientes que evoluíram para a cura ou nos quais a cirurgia teve sucesso (G1) e os que permaneceram com queixas ou nas quais houve insucesso cirúrgico (G2). Avaliou-se: a idade, o sexo, as queixas, os antecedentes, os sinais clínicos e as complicações intra-operatórias, procurando relacioná-las com o resultado obtido com a cirurgia: sucesso (G1) ou insucesso (G2).

Todas as DCRs foram feitas pela via externa, usando-se a seguinte técnica cirúrgica: anestesia local para os pacientes adultos e geral para as crianças; abertura da pele até o periósteo de cerca de 1,5 a 2,0 cm, em incisão retilínea, sobre o dorso nasal, abertura da janela óssea com auxílio de Citelli modificado, abertura do saco lacrimal e mucosa nasal em "C", ressecção dos folhetos posteriores e sutura dos anteriores com fio de sutura inabsorvível (Policron 6-0), seguida do fechamento da pele.

Todas as cirurgias foram realizadas por residentes de Oftalmologia.

O critério de cura foi a ausência de epífora e Teste de excreção do corante de fluoresceína (Teste de Milder) negativo no período pós-operatório mínimo de 60 dias.

Os resultados obtidos foram submetidos à análise estatística descritiva e teste de Goodman. O resultado do teste estatístico está apresentado nas tabelas de forma que as letras minúsculas comparam colunas e as letras maiúsculas comparam linhas. Duas letras diferentes apontam diferença estatística significativa.

 

RESULTADOS

Das 245 cirurgias realizadas, 175 pacientes (71,4%) tiveram evolução para a cura e 70 (28,6%) permaneceram com epífora.

A idade dos pacientes variou de 1 a 87 anos, com mediana de 45 anos, não havendo diferença estatisticamente significativa em relação ao grupo de pacientes sem (G1) ou com queixas (G2) com relação a este parâmetro.

Com relação ao sexo, houve predominância do sexo feminino (em torno de 70,0%) em ambos os grupos e não foi observado influência do sexo na possibilidade de cura (Tabela 1).

 

 

As queixas iniciais relatadas foram: epífora, secreção, tumoração e dacriocistite aguda. Houve predomínio da queixa de epífora, seguida de secreção ocular, tumoração e dacriocistite aguda. As queixas foram semelhantes em ambos os grupos, não havendo diferença estatística entre eles (Tabela 2).

Poucos foram os pacientes com antecedentes relativos às vias lacrimais, estando o trauma orbital ou nasal presente em 5,1% dos pacientes do G1 e 8,6% dos pacientes do G2; porém, nem o trauma, nem a cirurgia nasal prévia, mostraram relação com a evolução no pós-operatório (Tabela 3).

 

 

Teste de excreção do corante de fluoresceína positivo ocorreu em cerca de 80,0% dos casos e o refluxo de pus à expressão foi observado em 60,0% dos pacientes. Ambos, o teste de excreção do corante e a expressão do saco lacrimal tiveram distribuição semelhante nos dois grupos (Tabela 4).

 

 

As complicações intra-operatórias ocorreram em pequeno número de pacientes e foram as seguintes: sangramentos (5,3%), lesão da mucosa nasal (2,8%) e lesão de saco lacrimal (1,2%). A distribuição das complicações nos dois grupos de estudo mostrou que o G2 apresentou mais sangramento e lesão do saco lacrimal que o G1 (Tabela 5).

Foram realizadas 38 reoperações (15,5%), sendo feito DCR em 8,6%, DCR associada com a entubação da via lacrimal com fio de silicone em 3,7% e colocação de tubo de Lester –Jones em 3,3%.

 

DISCUSSÃO

Os pacientes foram analisados de acordo com o sexo, notando-se que a grande maioria pertencia ao sexo feminino e com a mediana da idade em torno da quarta década, como já observado por outros(3,7-8).

As queixas apresentadas foram semelhantes em ambos os grupos de pacientes estudados, não estando este parâmetro relacionado com os índices de cura. Pequena porcentagem de pacientes havia apresentado episódio prévio de dacriocistite aguda.

Apesar do pequeno número de casos com antecedentes de trauma e cirurgia nasal, não se observou pior prognóstico nestes pacientes. Sabe-se que os traumas levam a maiores chances de insucesso em DCR convencional, decorrente de alterações da anatomia normal, devido ao próprio trauma ou por terem os pacientes sido submetidos a reconstruções orbitárias com uso de fios metálicos, apresentarem mais fibrose e até mesmo avulsão de saco lacrimal(1).

Os índices de sucesso com a DCR externa em portadores de trauma na região do saco lacrimal são muito variáveis, havendo relatos de 33,0% de sucesso em DCR por obstrução traumática(9). Porém, em obstruções não traumáticas, obteve-se até 90,0% de sucesso(10-12).

Os testes de excreção do corante e expressão do saco lacrimal também não diferiram nos dois grupos estudados.

Quanto às complicações intra-operatórias, o sangramento, ocorrido em 5,3% dos casos, dificulta a técnica. Mas, em nenhum paciente o sangramento foi importante a ponto de perturbar os parâmetros vitais do paciente, como já relatado(13), provavelmente pelas precauções adotadas, dentre as quais: a avaliação prévia do paciente, uso de adrenalina no tampão nasal e na injeção da anestesia que é feita no dorso nasal (mesmo nos pacientes com anestesia geral). A lesão da mucosa nasal provavelmente decorre do uso do osteótomo de Citelli que é grosseiro e pode perfurar também a mucosa durante a remoção das espículas do osso nasal.

Avaliando-se as complicações ocorridas nos dois grupos de estudo, foi possível observar que o sangramento e a lesão da mucosa do saco lacrimal estiveram correlacionadas com insucesso cirúrgico. Além das complicações que ocorrem durante o ato cirúrgico, outros fatores poderão influenciar no índice de sucesso. Assim, as falhas na primeira cirurgia podem ter como razões: tamanho ou localização imprópria da janela óssea, obstrução do canalículo comum, cicatrização da rinostomia, doença sistêmica ativa e outras(14).

No Serviço onde o estudo foi realizado, a DCR externa sem entubação nasolacrimal é realizada como cirurgia de escolha, reservando a entubação para casos de saco lacrimal atrófico ou de fibrose cicatricial intensa. Porém, outros preferem utilizar a entubação nasolacrimal como rotina per-operatória, com chances de sucesso de 91,6%(15).a 95,0%, e com 2% de reintervenções(16).

A cirurgia pode ser realizada também pela via endonasal, com altas taxas de cura; em relação ao índice de reoperações, nas DCRs externas os resultados são melhores (13% de reoperações contra 30% nas DCRs endonasais)(17).

 

CONCLUSÃO

Este estudo mostra que 71,4% das cirurgias realizadas tiveram bons resultados, com apenas 15,5% evoluindo para reoperação. O índice de sucesso cirúrgico do presente trabalho é inferior a outros da literatura, em parte por se tratar de casuística de hospital-escola, sendo as cirurgias efetuadas por cirurgiões em treinamento. Mesmo assim, pode-se dizer ter ocorrido baixo índice de complicações e de insucesso com o emprego desta técnica cirúrgica.

 

REFERÊNCIAS

1. Schellini AS, Itoda LK, Moraes-Silva MRB. Dacrioestenose - análise dos casos atendidos em nosso serviço. Rev Bras Oftalmol 1990;49:43-8.        

2. Hurwitz JJ. The lacrimal system. Phyladelphia: Lippincott-Raven; 1996. p.331.        

3. Duke–Elder S. Diseases of lacrimal passages - dacryocystitis. In: Duke-Elder S. System of Ophthalmology: the ocular adnexa. London: Henry Kimpton; 1974. v. 13, cap. 10, p.699-723.        

4. Toti A. Nuovo metodo conservatore di cura radicale delle supurazione croniche del sacco lacrimale (Dacriocistorrinostomia). Clín. Méd 1904;10:385.        

5. Genovesi MP, Tulio DH, Manzitti E, Estevez FF. Patologia del aparato lacrimal. Arch. Oftalmol 1987;62:251-6.        

6. Valle D. Contribuição instrumental e técnica à cirurgia do aparelho lacrimal (Dacriostomia). Armando Nogueira, Varginha 1941. [separata].        

7. Caye EA, Maciel AC, Teixeira T, Ilha DO. Dacriocistografia no estudo da epífora em 63 pacientes. Rev Imagem 1986;8:107-12.        

8. Goh SH, Seah LL, Chiang C. Results of dacryocystorhinostomy in Singapore General Hospital [published erratum in Ann Acad Med Singapore 1989;18: 332]. Ann Acad Méd Singapore 1989;18:234-7.        

9. Winther J. Dacryocystorhinostomy-a long-term follow-up. Acta Ophthalmol (Copenh)1982;60:564-7.        

10. Mac Lachlan DL, Shannon GM, Flanagan JC. Results of dacryocystorhinostomy – analysis of the reoperations. Ophthalmic Surg 1980;11:427-30.        

11. Gruss JJ, Hurwitz JJ, Nuk NA, Kassel EE. The pattern and incidence of nasolacrimal injury in naso-orbital ethmoid fractures: the role of delayed assessment and dacryocystorhinostomy Br J Plast Surg 1985;38:116-21.        

12. Adenis JP, Mathon C, Franco JL, Lebraud P. La. dacryocystorhinostomy for post-traumatic lacrimal stenosis. Orbit 1987;6:135-7.        

13. Dailey RA, Wobig JL. Use of collagen absorbable hemostat in dacryocystorhinostomy. Am J Ophthalmol 1988;106:109-10.        

14. Adenis JP, Mathon C, Lebraud P, Franco JL. Dacryocystorhinostromy. Retrospective study of 165 cases. Indications, technic. Results. Comparative study of 25 cases of injury with 165 cases including all etiologies. J Fr Oph-talmol 1987;10:323-9.        

15. Dantas R. Dacriocistorrinostomia: sucesso X insucesso. Rev Bras Oftalmol 1997;56:49-53.        

16. Almeida A. Cirurgia do aparelho lacrimal. Arq Inst Penido Burnier 1959;16: 67-105.        

17. Mantynen J, Yoshitsugu M, Rautianen M. Results os dacryocystorhinostomy in 96 patients. Acta Otolaryngol 1997;Suppl 529:187-9.        

 

 

Endereço para correspondência
Silvana Artioli Schellini
DEP. OFT/ORL/CCP Faculdade de Medicina de Botucatu - UNESP
Botucatu (SP) Cep 18618-970
E-mail: [email protected]

Recebido para publicação em 06.02.2003
Versão revisada recebida em 30.06.2003
Aprovação em 06.11.2003

 

 

Nota Editorial: Pela análise deste trabalho e por sua anuência na divulgação desta nota, agradecemos ao Dr. Waldir Martins Portellinha.


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