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Editorial

Análise da aferição dos tonômetros de aplanação de Goldmann em serviços oftalmológicos de Recife

Analysis of calibration of Goldmann applanation tonometers in ophthalmology services in Recife

Ricardo Tomás da Costa1; Raquel Barbosa Paes Barreto1; Fábio Pedrosa Lopes1; Rodrigo Pessoa Cavalcanti Lira2

DOI: 10.1590/S0004-27492004000200015

RESUMO

OBJETIVOS: Verificar a freqüência de tonômetros de Goldmann descalibrados e a influência das seguintes variáveis: modelo, idade, número de utilizações diárias e freqüência de aferição. Avaliar o conhecimento dos oftalmologistas sobre a checagem da calibração. MÉTODOS: O estudo foi desenvolvido em Recife, Brasil. Foram identificados 79 tonômetros de Goldmann. O funcionamento dos tonômetros foi checado nas posições 0, 20 e 60 mmHg. Erros maiores que ± 2 mmHg foram considerados significativos. Numa ficha foram registrados: modelo (fixo à lâmpada de fenda ou removível), tempo de fabricação, número de utilizações diárias e freqüência de aferição. Um terço (92) dos oftalmologistas da cidade foram entrevistados e responderam um questionário perguntando se sabiam como fazer a checagem de calibração do tonômetro e se realizavam-na pessoalmente. RESULTADOS: Vinte tonômetros (25,3%) estavam descalibrados. Trinta e oito aparelhos (48,1%) eram fixos à lâmpada de fenda e 41 (51,9%) eram removíveis. Vinte e oito aparelhos (35,4%) tinham menos de 5 anos de fabricação. Quarenta e oito aparelhos (60,8%) eram utilizados em 20 ou menos pacientes por dia. A freqüência da checagem da calibração era anual ou mais freqüente em 36 (45,6%) aparelhos. Aparelhos descalibrados foram mais freqüentes entre os removíveis e entre os com mais de 5 anos de uso (p=0,008 e p=0,050, respectivamente). Apenas 37 (40,2%) oftalmologistas sabiam checar a calibração dos tonômetros. CONCLUSÕES: Um quarto dos tonômetros es-tava descalibrado. Os aparelhos removíveis e aqueles com mais de 5 anos de fabricação foram mais propensos à descalibração. A maioria dos oftalmologistas não sabe aferir o tonômetro.

Descritores: Tonometria; Equipamentos e provisões; Equipamentos de medicação

ABSTRACT

PURPOSES: To verify the frequency of non-calibrated Goldmann's applanation tonometers and the influence of the following variables: model, age, number of daily examined patients and how often the tonometers are gauged. To evaluate the degree of knowledge by ophthalmologists about checking the calibration of this device. METHODS: The study was developed in Recife, Brazil. Seventy-nine Goldmann's tonometers in use were identified. The functioning of the tonometers was checked at the 0, 20 and 60 mmHg positions. Measurements with an error greater than ± 2 mmHg were considered significant. The following data were also recorded: model, age, number of daily examined patients and the frequency of calibration checking. One third (92) of the city's ophthalmologists were interviewed and asked whether they knew how to check the tonometer and if they did the checking themselves. RESULTS: Twenty tonometers (25.3%) were not calibrated. Thirty eight tonometers (48.1%) were fixed to the slit lamp and 41 (51.9%) were removable. Twenty-eight tonometers (35.4%) were less than 5 years old. Forty-eight devices (60.8%) were used daily in 20 patients or less. The frequency of calibration checking was annual or more frequently in 36 (45.6%) devices. Non-calibrated tonometers were more common among the removable ones and those older than 5 years (p=0.008 e p=0.050, respectively). Only 37 (40.2%) of the ophthalmologists knew how to check the tonometers. CONCLUSIONS: A quarter of the tonometers was not calibrated. The removable ones and those with more than 5 years of use were more prone to be non-calibrated. The majority of the ophthalmologists did not know how to check the tonometer.

Keywords: Tonometry; Equipament and supplies; Measurement equipament


 

 

INTRODUÇÃO

Existem dois métodos usualmente utilizados para aferição da pressão ocular (Po), a indentação, que tem como exemplo o tonômetro de Schiötz, e a aplanação, que pode ser realizada pelos tonômetro de Goldmann, de Perkins, de Draeger, de Mackay-Marg, Tono-pen e tonômetro de jato de ar, sendo este último de não-contato(1-2).

O tonômetro de Goldmann é considerado como o método padrão para a medida da Po, sendo utilizado como referência para comparação com outros tonômetros em olhos com córneas regulares(3-4). A precisão é alta e o erro da medida não ultrapassa 0,5 mmHg(4-6). Além disso, raramente descalibra e é fácil de ser aferido pelo próprio oftalmologista, diferentemente do tonômetro de Schiötz que têm que ser enviado a uma oficina especializada para verificar o seu bom funcionamento(7).

O tonômetro de Goldmann é composto por um aplanador corneano de contato, uma haste com suporte para o aplanador e uma balança de torção. Apesar deste método ser bastante acurado, erros podem acontecer no resultado devido à, por exemplo, padrões de fluoresceína inapropriados, pressão excessiva sobre o globo ocular ao segurar as pálpebras do paciente, córneas muito espessas ou astigmatismo corneano elevado sem o devido posicionamento compensatório do aplanador(8-9).

O presente estudo objetivou analisar uma outra variante que pode interferir nos resultados, a aferição dos tonômetros.

Os objetivos específicos foram verificar a freqüência de tonômetros de Goldmann descalibrados, em serviços de oftalmologia da cidade de Recife, Brasil, no ano 2002, e estudar a influência das seguintes variáveis deste aparelho: modelo (fixo à lâmpada de fenda ou removível), tempo de fabricação, número de pacientes atendidos diariamente e freqüência de aferição. Além disso, o estudo pretendeu avaliar o grau de conhecimento dos oftalmologistas sobre a técnica de checagem da calibração deste aparelho.

 

MÉTODOS

O estudo foi realizado em Recife, Brasil, no ano de 2002. A população desta cidade é de aproximadamente 1,5 milhão de habitantes e a mesma é assistida por 267 médicos oftalmologistas10. Foram avaliados 79 tonômetros de Goldmann em funcionamento nos diversos serviços públicos e privados desta região. O comitê de ética do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Pernambuco aprovou o protocolo do estudo. Os médicos participantes forneceram consentimento informado para o estudo.

Os dados foram coletados entre julho e agosto de 2002, através de visitas a todas as clínicas oftalmológicas da região. Seguindo as instruções descritas na literatura, os tonômetros foram checados nas posições 0 (0 mmHg), 2 (20 mmHg) e 6 (60 mmHg), através de um cilindro de aferição padronizado, marcado com linhas que representam estes valores respectivamente, acoplado numa braçadeira e fixado no orifício existente no invólucro da balança de torção(11-12) (Figura 1). Medidas com erro maior que ± 2 mmHg foram consideradas como significativas. Todas as aferições foram realizadas pelo mesmo examinador, previamente treinado para esta tarefa.

 

 

Numa ficha de protocolo foram também registrados os seguintes dados do tonômetro: modelo (fixo à lâmpada de fenda ou removível), tempo de fabricação, número de pacientes atendidos diariamente e freqüência de aferição.

Foram entrevistados aproximadamente um terço (92) dos oftalmologistas da região, selecionados aleatoriamente, sendo utilizado um questionário fechado auto-aplicável, perguntando se sabiam como aferir o tonômetro de Goldmann e se realizavam pessoalmente a aferição.

Foram realizados testes para detectar diferenças entre variáveis, usando o teste do qui-quadrado ou o teste exato de Fisher para variáveis categóricas. Os resultados desta análise foram considerados significantes se p < 0,05. A análise estatística foi executada com o auxílio do "software" EpiInfo™ 2000 (Centers for Disease Control and Prevention, Atlanta, Georgia, USA).

 

RESULTADOS

Dos 79 tonômetros em que foi feita a aferição, 20 (25,3%) estavam descalibrados em pelo menos uma das três medidas avaliadas (0, 20 e 60 mmHg) (Tabela 1). Trinta e oito aparelhos (48,1%) eram fixos à lâmpada de fenda e 41 (51,9%) removíveis, sendo que estes últimos com maior número de descalibrados (Tabela 2).

 

 

 

 

Em relação à idade dos tonômetros, 28 (35,4%) tinham menos de 5 anos de fabricação e 51 (64,6%) tinham 5 ou mais anos. Quarenta e oito aparelhos (60,8%) eram utilizados em 20 ou menos pacientes por dia e 31 (39,2%) em mais de 20 pacientes por dia. A freqüência da aferição era anual ou mais freqüente em 36 (45,6%) aparelhos (Tabela 2).

Dos 92 oftalmologistas que responderam o questionário, 37 (40,2%) sabiam checar a calibração dos tonômetros de Goldmann e 55 (59,8%) não sabiam como fazer a checagem. Entre os primeiros, 24 (64,9%) o fazem pessoalmente e 13 (35,1%) delegam esta tarefa a terceiros.

 

DISCUSSÃO

Um quarto dos tonômetros de aplanação de Goldmann, analisados neste estudo, estava descalibrado. Tal constatação é preocupante, especialmente tratando-se de uma patologia como o glaucoma, onde o resultado da medida deste instrumento influencia diretamente nas decisões clínicas(5,13).

Foi observado que todos os tonômetros descalibrados apresentavam erro na medida 20 mmHg (Tabela 1), tendo a importância deste ponto de aferição já sido ressaltada em outro estudo anterior(14).

Uma informação importante é que não basta fazer a checa-gem apenas no valor zero mmHg, como acontece com alguns profissionais que não utilizam o cilindro de aferição. Neste estudo, por exemplo, metade dos tonômetros descalibrados na me-dida 20 mmHg, estava calibrada no valor zero mmHg (tabela 1).

Apenas quatro (10,5%) dos 38 tonômetros fixos não estavam calibrados, enquanto que 16 (39%) dos 41 tonômetros removíveis encontravam-se na mesma situação (p=0,008). Wessels e cols. em seu trabalho observaram que 12,6% dos instrumentos fixos estavam descalibrados contra 33% dos removíveis(14). Estes dados evidenciam que os tonômetros fixos são menos sujeitos a descalibração que os removíveis, e um fator importante é a menor exposição a acidentes no transporte e armazenamento.

A idade do aparelho influenciou na calibração uma vez que houve menos descalibração em tonômetros com menos de cinco anos de fabricação (p=0,050), mas o mesmo não foi observado em relação a freqüência de utilização e de aferição, os quais não influenciaram na calibração dos tonômetros (Tabela 2). Um dado preocupante é que mais da metade dos oftalmologistas não sabia como fazer a checagem da calibração e apenas dois terços dos que sabiam o realizava pessoalmente. Wessels e cols. notificaram que 85,2% dos oftalmologistas não sabiam checar o aparelho e apenas metade dos que sabiam o faziam pessoalmente(14).

Uma limitação deste estudo é que foi avaliado apenas se os tonômetros estavam, ou não, calibrados, tendo sido desconsiderado o quanto estavam descalibrados. Todavia, o método usual utilizado para avaliação destes aparelhos por parte dos oftalmologistas, que foi o mesmo empregado neste estudo, é idealizado para avaliação qualitativa do tonômetro, não sendo indicado para análises quantitativas.

Diante da importância da fidedignidade da tonometria no controle do glaucoma, reforçamos a orientação de que estes aparelhos sejam checados periodicamente, principalmente os removíveis e aqueles com mais de cinco anos de fabricação. Como este procedimento simples pode ser realizado pelo próprio oftalmologista, sugerimos que o ensino da técnica faça parte do treinamento destes especialistas.

 

CONCLUSÕES

Um quarto dos tonômetros estava descalibrado. Os aparelhos removíveis e aqueles com mais de 5 anos de fabricação foram mais propensos a descalibração. A maioria dos oftalmologistas não sabe aferir o tonômetro.

 

REFERÊNCIAS

1. Dias JFP, Almeida HG. Biblioteca Brasileira de Oftalmologia – Glaucoma. 2a ed., Rio de Janeiro: Cultura Médica; 2000. p.62-6.        

2. Kanski JJ. Oftalmologia Clínica Uma Abordagem Sistemática. 3a ed., Rio de Janeiro: Rio Med Livros; 2000. p.236.        

3. Shields MB. Textbook of Glaucoma. 4a ed., Pennsylvania: Williams & Wilkins; 1998.        

4. Haag-Streit International Goldmann Applanation Tonometer. Disponível em URL: http://www.haag-streit.com/cgi/solutions/index–pro.asp?Section= Solutions&page=tonometer [2002 Nov 05].        

5. Calixto N. Tonometria. In: Gonçalves P. Glaucoma, Coletânea de Trabalhos e Notas. São Paulo: Fundo Editorial Procienx; 1966. p.144-9        

6. Haag-Streit International Goldmann Applanation Tonometer models 900.4.1, 900.4.4, 870 and 1080. Koeniz: Haag-Streit Ag Ophthalmic Instruments; 2000.        

7. Sampaolesi R. Glaucoma. Buenos Aires: Editorial Medica Panamericana; 1974.        

8. Duke-Elder S, Smith RJH. Clinical Methods of Examination: Tonometry. In: Duke-Elder S. System of Ophthalmology: The Foundations of Ophthalmology, St. Louis: CV Mosby Company; 1962. vol. VII. p.348-55.        

9. Vaughan D, Asbury T, Riordan-Eva P, Schaubert LV. Oftalmologia Geral. 4a ed., São Paulo: Atheneu; 1997. p.38-40.        

10. Censo 2001 Conselho Brasileiro de Oftalmologia. São Paulo: CBO; 2001. p.30.        

11. Cemapo Applanation Tonometer L-5110/L-5130. São Carlos: CEMAPO Produtos Médicos Ltda; 2000.        

12. Haag-Streit International Goldmann Applanation Tonometer Instruction Manual. Koeniz: Haag-Streit Ag Ophthalmic Instruments; 2000.        

13. Anderson DR. Glaucoma: the damage caused by pressure: XLVI Edward Jackson Memorial Lecture. Am J Ophthalmol 1989;108:485-95.        

14. Wessels IF, Oh Y. Tonometer Utilization, Accuracy, and Calibration Under Field Conditions. Arch Ophthalmol 1990;108:1709-12.        

 

 

Endereço para correspondência
Ricardo Tomás da Costa
Rua João Francisco Lisboa, 121. Bl 16, Apt 102
Recife (PE) Cep 50741-100
E-mail: [email protected]

Recebido para publicação em 25.04.2003
Versão revisada recebida em 17.09.2003
Aprovação em 14.11.2003


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