200 céls./mm³ tiveram a medicação anti-CMV de manutenção suspensa. Os pacientes mantiveram acompanhamento quinzenal por meio de oftalmoscopia indireta a partir da suspensão da terapia até dezembro de 1998. Resultados: Dos 24 pacientes estudados nenhum apresentou reativação ou progressão da retinite. Todos os pacientes mantiveram a contagem de CD4+ > 200 céls/mm³. Apenas um apresentou carga viral de 4000 cópias, os demais mantiveram carga viral indetectável. O acompanhamento médio dos pacientes foi de 10,5 meses. Conclusão: Acreditamos que os parâmetros por nós estabelecidos sejam seguros para a suspensão da terapia de manutenção, porém novos estudos devam ser realizados a fim de estabelecer outros critérios. O exame oftalmológico, a contagem de CD4+ e a carga viral são fundamentais no acompanhamento dos pacientes após a suspensão da terapia específica de manutenção para a retinite por CMV." />
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Artigo Original

Evolução da retinite por citomegalovirus após suspensão de terapia de manutenção em pacientes com recuperação imunológica após HAART

Cytomegalovirus retinitis outcome following maintenance therapy discontinuation in patients with immune recovery due to HAART

André L. L. Curi1; Acácio Muralha1; Lilia Muralha2

DOI: 10.1590/S0004-27491999000500006

RESUMO

Objetivo: Estabelecer critérios seguros para a suspensão da terapia de manutenção anti-CMV em pacientes que apresentaram recuperação imunológica após o uso da HAART ("Highly Active Antiretroviral therapy"). Métodos: Vinte e quatro pacientes que apresentavam retinite por citomegalovirus inativa, carga viral indetectável e contagem de CD4+ > 200 céls./mm³ tiveram a medicação anti-CMV de manutenção suspensa. Os pacientes mantiveram acompanhamento quinzenal por meio de oftalmoscopia indireta a partir da suspensão da terapia até dezembro de 1998. Resultados: Dos 24 pacientes estudados nenhum apresentou reativação ou progressão da retinite. Todos os pacientes mantiveram a contagem de CD4+ > 200 céls/mm³. Apenas um apresentou carga viral de 4000 cópias, os demais mantiveram carga viral indetectável. O acompanhamento médio dos pacientes foi de 10,5 meses. Conclusão: Acreditamos que os parâmetros por nós estabelecidos sejam seguros para a suspensão da terapia de manutenção, porém novos estudos devam ser realizados a fim de estabelecer outros critérios. O exame oftalmológico, a contagem de CD4+ e a carga viral são fundamentais no acompanhamento dos pacientes após a suspensão da terapia específica de manutenção para a retinite por CMV.

Descritores: CMV; Terapia de manutenção; Recuperação imunológica; HAART

ABSTRACT

Purpose: To establish safety parameters for stopping anti-CMV maintenance therapy in patients who had immune recovery after highly active antiretroviral therapy. Methods: The anti-CMV maintenance therapy was stopped in 24 patients who presented with inactive CMV retinitis, CD4+ > 200 cells./mm³ and indetectlabe viral load. The pa-tients were examined every 15 days with indirect ophthal-moscopy after maintenance therapy discontinuation until december 1998. Results: None of the 24 patients presented retinitis reactvation or progression. All of them kept CD4+ counts above 200 cells/mm³. One patient presented a viral load of 4000, the others maintained indetectable viral load. The average follow-up was 10,5 months. Conclusion: We believe that our established parameters are safe to stop anti-CMV maintenance therapy although other studies should be performed. Routine ophthalmologic exa- mination,CD4+ count and the viral load are fundamental in the follow-up of patients with inactive CMV retinitis after stopping maintenance therapy.

Keywords: CMV; Maintenance therapy; Immune recovery; HAART

INTRODUÇÃO

A retinite por citomegalovirus (CMV) é a principal infecção oftalmológica relacionada a Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (AIDS). A sua incidência aumentou consideravelmente a partir do momento em que foi instituído o tratamento profilático para pneumonia pelo Pneumocystis carinii 1. Estudos revelaram que pacientes que apresentavam contagem de CD4+ abaixo de 100 céls/mm3 e principalmente aqueles com CD4+ abaixo de 50céls/mm3 teriam um maior risco de apresentar retinite por CMV 2.

Inicialmente os quadros de retinite por CMV eram tratados com ganciclovir ou foscarnet durante uma fase de indução e posteriormente com uma terapia de manutenção por toda a vida do paciente. Apesar da terapia de manutenção, os quadros recidivavam em aproximadamente 60 dias 3. Novas drogas foram desenvolvidas, assim como novas modalidades terapêuticas. Os implantes intra-oculares de longa duração mostraram-se efetivos devido aos níveis intra-oculares da droga 4.

A partir de 1996 com a introdução dos inibidores de protease observaram-se importantes mudanças não só nos pacientes com AIDS, mas também na retinite por CMV. Inicialmente observou-se uma recuperação imunológica dos pacientes demonstrada através de aumento da contagem de CD4+ e diminuição da carga viral. Juntamente observamos que a recidiva da retiniti deixou de ocorrer em 60 dias como observado anteriormente. Considerando que o aparecimento da retinite por CMV estava diretamente relacionado ao nível de CD4+, talvez a melhora da imunidade fosse capaz de controlar a infecção independente da terapia anti-CMV de manutenção. Baseados nesses fatos estudos foram iniciados a fim de determinar quais os critérios seguros para a retirada da terapia de manutenção específica para o citomegalovirus.

 

PACIENTES E MÉTODOS

Foram estudados 24 pacientes com AIDS e retinite por citomegalovirus onde a medicação anti-CMV de manutenção foi suspensa.

Sugerimos a suspensão da terapia de manutenção nos pacientes que preenchiam 4 critérios de inclusão: retinite cicatrizada, terapia anti-retroviral (HAART ¾ 2 inibidores de transcriptase + 1 inibidor de protease), contagem de CD4+ > 200 céls/mm3 e carga viral indetectável. Os pacientes que preenchiam os critérios de inclusão tiveram a medicação anti-CMV suspensa e mantiveram controle oftalmológica quinzenal. Os pacientes mantiveram acompanhamento laboratorial de contagem CD4+ e carga viral a cada três meses. Estabelecemos o mês de dezembro de 1998 para a observação dos resultados.

 

RESULTADOS

Dos 24 pacientes estudados 19 (79,2%) eram do sexo masculino e 5 (20,8%) do sexo feminino. A idade dos pacientes variou de 27 a 56 anos com média de 36,5 anos. Dezoito (75%) pacientes apresentaram retinite por citomegalovírus bilateralmente enquanto que 6 (25%) apresentaram retinite unilateralmente, num total de 42 olhos.

A contagem de CD4+ quando diagnosticada a retinite variou de 3 céls/mm3 a 102 céls/mm3. com média de 41,5 céls./mm3. A contagem de CD4+ quando suspensa a terapia de manutenção anti-CMV, variou de 212 céls./mm3 a 449 céls./mm3 com média de 286 céls./mm3. Nenhum paciente apresentou níveis de CD4+ < 200 céls/mm3 após entrarem no estudo. Um paciente apresentou carga viral de 4000 cópias em outubro de 1998, os demais mantiveram a carga viral indetectável.

Tabela 1

O tempo de tratamento específico anti-CMV variou de 7 a 41 meses com média de 21,8 meses. Todos os 24 pacientes foram inicialmente tratados com ganciclovir EV. Cinco pacientes foram tratados com injeção intra-vítrea de ganciclovir, 2 pacientes foram submetidos à cirurgia de colocação de implante de liberação lenta de ganciclovir (Vitrasert®, Chiron Vision) no quadrante temporal inferior. As cirurgias foram realizadas em maio de 1997. Após nove meses, tempo máximo de duração do implante, um dos pacientes ficou sem terapia de manutenção, o outro retornou ao uso de ganciclovir endo-venoso. Dois pacientes foram submetidos à cirurgia de vitrectomia via pars-plana com colocação de óleo de silicone devido a descolamento de retina. Três pacientes fizeram uso de cidofovir, porém todos fizeram reação a droga (iridociclite e hipotonia) e retornaram ao uso de ganciclovir EV. Dos 24 pacientes 7 (29,2%) apresentaram edema macular cistóide associado a retinite inativa. O acompanhamento dos pacientes após a suspensão da terapia de manutenção variou de 4 a 19 meses com média de 10,5 meses. Nenhum dos pacientes apresentou reativação da retinite após a suspensão da droga.

 

DISCUSSÃO

Classicamente a retinite por CMV apresentava-se com mínima ou ausente inflamação ocular. Raros casos na literatura foram descritos de edema macular cistóide (EMC) associado a retinite por CMV 5. Uma das mudanças importantes no quadro da retinite por CMV após a introdução da HAART foi a observação de inflamação intra-ocular associada a retinite inativa. Karavellas et al. 6 descreveram 5 pacientes que apresentaram vitreíte e papilite com EMC ou membrana epi-retiniana associada a retinite por CMV inativa. Todos os pacientes fizeram uso de terapia anti-retroviral (HAART). Desta forma pode-se demonstrar a recuperação imunológica após a HAART não só através da contagem de CD4+ e CV mas através da capacidade de desencadear processo inflamatório.

Whitcup et al. 7 descreveram os primeiros casos onde houve suspensão da terapia anti-CMV de manutenção sem que houvesse reativação da doença. Neste estudo um dos pacientes apresentou regressão total da lesão apenas com a terapia anti-retroviral. Os autores não estabeleceram critérios para a suspensão da terapia. MacDonald et al. 8 descreveram 11 pacientes onde a terapia anti-CMV foi suspensa e não houve a reativação da doença após aproximadamente 150 dias de acompanhamento. Os autores demonstraram a recuperação imunológica dos pacientes através dos níveis de CD4+, inicialmente 42 céls/mm3 em média e 183 céls./mm3 após a HAART quando foi suspensa a medicação anti-CMV. Neste grupo 2 pacientes apresentavam contagem de CD4+ baixa (63 céls/mm3 e 77 céls/mm3) quando suspensa a medicação. Apesar de não apresentar reativação acreditamos serem estes níveis muito baixos a suspensão da terapia anti-CMV. Em nosso estudo observamos casos de retinite por citomegalovírus onde os pacientes apresentavam níveis de CD4+ acima de 80 céls/mm3. Os trabalhos demonstraram que a recuperação imunológica pode, por si só, controlar a retinite por CMV, porém não define um critério seguro para a suspensão da terapia de manutenção 7-9 .

Vabrec et al. 10 descreveram 8 pacientes com retinite inativa que apresentaram aumento no nível de CD4+ superior a 100 céls./mm3 e faziam uso da HAART quando foi suspensa a terapia de manutenção. Nenhum paciente apresentou reativação ou progressão da retinite. Apesar de estabelecerem contagem de CD4+ acima de 100 céls./mm3 como marcador para suspensão da terapia de manutenção os autores não consideraram a carga viral. Acreditamos que a contagem de CD4+ apenas não deva ser usada como critérios para retirada da terapia de manutenção já que existem casos descritos de reativação da retinite por citomegalovírus apesar da contagem de CD4+ ser bastante alta. Petit et al. 11 descreveram um caso onde o paciente apresentava contagem de CD4+ de 88 céls/mm3 quando diagnosticada a retinite por CMV. Apesar de não fazer uso de inibidores de protease o paciente apresentou melhora imunológica com os níveis de CD4+ subindo para 191 céls/mm3 e uma diminuição da carga viral e viremia para o CMV. O ganciclovir foi suspenso e o paciente apresentou recidiva da retina apesar do CD4+ na época ser de 527 céls/mm3. Em nenhum momento o paciente apresentou carga viral indetectável apesar de apresentar uma significativa diminuição. Vinte dias após a suspensão do ganciclovir a viremia para a CMV estava novamente detectável. Esse fato comprova que talvez um conjunto de dados como: CD4+, carga viral e viremia sejam necessários para que possamos retirar a terapia de manutenção com total segurança.

Realizamos este estudo com o objetivo de estabelecer critérios mais seguros para a suspensão da terapia anti-CMV de manutenção. Acreditamos que os critérios por nós estabelecidos sejam seguros porém a observação de um maior número de pacientes por maior período de tempo será necessária para confirmar esses achados.

 

 


 

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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2. Kuppermann BD, Petty JG, Richman DD, Mathews WC, Fullerton SC, Rickman LS, Freeman WR. Correlation between CD4+ Counts and Prevalence of Cytomegalovirus Retinitis and Human Immunodeficiency Virus-related Noninfectious Retinal Vasculopathy in Patients With Acquired Immunodeficiency Syndrome. Am J Ophthalmol 1993;115:527-82.         

3. Studies the Ocular Complications of Aids Research Group, in collaboration with the Aids Clinical Trials Group: Mortality in patients with the acquired immunodeficiency syndrome treated with either foscarnet or ganciclovir for cytomegalovirus retinitis. N Engl J Med 1992;326:213-20.         

4. Martin DF, Parks DJ, Mellow SD, Ferris FL, Walton RC, Remaley NA, Chew EY, Ashton P, Davis MD, Nussemblat RB. Treatment of cytomegalovirus retinitis with an intra-ocular sustained-release ganciclovir implant-A randomized, controlled clinical trial. Arch Ophthalmol 1994;112:1531-9.         

5. Weinberg DV, Moorthy RS. Cystoid macular edema due to cytomegalovirus retinitis in a patient with acquired immune deficiency syndrome. Retina 1996;16:343-4.         

6. Karavellas MP, Lowder CY, MacDonald C, Avila CP, Freeman WR. Immune recovery vitreitis associated with inactive cytomegalovirus retinitis - A new syndrome. Arch Ophthalmol 1998;116:169-75.         

7. Whitcup SM, Fortin E, Nussenblatt RB, Polis MA, Muccioli C, Belfort Jr. R. Therapeutic effect of combination antiretroviral tehrapy on cytomegalovirus retinitis. Jama 1997;227:1519.         

8. MacDonald JC, Torriani FJ, Morse LS, Karavellas MP, Reed JB, Freeman WR. Lack of reactivation of cytomegalovirus (CMV) retinitis after stopping CMV maintenance therapy in AIDS patients with sustained elevations in CD4 T cells in response to highly active antiretroviral therapy. Journal Infectiouns Dis 1998;177:1182-7.         

9. Fernandes L, Motta MMS, Alves Jr. AA. Controle da retinite por citomegalovirus pela terapia anti-retroviral. Rev Bras Oftalmol 1997;56(11):845-9.         

10. Vabrec TR, Baldassano VF, Whitcup SM. Discontinuation of maintenance therapy in patients with quiescent cytomegalovirus retinitis and elevated CD4+ counts. Ophthalmology 1998;105:1259-64.         

11. Petit N, Zandotti C, Riss JM, Fripiat F, Moulin JF, Gastaut JA. Relapse of CMV retinitis in an AIDS patients with high CD4 counts. J Antimicrob Chemoter 1998;41:666-7.         

 

 

(1) Assistente voluntário do Serviço de Oftalmologia da Universidade Federal Fluminense (UFF) ¾ Serviço do Prof. Dr. Renato Curi.
(2) Oftalmologista do Departamento de Retina e Vítreo da Oftalmoclínica Méier.

Endereço para correspondência: Dr. André L. L. Curi. R. Tupinambás, 142. São Francisco, Niterói (RJ) Cep 24360-270. e-mail: [email protected]


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