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Editorial

Facoemulsificação: resultados e complicações nos primeiros 100 olhos

Phacoemulsification: outcomes and complications in the first 100 eyes

Maria Emília Xavier dos Santos Araújo1; André Chang Chou1; Clebert Reinaldo da Silva2; Leonardo Bruno de Oliveira2; Isaac Neustein3

DOI: 10.1590/S0004-27492000000100006

RESUMO

Objetivo: Analisar o resultado visual e as complicações dos 100 primeiros olhos submetidos à facoemulsificação, realizados no Hospital do Servidor Público Estadual de São Paulo (HSPE), por cirurgiões iniciantes nesta técnica.Pacientes e Método: As 100 primeiras cirurgias de facoemulsificação realizadas por 05 cirurgiões, em pacientes do ambulatório de Catarata do HSPE, foram analisadas. A técnica utilizada foi incisão tunelizada, capsulorrexis curvilínea contínua anterior, facoemulsificação do núcleo, usando um aparelho de bomba peristáltica, e implante de lente intra-ocular, sob anestesia com bloqueio peribulbar. Resultados: As complicações ocorreram em 15,2% dos olhos, sendo rotura de cápsula posterior sem perda vítrea em 8,7%, perda vítrea em 5,4% e luxação de núcleo no vítreo em 1 olho. Em 96,7% dos olhos foram implantados LIO de câmara posterior, sendo 70,8% no saco capsular, 28% no sulco, 1,2% fixação escleral superior. A acuidade visual final foi maior que 20/40 em 89% dos olhos e nenhum evoluiu para ceratopatia bolhosa ou descolamento de retina. Conclusão: A incidência de complicações foi comparável a da literatura, sugerindo que o aprendizado pode ser iniciado no período da residência médica.

Descritores: Facoemulsificação; Curva de aprendizado; Complicação

ABSTRACT

Purpose: To analyze outcomes and incidence of compli-cations in 100 eyes submitted to phacoemulsification perfor-med by surgeons at the start of their career at the Hospital do Servidor Público Estadual de São Paulo. Methods: The first 100 consecutive cataract operations performed by five surgeons, in patients of the HSPE, using phacoemulsification were evaluated. The surgical technique included a scleral tunnel, continuous curvilinear capsulo-rhexis, nucleus removal by phacoemulsification using a peristaltic pump and intraocular lens implantation, under peribulbar anesthesia. Results: The incidence of complications was 15.2%: posterior capsule tear in 8.7%, vitreous loss in 5.4% and one case of posterior dislocation of the nucleus. Posterior chamber IOL were implanted in 96.7% of the eyes, 70.8% of these being in the capsular bag, 28% in the sulcus and 1.2% were fixed superiorly. The final visual acuity was 20/40 or better in 89% of the cases. None of them developed bullous keratopathy or retinal detachment. Conclusion: The complication rate was comparable to that of the literature, suggesting that this technique may be learned during the residency program.

Keywords: Phacoemulsification; Learning curve; Complication

INTRODUÇÃO

O estágio atual da cirurgia de catarata, com a facoemulsificação, oferece ao paciente um excelente resultado visual e recuperação precoce. Nos últimos anos, nos Estados Unidos (EUA), tem se tornado o procedimento de escolha para extração da catarata, com crescente aumento do número de cirurgiões usando esta técnica 1. A curva de aprendizado, na transição da técnica da cirurgia extracapsular para a facoemulsificação, pode ser iniciada na residência médica, com o preparo adequado do cirurgião que deseja atingir experiência e domínio desta técnica.

O objetivo deste estudo é avaliar os resultados e complicações das 100 primeiras cirurgias de catarata, por facoemulsificação, realizadas no Hospital do Servidor Público Estadual de S. Paulo.

 

MATERIAL E MÉTODOS

Foram analisados os 100 primeiros olhos submetidos à cirurgia de facoemulsificação com implante de lente intraocular, efetuados por cirurgiões que começaram a realizar esta técnica (iniciantes), com, pelo menos, um ano de experiência em extração extracapsular (EEC) tunelizada 2. A idade dos pacientes variou entre 38 a 84 anos, com média de 61,4 anos, sendo 68 do sexo feminino e 32, masculino. A acuidade visual pré-operatória variou de conta dedos a 20/50, com a melhor correção (Gráfico I). O treinamento dos cirurgiões em capsulorrexis e facoemulsificação constou de cursos teóricos com vídeos e aulas ministradas por cirurgiões experientes, e práticas em laboratório experimental ("wet lab"). A capsulorrexis também foi treinada nas cirurgias de EEC previamente à mudança da técnica. Pacientes com apenas um olho, com prognóstico visual pobre, doenças prévias do segmento anterior como sinéquias, cristalino subluxado, opacidades significantes de córnea, bolhas filtrantes e pouca dilatação pupilar, não foram incluídos no estudo.

 

 

O método padronizado consistiu em anestesia por bloqueio peribulbar, usando xilocaína a 2% e marcaína a 0,5%, retopexia superior com seda 4.0, peritomia de base fórnix, túnel escleral superior a 2mm do limbo, com incisão reta de 6,5 a 7,0mm de acordo com o diâmetro da lente a ser implantada, paracentese à esquerda da incisão para a entrada do segundo instrumento, abertura inicial de 3,2mm, capsulorrexis curvilínea contínua anterior com agulha de insulina e/ou pinça, com a proteção de viscoelástico (hialuronato de sódio), hidrodissecção do núcleo com cânula e solução de ringer, facoemulsificação do núcleo com a técnica "flip and chip" 3 ou "divide and conquer" 4 , usando um aparelho de facoemulsificação, bomba peristáltica, que não possui mecanismo de controle de manutenção da câmara anterior (modelo Harmony Special Phaco, versão 2.11 da Dutch Ophthalmic Research Center ¾ D.O.R.C.)R. Os parâmetros utilizados na fase de esculpir o núcleo foram: poder de ultra-som de 50%, linear, limite de vácuo igual a 17 mmHg e fluxo de aspiração de 20 ml/minuto. Na aspiração de fragmentos do núcleo o limite de vácuo foi 167 mmHg, mantendo-se inalterados o poder de ultra-som e o fluxo. A aspiração do córtex foi realizada com a caneta de irrigação-aspiração ou cânula de Simcoe, ampliação da incisão e implante da lente intraocular de polimetilmetacrilato ¾ PMMA (SAPHIR 652 ¾ OPSIA e STORZ BVR-170L)R, com diâmetro de zona, óptica entre 6,5 a 7,0 mm; sutura de 1 a 3 pontos separados, radiais, com mononylon 10.0. Utilizou-se ringer lactato como solução de irrigação em todos os casos, e, em alguns, adrenalina (4 mg/ml diluída em 250 ml da solução de irrigação) para ampliar a midríase. Ao final da cirurgia foi aplicada injeção de gentamicina e dexametasona subconjuntival. Realizou-se vitrectomia anterior com vitreófago e implante de lente intra-ocular (LIO) no sulco capsular, nos olhos com perda de humor vítreo.

 

RESULTADOS

As cirurgias foram realizadas entre agosto de 1997 e janeiro de 1998. Dos 100 olhos operados, 8 cirurgias foram convertidas para a técnica EEC, sendo 6 em virtude de capsulorrexis descontínuas, 1 por dificuldade na facoemulsificação e 1 por rotura de cápsula posterior.

As complicações ocorreram em 14 olhos (15,2%), com rotura de cápsula sem perda vítrea em 8 (8,7%), com perda vítrea em 5 (5,4%), sendo em 9 olhos no momento da aspiração do córtex e 4 na facoemulsificação do núcleo, e em um, núcleo no vítreo (Gráfico II); este último foi submetido à vitrectomia e implante de LIO, em segundo tempo, com bom resultado visual (AV 20/25cc). Em 96,7% dos olhos foram implantados LIO de câmara posterior, sendo 70,8% no saco capsular, 28% no sulco e 1,2% (1 olho), fixação escleral; em 2 olhos (2,2%), LIO de câmara anterior; em 1 (1,1%) não foi implantada porque estava programada cirurgia de retina posteriormente. Em alguns olhos com LIO no sulco, a opção foi do cirurgião, para não ampliar a capsulorrexis.

 

 

O seguimento variou entre 3 e 8 meses de período pós-operatório, com refração prescrita, em média, no 2º mês. A acuidade visual no período pós-operatório foi melhor que 20/40 em 89% dos olhos (Gráfico I). Os 11% restante apresentavam degeneração macular relacionado à idade (8 olhos), buraco macular (01) e retinopatia diabética (02). Nenhum olho evoluiu com ceratopatia bolhosa ou descolamento de retina no período de seguimento.

 

DISCUSSÃO

Nos países desenvolvidos a facoemulsificação é, geralmente, ensinada durante a residência médica, com constante supervisão de cirurgiões experientes 5. A crescente popularidade da técnica deve-se a diversos fatores como: a manutenção da arquitetura do segmento anterior; a redução no tamanho da incisão, levando à diminuição do astigmatismo induzido; um sistema fechado de cirurgia reduzindo a probabilidade de hemorragia coroidal expulsiva; a redução do tempo cirúrgico e a recuperação precoce das atividades pelo paciente.

Há uma tendência recente, para se iniciar o aprendizado da facoemulsificação sem o conhecimento anterior da EEC 6 . Entretanto, verificamos que a experiência prévia com a EEC garante ao cirurgião segurança para conversão em complicações, como foi verificado em 8% de nossos casos.

A curva de aprendizado tem estado associada a um maior número de complicações, mas estudos recentes 5-10 (Tabela 1), têm mostrado uma queda neste índice. A rotura de cápsula posterior varia entre 4,8 a 11% e a perda vítrea entre 1,0 a 13,7% 7. Os parâmetros de funcionamento do equipamento utilizado (Harmony Special Phaco ¾ D.O.R.C ) foram estabelecidos pelos cirurgiões e orientadores já que não havia similar no mercado. Apesar disso, os resultados foram semelhantes aos encontrados na literatura 5 - 8,10 (Tabela 1), com rotura de cápsula sem perda vítrea em 8,7%, e perda vítrea em 5,4%. A acuidade visual final foi maior ou igual a 20/40 em 89% dos casos.

 

 

Facoemulsificação é procedimento seguro para ser ensinado na residência médica a cirurgiões com experiência na EEC, desde que todos os passos, como incisão tunelizada e capsulorrexis, sejam treinados previamente em cursos teóricos e práticos, e com uma criteriosa seleção de pacientes.

 

 


 

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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3. Fine I. Chip and flip technique. In: Koch P, Davison J, eds. Textbook of advanced phacoemulsification techniques. Thorofare, NJ: Slack 1991:191-205.        

4. Gimbel HV. Divide and conquer nucleofractis phacoemulsification: Development and variations. J cataract Refract Surg 1991;17:281-91.        

5. Robin AL, Smith S, Natchiar G, Ramakrishnan R, Srinivasan, Raheem R, Hecht W. The initial complication rate of phacoemulsification in India. Investigative Ophthalmology & Visual Science 1997;38:2331-7.        

6. Tarbet KJ, Mamalis N, Theurer J, Jones BD, Olson RJ. Complications and results of phacoemulsification performed by residents. J Cataract Refract Surg, 1995;21:661-5.        

7. Prasad S, FRCSEd. Phacoemulsification learning curve: Experience of two junior trainee ophthalmologists. J Cataract Refract Surg, 1998;24:73-7.        

8. Lambert LC, Occhiutto ML, Paparelli CM, Kniggendorf S, Akaishi L, Mendonça BD, Cvintal T. Resultados visuais e incidência de complicações em facoemulsificação com LIO por residentes. Rev Bras Oftal 1997;56(12):953-6.        

9. Corey RP, Olson RJ. Surgical outcomes of cataract extractions performed by residents using phacoemulsification. J Cataract Refract Surg 1998;24:66-72.        

10. Dantas PEC, Dantas MCN, Mandia Jr C, Waiswol M, Krasilchik G, Dias AKG. Facoemulsificação: A experiência da conversão - Análise dos 50 primeiros casos. Arq Bras Oftal 1995;58(5):421-4.        

 

 

Trabalho apresentado no XIII Congresso Brasileiro de Prevenção da Cegueira e Reabilitação Visual, 7 a 10 de setembro de 1998, Rio de Janeiro.

(1, 2) Preceptores do Serviço de Oftalmologia do Hospital do Servidor Público Estadual de São Paulo (HSPE-SP).
(3) Residentes do 3º ano do Serviço de Oftalmologia do HSPE-SP.
(4) Diretor do Serviço de Oftalmologia do HSPE-SP.

Os autores não visam interesse econômico direto ou indireto no equipamento utilizado.

Endereço para correspondência: Rua Huitacá, 96, apto 103. São Paulo (SP) CEP 04677-020. e-mail: [email protected]


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